Em 2017, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil fechou o ano com crescimento de 1% em relação à 2016. O índice que representa a soma de todas as riquezas produzidas no país foi impulsionado, principalmente, pelo setor de agronegócio. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a safra de grãos recorde contribuiu para que o setor crescesse 13%, o melhor resultado em toda a série de registros iniciada em 1996.
Dentro desse setor está a agricultura familiar, um modo de produção que, além de ajudar a movimentar a economia, também tem relação direta com a mesa de milhares de brasileiros. Afinal, a agricultura familiar é responsável pela produção de mais de 50% dos alimentos da cesta básica brasileira, de acordo com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD).
A definição de agricultura familiar
A agricultura familiar possui uma regulamentação para existir e ser assim denominada. A lei nº 11.326, de 24 de Julho de 2006, define que um agricultor familiar e empreendedor familiar rural é aquele que possui uma área produtiva de até quatro módulos fiscais. O módulo fiscal é uma unidade de medida de área (em hectares) que corresponde à área mínima necessária a uma propriedade rural para que a produção seja economicamente viável, definido de acordo com cada município pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Em Bauru, um módulo fiscal corresponde a 12 hectares.
Para ser denominado um produtor familiar é preciso também utilizar predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, ter renda familiar principalmente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento e dirigir essa propriedade com a família.
Dados fornecidos pelo INCRA mostram que as propriedades familiares representam 90,6% das unidades de produção agropecuária no país, os médios produtores 7,1% e aqueles categorizados como produtores empresariais 2,3%. Mas, ao se analisar, com relação ao total de área, inverte-se a classificação: os produtores empresariais representam 47,7%, os agricultores familiares 28,95% e os médios produtores 23,35%.
Essa inversão na distribuição é um dos retratos da agricultura familiar brasileira que, muitas vezes, é vista como uma produção simples que envolve apenas chapéu de palha, plantio, colheita e consumo. No entanto, a produção desse modo de agricultura oferece matéria prima para indústrias e distribui alimentos embalados diretamente ao consumidor final.
Colocando em outras palavras, a agricultura familiar também tem um papel importante na economia, como explica a própria SEAD, através de seu portal na internet. Do total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros 84,4% pertencem a grupos familiares, chegando a um total de cerca de 4,4 milhões de estabelecimentos, a metade deles somente na Região Nordeste. Essas informações são do Censo Agropecuário de 2006, que também aponta que o setor constitui a base econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes
Em relação ao produtos, a agricultura familiar produz “87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 21% do trigo do Brasil. Na pecuária, é responsável por 60% da produção de leite, além de 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos do país”. É um setor que também ajuda a empregar, já que responde por sete em cada dez postos de trabalho no campo.
As autoridades oficiais falam sobre esse assunto com otimismo. Jefferson Coriteac, Secretário Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, diz que o investimento e o reconhecimento da agricultura familiar têm de ser muito maior, já que ela é essencial para o desenvolvimento da agricultura e a promoção da segurança alimentar do país.
O coordenador-geral de Monitoramento e Avaliação da Secretaria, Régis Borges de Oliveira, aponta que também deve-se destacar a questão cultural desse modelo de produção. Segundo ele, o agricultor familiar tem uma relação diferente com a terra e é muito presente na maioria dos municípios brasileiros.
Contudo, apesar desse cenário de aspectos positivos, há uma questão mal resolvida que a economista Natalia Maronez Lacerda aponta: “têm crescido no Brasil o número de feiras e eventos dedicadas ao tema (agricultura familiar), no entanto, acredito que a maioria desconheça a real importância desse setor para economia”.
Conhecendo de perto
Para entender a situação dos agricultores mais de perto, conversamos com Eneida Muniz Carrasco. Ela é produtora familiar há 25 anos e há 10 anos tornou-se produtora orgânica certificada. Atualmente ela possui uma propriedade com 18 alqueires (cerca de 43 hectares) localizada entre as cidades de Agudos e Bauru. Nesse espaço de terra possui uma horta com diversos tipos de folhas, como alface, rúcula e almeirão e também PUNC’s (Plantas Alimentícias Não-Convencionais). O sítio também possui uma criação de gado, frangos, carneiros e porcos.
“Nós vivemos somente disso (do sítio), a minha família e a família dos meus dois filhos. Temos uma boa margem de lucro, mas a agricultura orgânica exige muito investimento, então a gente acaba permanecendo no negócio porque já temos uma estrutura de vida. O lucro do produtor rural é viver na natureza”, declara.
Eneida vende seus produtos em feiras livres de Bauru e para clientes que já são fiéis e conhecidos. Faz também cestas com produtos orgânicos para vender. A economista Natalia traz uma boa notícia para quem investe nessa área, já que, nos últimos anos, a busca por produtos relacionados a preservação da saúde e do meio ambiente tem ganhado força. “O mercado de orgânicos tem grande potencial de crescimento tanto no mercado interno, como no internacional”, diz.
Para tentar melhorar sua produção, Eneida conta que já fez cursos de capacitação oferecidos pelo Sebrae e entrou para uma associação de feirantes. “Como a gente não tem tantas condições financeiras, eu fui entendendo que para eu poder tornar um pouco melhor a minha permanência na terra eu precisava procurar alguém que pudesse me dar uma orientação”, afirma.
Incentivos do governo
Um programa oferecido pelo governo federal para beneficiar e ajudar os produtores familiares é o Pronaf, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Ele busca financiar projetos individuais ou coletivos, de modo a gerar renda aos produtores familiares. O programa possui baixas taxas de juros para financiamentos rurais, seja ele para o custeio da safra, atividade agroindustrial, investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção.
Natalia relembra a existência de outros programas de incentivo, como a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), por exemplo, que contribui para o aumento da produtividade dos agricultores familiares, através da orientação técnica. “Outra entidade que desempenha a qualificação no campo, é o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), mantido pela classe patronal rural, vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que atende, gratuitamente, mais de 3 milhões de brasileiros do meio rural, todos os anos, contribuindo para sua profissionalização”, explica.
Eneida conseguiu um financiamento através do Pronaf há dez anos, o que ajudou a melhorar sua produção na horta. Porém, ressalta um problema que enfrentou no processo para conseguí-lo: a burocracia. “Quando você vai no órgão competente para tirar um financiamento a burocracia é tremenda. Eu fiquei um ano atrás de documentação e não consegui. Mas insisti e só depois de um ano e meio consegui tirar um Pronaf de 20 mil reais. Tenho amigos que desistiram porque tem muita burocracia”, revela.
A produtora critica também o fato do governo federal não incentivar de forma efetiva os agricultores familiares, dar pouco ou nenhum espaço para essa categoria na hora de propor leis e projetos e não ouvir o que o produtor que está diariamente lidando com a terra tem a dizer. “Nosso país dá tanta importância a ter um shopping e indústrias na cidade, o que eu não sou contra, mas está matando o produtor rural aos poucos”, desabafa.
No meio da produção, junto com cada folha plantada, a produtora Eneida também tenta plantar esperança a cada dia. “Dificilmente nós do campo passamos por crise, porque somos as pessoas que mais têm esperança. A gente planta a semente, faz tudo o que pode e espera até ela produzir. Se ela não produz, a gente planta de novo e nunca desiste”, finaliza.