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A linha de frente da batalha do século

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Os profissionais da saúde combatem a Covid-19, enquanto lidam com o estresse do trabalho e da vida familiar

Por Laura Kerche

“Há doenças piores que as doenças, há dores que não doem, nem na alma, mas que são dolorosas mais que as outras. Há angústias sonhadas mais reais que as que a vida nos traz (…)”. Os versos de Fernando Pessoa, datados de 1935, trazem os pensamentos do poeta alguns dias antes de sua morte. Próximo ao seu centenário de composição, as palavras trazem tanta significância quanto possuíam oitenta e cinco anos atrás, agora recontextualizados num cenário global, em que a dor é a doença, mas também é a incerteza, o medo e a perda.

Num momento em que o mundo inteiro enfrenta um inimigo comum, invisível aos olhos, a dor coletiva toma os holofotes e as páginas dos jornais. Ao mesmo tempo, o indivíduo cansado, tirado de seu dia a dia normal, lida como pode com as novas turbulências que a vida lhe impõe. Alguns lidam melhor, outros sofrem mais. No âmbito emocional, tudo é relativo. Mas não se pode negar que, na prática, aqueles que lidam diretamente com esse inimigo sofrem impactos muito mais densos que quaisquer outros. Hoje, quando o inimigo é o já conhecido coronavírus, causador da famosa Covid-19, aqueles que estão na linha de frente de seu combate e, consequentemente, os grandes afetados por tudo isso, são os profissionais da área da saúde. 

A trajetória da Covid-19 iniciou-se no último dia do ano de 2019, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada a respeito de um aumento abrupto no número de casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei. De lá pra cá, o coronavírus, patógeno causador da doença, se espalhou por todos os continentes, se tornando uma pandemia e alterando a vida de bilhões de pessoas.

Enquanto a grande maioria se viu em situação de isolamento social, lidando com quarentena, distância dos familiares e amigos e home office, os profissionais da saúde passaram a viver uma situação oposta. A cada dia sua presença se faz mais necessária nos hospitais e centros de atendimento aos novos doentes. 

A imagem mostra em primeiro plano uma enfermeira negra, vestindo um avental branco, máscara sobre o nariz e a boca e um gorro também branco. Ela está inclinada sobre uma mesa escrevendo com a mão direita e segurando um tubo de coleta de sangue com a esquerda.
Em meados de maio, a prefeitura de Botucatu realizou uma testagem em massa de quase 1500 habitantes para averiguar a presença do novo coronavírus. Foto: Divulgação Prefeito Mário Pardini da cidade de Botucatu

Vivendo esse período pandêmico de tal forma que suas ações sustentam a base do combate ao vírus, os profissionais de saúde vivem uma realidade dua. Enquanto sua profissão os leva ao front de batalha, cara a cara com o vírus, outra parte de si vive como a grande maioria das pessoas. Medo que seus familiares adoeçam, cansaço com o trabalho dobrado, estresse por ter as crianças em casa o tempo todo… Todas essas preocupações que se catalisaram na vida de milhões de brasileiros nos últimos meses também estão presentes nas vidas de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e todos os trabalhadores que integram a manutenção de um hospital. 

Para o Dr° Juan Carlos Llanos, diretor técnico do complexo hospitalar Unimed – Botucatu, as emoções dentro do hospital seguem aquilo que o povo sente. “A primeira reação foi o medo”, conta o médico. Quando o primeiro caso de Covid- 19 foi noticiado no Brasil, em 26 de fevereiro deste ano, o país inteiro entrou em uma onda de temor. A incerteza por ser uma nova variação de coronavírus (SARSCoV-2), diferente das seis antes encontradas em humanos, a ausência de estudos concluídos, tratamentos comprovados ou vacina produzida, gerou uma apreensão muito grande dentro das alas hospitalares. “Foi preciso uma grande ação com todos os trabalhadores do hospital, desde a limpeza até quem prepara a comida dos pacientes. Tudo para que conseguíssemos garantir o máximo de segurança possível, dentro das recomendações dos órgãos reguladores de saúde”, diz ele.

A principal forma de garantir essa segurança no trabalho é através de equipamentos de proteção individual, os EPIs. Esses materiais são necessários para garantir a proteção do profissional da saúde durante o tratamento de pacientes com a Covid-19. Em teoria, cada profissional deveria ter um conjunto completo de EPI para entrar em contato com o vírus segundo os protocolos de segurança da OMS, conforme pode ser observado no infográfico abaixo. Entretanto, a realidade não tem permitido o zelo necessário.

Infográfico explicando quais são os EPIs necessários para a proteção dos profissionais da saúde.
Os EPIs são defendidos pela ONU como o meio mais seguro de proteger os profissionais da saúde. Infografia: Laura Kerche

 Dentro de uma realidade de sistema de saúde privado, o diretor técnico da Unimed – Botucatu conta que a compra de máscaras cirúrgicas, principal equipamento de proteção, chegou a subir até 3.000% durante a pandemia, de acordo com a denúncia feita pela Federação e o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (FEHOESP e SINDHOSP) ao Ministério da Saúde. “Chegou um momento em que simplesmente não tínhamos máscara para todo mundo. Eu mesmo passei a usar somente em situações de alto risco, porque não estávamos dando conta da demanda.”

Na realidade do sistema único de saúde (SUS), o cenário é mais difícil. A enfermeira Pâmela Roustini trabalha no Centro de Saúde Escola, um dos postos de atendimento ligados ao hospital da Unesp de Botucatu, e foi designada para a coleta de swab nasofaríngeo, a secreção respiratória utilizada para a realização do exame RT-PCR (reverse-transcriptase polymerase chain reaction), um dos principais meios de detecção do novo coronavírus. Ela conta que a adequação da rotina habitual para a realidade do coronavírus foi turbulenta. “A maioria (dos enfermeiros) relatava um despreparo em referência ao procedimento de coleta. Talvez se houvesse uma educação continuada, seria interessante.” Na questão dos aparatos de proteção, o ideal também não se mostrou na prática. “Por parte do financiamento, foi uma luta muito grande porque os recursos eram escassos para podermos adquirir os EPIs. Para o serviço público, foi uma situação bastante complicada”, conta ela. 

A imagem mostra uma enfermeira com todos os EPIs coletando a secreção respiratória de um homem idoso, de calças azuis, jaqueta verde, tênis pretos e máscara apoiada nos joelhos, sentado em uma cadeira de plástico branca. O fundo é uma parede azul.
Coleta do secreção respiratória para realização do exame RT-PCR. Foto: Divulgação Prefeito Mário Pardini da cidade de Botucatu

Na cidade de Botucatu, no interior do estado de São Paulo, a principal referência em saúde pública é o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp (HCFMB), que atende pacientes vindos de todo o centro oeste paulista. A diretora de assistência à saúde do hospital, Drª Érika Ortolan, afirma que diversas mudanças ocorreram no hospital para que a demanda de pacientes com Covid-19 da região pudesse ser atendida. Inicialmente, “o HCFMB interrompeu a maioria de suas atividades de assistência, com a suspensão de ambulatórios, exames agendados e cirurgias eletivas. Um ambulatório especial para atendimento de pacientes suspeitos de Covid-19 foi criado no começo de março com área de circulação exclusiva de entrada e saída de pacientes”, conta ela.

Nesse mesmo mês, o Laboratório de Biologia Molecular do HC foi credenciado para realizar o exame de RT-PCR , o que aumentou a quantia de casos diagnosticados na cidade e também o número de pacientes confirmados com o novo coronavírus circulando pelo hospital. Parte do Departamento Regional de Saúde de Bauru, a DRS VI, o HC da Unesp presta atendimento aos 115 mil habitantes de Botucatu, além de atender pacientes de outras 12 cidades próximas. “O hospital se desdobra e faz todo o possível para dar conta da demanda da Covid-19”, afirma a médica.

Para uma dedicação assim, em um cenário tão pouco favorável, a valorização é o melhor meio pelo qual aqueles que não se enquadram como combatentes diretos do vírus podem colaborar. Valorizar o médico que atende a consulta de rotina, a enfermeira que coleta sangue, a funcionária que esteriliza a sala onde exames acontecem… Isso sempre. Agora, em tempos de pandemia como ninguém vivenciou antes, a melhor valorização do profissional da saúde acontece ficando em casa. Se com a permanência em casa impede-se a exposição ou contaminação, quem assim o faz ajuda a não superlotar leitos de hospitais, e consequentemente, diminui o desgaste, estresse e sobrecarga de todo um conjunto de profissionais. Por eles, muito obrigado! 

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Redação

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