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A realidade por trás de um turismo explorador

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O turismo de realidade é uma nova modalidade que vem crescendo nas agências de viagens e causa polêmica quanto a sua efetividade.

Catherine Paixão, Flávia Simão e Izabella Pietro
Dentro do turismo existem inúmeras modalidades a serem escolhidas pelos turistas na hora de viajar, divididas de acordo com suas diferentes características e necessidades, por isso existem agências especializadas que atendem essas diferentes demandas, para assim atender plenamente os viajantes. Para muitas pessoas, o turismo envolve apenas aquelas viagens consideradas mais tradicionais, como para praia (turismo de massa) ou para visitar paisagens naturais (turismo ecológico), mas o turismo se divide em mais de 12 categorias e abrange vários estilos de viagem.
Uma das categorias em ascensão é o turismo de realidade, uma modalidade recente dentro do turismo que vem ganhando cada vez mais adeptos, pelo seu caráter comovente, diferenciado e “original”. Conhecido também como “tours da realidade”, esse turismo é motivado por situações de pobreza e catástrofes, e acontecem nos lugares que são marcados por alguma dessas características.

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Turistas visitando o antigo Campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Crédito: Wikimedia Commons


O “World Travel Market” (mercado de viagem mundial, em tradução livre) é o principal evento mundial voltado para a indústria do turismo e viagens, reunindo milhares de profissionais da área, além de representantes de turismo do mundo todo. De acordo com o relatório realizado pelos organizadores do evento, junto com o Euromonitor International – empresa que pesquisa estratégias para o mercado consumidor – que apresenta as novas tendências e rumos do turismo, os viajantes procuram cada vez mais destinos emocionantes, com sensações fortes e perigosas.
Essa nova tendência explica e acompanha a ascensão do turismo de realidade, que promove aos viajantes a experiência de visitar algum cenário onde ocorreram desastres (natural ou não) ou possuem alguma situação crítica (como a pobreza), aproximando-os da miséria e do sofrimento. As agências de viagem estão cada vez mais disponibilizando esse tipo de “atração” e adentrando essa modalidade em diversos países.
O próprio Brasil possui uma grande clientela desse turismo nas favelas do Rio de Janeiro, conhecida como Favela Tour, turistas brasileiros e de outros países pagam para visitar a Favela da Rocinha, onde passeiam e observam a situação dos moradores, apenas para vislumbrarem a dificuldade da situação e depois voltarem para suas vidas. Por R$75, é possível realizar uma visita com duração de 5 horas na favela e interagir com os moradores. Os sites que oferecem esse serviço estão disponíveis em várias línguas e contam com depoimentos de viajantes.
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Favela tour acontecendo na Rocinha. Crédito: Daytours4you creative commons


Nos Estados Unidos é possível fazer o mesmo percurso que um imigrante ilegal do México faria para entrar no país com o turismo de realidade ou ainda visitar o marco zero, local onde ficavam as Torres Gêmeas em Nova York, antes do ataque do 11 de setembro. Em 2005 foram relatados “reality tours” em Nova Orleans, em Louisiana, local devastado pelo furacão Katrina.
Outros lugares do mundo que foram marcados por tragédias podem ser visitados, como o Campo de Concentração de Auschwitz (foto 1) na Polônia, local onde foram mortos mais de 1 milhão de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Na África do Sul é possível ficar hospedado no Emoya Luxury Hotel and Spa, hotel de luxo que simula a pobreza, reproduzindo em uma área de seu complexo uma favela, que pode ser alugado por R$200 a diária para quatro pessoas. Diferente da realidade, a favela tem internet e energia elétrica.
Confira abaixo um vídeo do local:

Embora esse turismo nem sempre seja realizado de forma assumida, ele existe e atrai turistas que querem se sentir mais próximos dessas situações, mas ainda assim viverem suas vidas sem viver aquilo diretamente. De acordo com o relatório do World Travel Market, os “tours de realidade” atraem aqueles que buscam emoções reais e fortes, por isso é um ramo em ascensão dentro do turismo.
Só uma olhadinha…
No entanto, é visível que a problemática acerca deste tema é muito profunda e complexa. Segundo Rachel Grepp, publicitária e militante dos direitos humanos, que em 2015 escreveu um artigo opinitivo para o site do Coletivo Carranca – que é um coletivo formado em 2014, pela primeira geração de colaboradores do Mídia Ninja nas manifestações de junho de 2013 -, essa indústria turística trata “o terceiro mundo como um zoológico humano, as favelas viraram o jardim zoológico da indústria da piedade no Brasil. Agora os ‘gringos entediados’ estão chegando em massa e agendam suas férias com itinerários que incluem as favelas, lugar de crime, horror e inferno”.
Essa nova modalidade, que se tornou moda para os viajantes ocidentais, capitalizou a pobreza, fator que consagra enorme hipocrisia no cenário atual brasileiro, já que o próprio capitalismo, que proporciona aos turistas a possibilidade de viajarem para esses lugares, é o mesmo que inviabiliza a vida dos alvos dessa categoria de entretenimento – que são as próprias pessoas que moram nas favelas: “Esses lugares são locais de moradia de sujeitos marginalizados. Moradores de favela não são atrações turísticas. Visitar a favela como zoológico é naturalizar a discriminação. É redimensionar o racismo e impor esses grupos marginalizados à condição de coisa”, afirma Grepp.
E o retorno para os moradores dos locais explorados é nulo. O turismo de realidade não gera capital, nem benefício social algum para o local onde é exposto, e que passa por dificuldades. Por exemplo, apenas R$5,00 é deixado na favela quando um turista a visita. O roteiro de passeio se faz em basicamente dar apenas uma olhadinha no cenário de pobreza, ficar perto, comprar algumas lembrancinhas para a família e voltar ao aconchego do lar, nunca chegando a vivenciar a dura realidade pela qual os moradores locais passam todos os dias.
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Crédito: Catherine Paixão


E este fato acaba não sendo tratado com maior importância nem pelas companhias de viagens que colocam essa nova moda em seus roteiros, já que o objetivo delas é utilizar e explorar os lugares de miséria e desastre natural sem retribuir para o local que utilizam, nem pelas pessoas interessadas neles.
A população deseja vivenciar uma realidade diferente da conhecida, no entanto, não problematiza a situação e nem pensa em como poderá realmente ajudar a comunidade sem o assistencialismo. No “Favela Tour”, as ONGS e entidades da comunidade que auxiliam a população diariamente, com alimentação, aprendizado, cultura e esporte, não fazem parte do itinerário – e elas são responsáveis por grande parte do incentivo às comunidades, já que o Estado é ausente em tais lugares.
A realidade da população local não é sair do tour ou do hotel e ir tomar um banho quente ou jantar em um restaurante de destaque. A realidade deles é continuar nessa situação de vulnerabilidade que não dura apenas 3 ou 4 horas. Portanto, forma-se uma população de estrangeiros que apenas exploram a comunidade.
Para Rachel, esse “Marketing da Piedade leva turistas voluntários a fazerem de tudo que puderem para ajudarem os pobres, crianças inocentes que encontram em suas viagens, e cumprirem em seus check-lists de viajantes, serem a Angelina-Jolie-por-um-dia. […] Os moradores das favelas estão sendo enganados, achando que serão protagonistas de uma atividade com alto potencial lucrativo e com ela irão progredir. No entanto, o favelado é justamente a commodity com potencial de exploração dessa indústria”, e a ajuda acaba não sendo estrutural, mas sim assistencialista, com muitas restrições quanto à iniciativa de se praticarem tais ações.
Grepp ainda acrescenta na sua fala sobre a efemeridade dessa súbita forma de salvação para as favelas: “Curiosamente o Governo, depois de anos de abandono, ausência de serviços e de infraestrutura, agora lança o turismo como salvação da favela! Uma atividade sazonal e sujeita à variação mercadológica. Isso está realmente ajudando a preencher o vazio deixado pelo Estado? É de turistas de curto prazo que esses lugares precisam?”.
 
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Pontos turísticos e culturais da favela da Rocinha: www.falaroca.com.br


 
E as opções turísticas não param com os “Favela Tours”, nem as problemáticas ao entorno delas­. Também existem, no Brasil e no mundo, fazendas que imitam os tempos em que ainda a escravidão era parte integrante das sociedades, além de serem oferecidos outros passeios, como os “trava tours”, em que os viajantes visitam as áreas de prostituição de Buenos Aires.
Estas viagens deixam ainda mais de escanteio a situação de risco, de desigualdade e de preconceito pelas quais as populações marginalizadas passam. A Fazenda Santa Eufrásia, por exemplo, que fica a sete quilômetros de Vassouras (RJ), proporciona aos seus hóspedes um ambiente idêntico ao encontrado na época da escravidão, numa bela e típica história de donos de engenho e de cafezais, em pleno século XIX, mais especificamente no ano de 1830.
Quem vai até o local encontra serviço do bom e do melhor, assim como eventos de música e entretenimento na própria fazenda. Mas o que deixam para trás é toda a marca do chicote cravada na pele dos negros escravos, que foram trazidos da África e distanciados de suas famílias, de suas culturas e de suas raízes, chegando no Brasil apenas para servirem aos seus senhores e serem maltratados.
Em momento algum a visita ao local proporciona uma reflexão acerca de como a escravidão foi maléfica para o Brasil, principalmente para os negros, que desde aquela época foram tratados como inferiores, refletindo até hoje no racismo estrutural que ainda os matam todos os dias nas favelas, como diz o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito, divulgado em junho de 2016 pelo site Brasil de Fato, e que apresenta 63 jovens negros assassinados por dia no país.
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O turismo de realidade ofusca a dura realidade dentro dos locais visitados. Crédito: Catherine Paixão


A maquiagem valoriza excessivamente os impactos positivos e os benefícios, e deixa de lado as consequências indesejáveis. A começar pelos agentes idealizadores e exploradores, que são externos, grupos profissionais de empreendedores que lançaram um produto diferente para turistas”, finaliza Grepp, enfatizando que é preciso problematizar a situação das pessoas afetadas por esse tipo de turismo, que são invisibilizadas em suas rotinas reais, praticamente não tendo opção de mudança para modos de vida com mais oportunidades, e colocadas como atrações de um cenário maléfico; além de também ser necessário repensar a vontade dos turistas de visitar lugares de realidades tão diferentes, e também o assistencialismo proclamado pelas agências que não retribuem e nem auxiliam essas populações.

Redação

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