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A luta pela linha de chegada

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Travestis e transexuais enfrentam dificuldade no mercado de trabalho e evidenciam que desenvolver ações que possibilitam essa participação é de extrema urgência no Brasil
Por: Jean Prado e Carolina Freire
Crescer, estudar, se formar, trabalhar e se aposentar. Resumidamente, essa parece a trajetória de vida de muitas pessoas, independente do tempo que elas levam para alcançar cada uma dessas etapas. No entanto, a realidade enfrentada por travestis e transexuais é outra. De acordo com a manicure e estudante de estética Mirella*, que nasceu Jonathan e se identifica como uma mulher trans, “para uma travesti arranjar emprego é como correr duas maratonas ao invés de uma, isso para conseguir só chegar até a linha de chegada, nem estamos falando de concorrer ao pódio”.
Mirella tem 32 anos, trabalha como manicure há 5 anos e só agora conseguiu se estabilizar financeiramente para cursar uma universidade. Quando decidiu que não seria mais Jonathan e viveria quem realmente gostaria de ser aos 19 anos foi expulsa da casa da família, que vive no interior do estado de São Paulo, e veio para a capital apenas com a roupa do corpo. Morou com amigos conhecidos na internet e trabalhou de forma informal, também em atividades relacionadas à prostituição, até que conheceu sua atual chefe, proprietária de um salão de beleza na zona leste da cidade, e conseguiu o emprego ligado a área da beleza: “Sem a oportunidade que tive da minha chefe, eu ainda estaria nas ruas. E ninguém sonha em ser prostituta, né? Aliás, ninguém é muita gente, mas a grande maioria das travestis que estão nas ruas é por falta de oportunidade mesmo”.
Ela ainda conta que, apesar de possuir cursos de manicure e podologia e também cursar o ensino superior em uma universidade particular, encontrou resistência em algumas clientes, que preferem ser atendidas por mulheres cisgêneras: “Apesar de ter gabarito na minha área e mandar bem na profissão, tem muita cliente que tinha preconceito comigo. Demorei muito tempo para ter um leque grande de clientes”.
A história de Mirella é muito parecida com a de várias pessoas trans. Muitas vezes expulsas de casa logo quando assumem sua identidade de gênero, travestis e transexuais também não conseguem espaço no mercado de trabalho e normalmente são obrigadas a recorrer à prostituição. É uma parcela assustadora dessa população que enfrenta essa situação: uma estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) aponta que 90% de travestis e transexuais já trabalharam com prostituição em alguma fase da vida.
Em um mundo onde o trabalhar é necessário para sobreviver, principalmente quando não há o amparo familiar, é extremamente preocupante que uma parcela da população seja marginalizada do mercado de trabalho. Ainda que a prostituição seja uma profissão válida, é importante dar a essas pessoas o direito de escolha, o que hoje não acontece de forma efetiva.
Os desafios enfrentados por pessoas trans
Um artigo publicado na edição de maio de 2018 da Revista de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) se propôs a identificar as dificuldades no acesso ao emprego pela população transexual e travesti no município de São Paulo. Os autores entrevistaram diversas entidades com atuação específica junto a essa população, incluindo a Antra, mencionada anteriormente.
O estudo identificou cinco principais desafios da inserção no mercado de trabalho por pessoas trans:

    • preconceito e transfobia, que começa desde o processo seletivo até a própria manutenção no emprego;
    • documentação, já que muitas mulheres trans precisam se alistar no Exército por ter registro civil masculino, cuja alteração depende da Justiça;
    • uso de banheiro, vestiário e uniforme, já que muitas são obrigadas a usar banheiros ou uniforme que não correspondem à sua identidade de gênero;
    • escolaridade, já que muitas não conseguem permanecer na escola ou entrar na faculdade;
    • linguagem corporal e verbal, já que muitas são imediatamente reconhecidas como travestis e vistas como inferiores pela sociedade.

A própria aceitação dentro de casa também influencia vários desses fatores. A Casa 1, centro de cultura e acolhimento no centro de São Paulo, já abrigou 120 LGBTs em situação de rua. Metade desse número é composto de pessoas trans que, em maioria, foram expulsos de casa.
Iran Giusti, fundador da Casa 1, conta que o motivo mais comum para que isso aconteça é pura e simples transfobia. “É bastante recorrente termos jovens que já eram assumidas como gays e lésbicas e ao transicionarem são expulsas. Os familiares desconhecem completamente o que é uma pessoa trans e com todos os estigmas negativos da nossa sociedade optam pela expulsão” diz.
Ao serem acolhidas pela Casa 1, vinte pessoas por vez passam quatro meses em uma casa com todo o suporte necessário para que se sintam seguras e conheçam direitos e políticas que não tiveram contato anteriormente. Os acolhidos e acolhidas pela Casa 1 são estruturados para garantir a independência após sua estadia.
“O trabalho no campo da saúde mental (e as demandas) de todas tende a ser bem semelhante, com um receio muito grande de sofrer preconceito constantemente. Por sorte, hoje temos muitos parceiros e parceiras que buscam pessoas trans para integrar seus times e não temos nenhuma trans desempregada”, garante Giusti.
Na luta pela inclusão
Com a assinatura de e-mail “travesti com muito orgulho”, Márcia Rocha é a primeira advogada a ter o nome social reconhecido na carteirinha da OAB. Ela também é empresária e fundadora do TransEmpregos, um canal que visa facilitar o acesso ao mercado de trabalho para pessoas trans. O projeto foi fundado em 2013 e hoje possui maior banco de dados e currículos deste segmento dentro do país. A advogada assumiu sua identidade de gênero aos 45 anos e, em entrevista para esta reportagem, comentou essa decisão: “Demorei para assumir por não compreender bem o que acontecia comigo, pois não havia informações. Quando comecei a estudar e compreendi, passei a caminhar na minha transição até não ser mais possível ocultar. Também, por conta do preconceito à época, que era mortal. Meu pai me aconselhou a não contar, o que me permitiu estudar, trabalhar e construir uma vida produtiva. Muitas não têm essa sorte e acabam realmente na prostituição por falta de opção. Mas essa realidade está mudando”.
maria-rocha-transempregos
O trabalho de Márcia ajuda muitas pessoas trans a se posicionar no mercado de trabalho e também auxilia na visibilidade da importância da causa. De acordo com ela, sua experiência mercadológica foi fundamental para o êxito do canal: “O Transempregos não é empresa, não cobra nada e nem visa lucro. Eu sou sócia em quatro empresas, a primeira fundada por mim em 1991. Acredito que minha experiência como empresária ajudou a fazer essa ponte, pois entendo o meio empresarial e sua forma de pensar. Também participei durante muitos anos do ativismo, para compreender suas necessidades e fazer essa ponte”.
Com cerca de de 2.000 currículos cadastrados hoje, sendo 40% pessoas com curso superior e 30% com curso técnico e segundo grau, o TransEmpregos mostra que existe sim uma grande demanda de pessoas trans por empregos, a luta é pelas oportunidades. Ainda de acordo com Márcia, do início do projeto até agora, o que definitivamente mudou foram a quantidade de vagas ofertadas: “A partir do momento em que conseguimos ter diretoras de multinacionais trans, engenheiras, advogadas, técnicas de informática, etc… E as empresas deram um feedback de que eram ótimos profissionais, o número cresceu rapidamente. No mês de setembro, até o dia 15 já haviam sido contratadas 15 pessoas e recebo novas vagas diariamente”. 
Ações para incluir pessoas trans no mercado formal de trabalho
Iniciativas como a do TransEmpregos são importantes para que as vagas de trabalho para pessoas trans sejam evidenciadas, mas, além disso, é importante que as próprias empresas e empregadores desenvolvam ações que promovam a diversidade de seus funcionários. A manicure Mirella enfatiza: “A galera acredita que as pessoas trans querem diretos a mais. Ninguém aqui quer privilégio ou estrelinha. A gente só quer ser reconhecido como qualquer outro tipo de profissional normal, julgado pelas capacidades técnicas e não por quem a gente é ou ama. Nós queremos oportunidades para sermos quem somos e que deixem a gente trabalhar. Isso não deveria ser pedir muito”, finaliza.
*Os nomes com a sinalização foram modificados para proteger o sigilo das fontes.

Redação

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