Aquecimento global facilita propagação de novas doenças

Além da dengue, o mosquito Aedes aegypit também transmite a febre Chikungunya e o Zika vírus. Mudanças climáticas favorecem a reprodução do vetor

Por Bianca Arantes e Flávia Nosralla

Em 17 de fevereiro deste ano, os casos de suspeita de microcefalia, uma condição rara em que o bebê nasce com o crânio do tamanho menor do que o normal, chegavam a 3.935 de acordo com o Ministério da Saúde.

Pouco mais de dois meses após a declaração de estado de emergência em saúde pública no país, feito no dia 11 de dezembro de 2015, devido ao aumento dos casos de crianças nascidas com essa condição no Nordeste, especialistas apontaram que essa crise poderia ser uma ameaça à saúde mundial maior do que a epidemia de Ebola de 2014-2015, que matou mais de 11 mil pessoas na África.

O Ministério da Saúde afirma que o aumento dos casos de microcefalia ou de alterações do sistema nervoso central em bebês está associado à infecção pelo vírus zika na maior parte das mães desses recém-nascidos, uma teoria amplamente aceita pela comunidade acadêmica internacional. A doença, também transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, provoca sintomas parecidos com os da dengue, porém de maneira mais branda: febre, dor de cabeça e no corpo e manchas avermelhadas na pele.

Até o dia 17 de fevereiro, foram notificados 108 óbitos por microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central após o parto (natimortos) ou durante a gestação (abortamentos ou natimortos), segundo dados do Ministério da Saúde. Ao todo, 5.280 casos suspeitos de microcefalia foram registrados desde o início das investigações, em 22 de outubro de 2015, até 13 de fevereiro de 2016.

Triplamente qualificado
Bem conhecido pela população brasileira, acostumada a enfrentar o Aedes aegypti durante os meses de calor e chuvas, o mosquito trouxe mais desafios neste verão. Popularmente reconhecido como o transmissor da dengue, nesta estação ele passou a ser o vetor da febre Chikungunya, que também pode ser transmitida pelo Aedes albopictus, e da Zika, suspeita de ser a responsável pelo aumento de casos de microcefalia no mundo.

O Chikungunya, identificado pela primeira vez no Brasil em 2014, provoca febre alta de início rápido, dores intensas nas articulações dos pés e mãos, além de dedos, tornozelos e pulsos. Outros sintomas menos comuns podem ser dor de cabeça, dores nos músculos e manchas vermelhas na pele. Apesar de cerca de 30% dos casos não apresentarem sintomas, depois de infectada a pessoa fica imune pelo resto da vida. Os sintomas iniciam entre dois e doze dias após a picada do mosquito, que adquire o vírus CHIKV ao picar uma pessoa infectada.

Identificada pela primeira vez no Brasil em 1986, estima-se que 50 milhões de infecções por dengue ocorram anualmente no mundo. Os sintomas da doença são febre alta (39° a 40°C), que geralmente dura de dois a sete dias acompanhada de dor de cabeça, dores no corpo e articulações, prostração, fraqueza, dor atrás dos olhos, erupção e coceira na pele.

Os casos de dengue são distintos, variando entre assintomáticos, leves ou graves, podendo levar à morte. Os sintomas da forma grave da doença incluem dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes e sangramento de mucosas .

Já o vírus Zika, apontado pela primeira vez no Brasil em abril de 2015, é assintomático para cerca de 80% das pessoas infectadas. Quando há manifestações clínicas da doença, as principais são dor de cabeça, febre baixa, dores leves nas articulações, manchas vermelhas na pele, coceira e vermelhidão nos olhos. Outros sintomas menos frequentes são inchaço no corpo, dor de garganta, tosse e vômitos.

Por muitos anos, o vírus Zika não foi considerado uma ameaça pela comunidade mundial de profissionais da saúde, pois, na maioria dos casos, a evolução da doença é benigna e os sintomas desaparecem espontaneamente entre três e sete dias. Formas graves e atípicas são raras, sendo que o primeiro óbito relacionado a ela foi identificado em novembro de 2015.

Segundo o Ministério da Saúde, no entanto, foi confirmada, recentemente, a relação entre o vírus Zika e a microcefalia. De acordo com a página online da instituição, a comprovação desse vínculo veio através de um estudo que encontrou resultados inéditos após o surto de microcefalia no Nordeste. “O Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em Belém (PA), encaminhou o resultado de exames realizados em um bebê, nascida no Ceará, com microcefalia e outras malformações congênitas. Em amostras de sangue e tecidos, foi identificada a presença do vírus Zika”, explica o Ministério da Saúde através do site criado pela instituição para divulgar informações para a população sobre o surto de males causados pelo Aedes aegypti.

A guerra contra o mosquito
Segundo dados da Sala Nacional de Coordenação e Controle (SNCC) de Enfrentamento à Microcefalia, do Ministério da Saúde, até às 16h da última quarta-feira (17/02), 27,4 milhões de domicílios e prédios públicos, comerciais e industriais receberam equipes formadas por agentes comunitários de saúde e de controle de endemias, com a participação de militares das Forças Armadas, para identificação de focos e orientação aos moradores sobre medidas de prevenção ao Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, da febre Chikungunya e do vírus Zika.

De acordo com o novo levantamento, 4.462 dos 5.570 municípios do país, mais de 80%, já iniciaram os mutirões. Durante as visitas, foram identificados 984,3 mil imóveis com focos do mosquito, o que representa 3,77% do total de visitados, número ainda acima da meta de menos de 1% de imóveis com foco. Apesar disso, 91,6 mil imóveis tiveram o acesso das equipes de combate ao mosquito negado e 6,1 milhões de domicílios encontravam-se fechados no momento da visita.

Apesar dessas recusas, desde o dia 01 de fevereiro de 2016, o Governo Federal autoriza a entrada de agentes públicos de combate ao mosquito em imóveis públicos ou particulares que estejam abandonados, ou em locais com alto potencial de existência de focos, no caso de ausência de um responsável que possa permitir acesso ao local. Para tanto, as equipes precisam comprovar a ausência de alguém que autorize a vistoria. “É necessário que o agente realize duas notificações prévias, em dias e horários alternados e marcados, num intervalo de dez dias”, de acordo com a Medida Provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff e o ministro da Saúde  Marcelo Castro.

Também como uma forma de combater o surto da doença Zika, desde 18 de fevereiro de 2016, passa a ser obrigatória a notificação semanal às autoridades de saúde de todos os casos de suspeita da doença. Quando o paciente em questão for uma gestante ou se tratar de um óbito suspeito, a notificação deverá ser feita em um prazo máximo de 24 horas.

Através dessa nova medida, caso haja alguma dúvida por parte do médico,  ele pode requerer o exame para constatar se o paciente está de fato com Zika.

A crise do Zika vírus no mundo
No final de janeiro de 2016, 23 países ou territórios na América, África e Oceania já tinham transmissão local do Zika vírus. Apesar de a situação estar mais grave no Brasil, lugares como Colômbia, El Salvador e Cabo Verde já haviam chegado aos milhares de infectados pela doença.

Segundo dados divulgados no dia 20 de fevereiro de 2016 pelo Instituto Nacional de Saúde da Colômbia, o número de pacientes infectados pelo Zika no país chegou a 37.011 casos, incluindo 6.356 mulheres grávidas, um aumento de 17,2% em relação à semana anterior. Até o momento do boletim emitido pelo órgão nacional, o país não possuía nenhum caso de microcefalia associado à doença.

No dia primeiro de fevereiro de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência de saúde pública no mundo todo devido ao Zika. A declaração, feita pela diretora da OMS Margaret Chan, deverá desencadear a liberação de dinheiro para pesquisas que tentem estabelecer se o vírusé o responsável pelo aumento nos casos de microcefalia no Brasil. Além disso, verbas para a prevenção da infecção de mulheres grávidas pela doença e para a extinção de focos de mosquitos também devem ser aumentadas.

A influência do aquecimento global
Em 4 de abril de 2011, um editorial publicado no portal de notícias online American Medical News e assinado pela American Medical Association (Associação Médica Americana) apontou que médicos de diversos estados norte-americanos já estariam vendo um aumento nos casos de doenças relacionadas às mudanças climáticas, incluindo a dengue e a asma. De acordo com o texto, “pacientes estão apresentando doenças que antes ocorriam apenas em áreas mais quentes. Condições crômicas estão sendo agravadas por ondas de calor mais frequentes e longas. As temporadas de alergias e asma estão se tornando mais longas”.

Dentre os fatores que contribuíram para a rápida propagação do Zika vírus, os aumentos no volume de chuva e na temperatura estão entre os principais. As mudanças climáticas poderiam influenciar como a disseminação da doença – e de outras enfermidades transmitidas por mosquitos -, já que elas podem criar condições favoráveis para o mosquito se reproduzir em mais áreas do globo.

Em dezembro de 2015, o Met Office, instituto de meteorologia do Reino Unido, divulgou a previsão de que 2016 deverá ultrapassar 2015 como o ano mais quente desde o inicio dos registros, em 1880. Com o El Niño, as temperaturas na América Latina têm aumentado ainda mais este ano.

Os pesquisadores acreditam que este aumento na temperatura pode ter auxiliado a disseminação do Zika em toda a América Latina, pois não somente ele permitiu que novas áreas se tornassem propícias para a reprodução do mosquito, mas também porque as pessoas tenderiam a ficar mais tempo ao ar livre no verão, aumentado as chances de serem picadas pelo transmissor Aedes.

Próximas mudanças climáticas
Segundo pesquisadores, uma mudança para o La Ninã no próximo ano, no entanto, deve ajudar o vírus a se espalhar para novas áreas da América Latina e do Caribe. Em entrevista para o portal de notícias Climate Change, Teddy Allen, um pesquisador do International Research Institute for Climate and Society (Instituto de Pesquisa Internacional para o Clima e Sociedade), explicou que “historicamente, períodos de La Niña no Caribe durante os meses de verão são uma bomba-relógio para a dengue. O mesmo poderia ser dito sobre a Zika, já que elas são transmitidas pelo mesmo mosquito, o Aedes aegypti”.

Durante o inverno, o La Niña costuma causar um tempo mais chuvoso do que as condições normais no Nordeste, o que poderia ajudar os mosquitos a continuarem a se reproduzir durante essa estação.

Uma outra possibilidade levantada pelos pesquisadores é a de que o vírus da Zika passe por mutações que possam facilitar sua transmissão, através de outros mosquitos, ou que possam agravar os sintomas produzidos pela doença.

Um time de pesquisadores internacionais, dentre eles de instituições como a Universidade de Oxford e Harvard, publicaram um artigo, em janeiro de 2016, na revista acadêmica The Lancet, que sugere que o Zika vírus poderia alcançar Nova Iorque. Com base em análises sobre os locais em que os mosquitos Aedes são encontrados e quais regiões possuem climas que poderiam favorecer a propagação do Zika vírus, os pesquisadores criaram um modelo para descobrir quais regiões podem ser as próximas a ser afetadas. A pesquisa considera que a espécie Aedes albopictus também possa transmitir o vírus, algo ainda não confirmado pelas pesquisas. Caso essa hipótese esteja certa, a Zika poderia chegar a Nova Iorque, nos Estados Unidos. Do contrário, a doença deve alcançar, no território norte-americano, apenas a Flórida e parte do Texas.

A declaração de estado de emergência de saúde pública feita pela OMS deve facilitar a liberação de verbas para pesquisa sobre a doença e para a criação de uma vacina.

Um grupo de pesquisadores brasileiros e americanos já estão trabalhando em conjunto para a criação da vacina contra o Zika vírus, no entanto, as melhores previsões indicam que esta não deve ficar pronta antes de, no mínimo, três anos.

Outra possibilidade, já em teste, que pode diminuir o avanço da doença foi o desenvolvimento, pela empresa britânica Oxitec, de um mosquito geneticamente modificado que, ao se reproduzir com mosquitos normais, deixa-os estéreis. Os testes no Brasil, Panamá e nas Ilhas Cayman já estão tendo resultados positivos. Segundo o portal de notícias Climate News Network, na cidade de Piracicaba, no estado de São Paulo, cerca de 82% da população do mosquito Aedes foi eliminada após os testes com a variedade geneticamente modificada.

Enquanto as pesquisas continuam, o governo federal tem reforçado a importância da prevenção, orientando a população a adotarem uma série de medidas para impedir o nascimento do mosquito haja vista que, até o momento, essa é a maneira mais eficaz de impedir a propagação das doenças transmitidas pelo Aedes aegypit.