Por Ângelo Cherubini e Marina Kaiser
Trabalhadoras reafirmam a cultura local em torno do artesanato e geram renda para suas regiões
O potencial econômico das atividades culturais e criativas ainda é pouco explorado nas terras brasileiras. Tão popularmente conhecido, “o jeitinho brasileiro” é inventivo por si só. As gambiarras, o se virar com pouco, as startups, os microempreendedores, os negócios de fundo de quintal: essa economia que gira em torno da criatividade e da sustentabilidade é uma tendência econômica mundial e o Brasil está neste circuito.
Chamado de Economia Criativa, esse setor valoriza os serviços e bens com potencial individual e coletivo para se transformarem em produtos culturais. Recente, o termo Economia Criativa surgiu pela primeira vez em 2001 e nasceu da ideia de unir o fomento das artes com a preservação da herança cultural e reconhecimento local. A produção e comercialização dentro da Economia Criativa incentivam a vivência grupal, a experiência coletiva de tomada de decisões, o acesso à educação e a ocupação dos espaços públicos.
Os estados que possuem maior participação nesta indústria das ideias são São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Em estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Sistema FIRJAN) dentre as 27 unidades da Federação, 18 mantiveram ou aumentaram a participação do PIB Criativo no período 2013-2015, o que consolida a Indústria Criativa como área estratégica, com visão disseminada por todo o país.
Abaixo estão descritas todas as atividades que este setor engloba e agrega:
O artesanato
Artesanato é o nome dado a trabalhos manuais não industrializados, que fogem da produção em série, feitos de matéria-prima natural ou reciclada pela artesã ou artesão. Essa forma de arte integra a economia criativa e, de acordo com o Portal Brasil, movimenta R$ 50 bilhões de reais por ano.
Segundo Saul Martins, escritor do livro “Contribuição ao Estudo Científico do Artesanato”, apesar da história assinalar a presença de objetos a mão em todas as épocas e em diversas culturas, desde o polir pedras até o tecer fibras de vegetais, é apenas recentemente que o artesanato passou a ser chamado por esse nome.
A partir da década de 1990, por meio do Programa Artesanato Brasileiro (PAB), é possível notar o desenvolvimento desse setor econômico. O objetivo principal desse programa era gerar trabalho, renda e melhorar o nível cultural, profissional e econômico dos artesãos brasileiros. Foi devido a suas ações que o artesanato se consolidou no Brasil e se tornou um importante setor da economia.
Fora a movimentação monetária, o artesanato serve para estimular a identidade cultural de uma região e/ou país, porém não é o mesmo que um souvenir. Além de difundir a cultura local, o artesanato preza pela originalidade das peças, tornando-se um item exclusivo – quanto mais distinto e inovador for, mais seu valor cresce.
Por ser um setor da economia que está ligado à criatividade, ele se enquadra dentro da Economia Criativa. De acordo com a Secretaria da Economia Criativa (SEC), criada pelo Ministério da Cultura, a maior distinção em relação aos setores tradicionais vem da análise do processo de criação e de produção, e não da matéria prima e/ou propriedade intelectual de bens ou do serviço criativo.
O artesanato está presente em mais de 64% municípios brasileiros e envolve mais de 8 milhões de pessoas, o que em 2013 representava 2,6% do PIB nacional. Uma pesquisa sobre economia criativa e empreendedorismo sobre o artesanato de Florianópolis (SC) aponta que as maiores motivações para a realização do artesanato estão relacionadas às habilidades manuais, a uma maneira de manter a saúde (física e mental) e como terapia ocupacional, assim como funcionar como fonte de renda, manter o convívio social, entre outras. A pesquisa também mostra que metade de seus entrevistados vêm de famílias que trabalham com o artesanato, podendo então ser algo que influencia sua atividade.
Conheça o artesanato típico de cada estado brasileiro e espalhado pelo mundo.
As mulheres
De lá para cá, o ofício do artesanato ganhou novos materiais, produtos e setores do comércio. E, ainda assim restam vestígios de uma tradição de ofício masculino e feminino. A linha e o tecido são mais utilizados por mulheres, enquanto materiais mais brutos, como o couro, ouro, bambu são melhor recebidos por homens. Para Neli Maria Fonseca, agente cultural, “nós temos a questão cultural do homem trabalhar com a linha. Na época dos alfaiates havia costureiras, mas os alfaiates faziam exclusivamente roupas para homens. Muitos deles não tinham nem funcionárias mulheres. Com raras exceções em escolas, em que se desenvolve o trabalho manual por meio do artesanato, há o contato de meninas e meninos com a linha”.
De acordo com pesquisa do Portal Brasil, publicada no último Dia Internacional da Mulher, o empreendedorismo feminino cresceu 34% nos últimos 14 anos. Além disso, quatro em cada dez lares brasileiros são chefiados por mulheres, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Dessas, 41% são donas de negócios próprios. A maior parte delas empreendem em suas próprias casas, tornando o artesanato um meio de geração de renda e autonomia financeira.
A artesã Isa Biondo, 47, diz que conhece “1000 mulheres que fazem artesanato e não mais que 10 homens que costuram”. Para ela, que vive desse ofício, faltam cursos na área. “Tem muita gente que vê tutorial na internet e acredita que o artesanato é sobre copiar peças, em vez de criar suas produções originais”. Isa ministra cursos para iniciantes e diz que há uma alta procura, “vem muita gente para tratar depressão, síndrome do pânico…e quem quer se profissionalizar. Eu dou curso desde 2008 e trabalho com artesanato desde 2000”.
Quem são as mulheres que fazem artesanato?
O grupo Arteiras do Geisel conta com cerca de 30 mulheres que trabalham com crochê do bairro da região leste da cidade de Bauru, no Núcleo Geisel. O projeto existe há 10 anos na Biblioteca Ramal e foi iniciativa de Paula Luciano de Souza, 77, e Rita de Fátima Rodrigues, 62, que conseguiram autorização da Prefeitura Municipal de Bauru para ocupar o espaço. A iniciativa não conta com professores, por isso cada uma transmite o conhecimento que possui para a outra e a produção e aprendizagem ocorrem pela troca. “Nós somos amigas, trocamos receitas e não temos regras: quem precisar ir embora antes, pode ir. Quem sabe fazer tapete, ensina a fazer tapete, quem sabe fazer roupa, ensina isso e por aí vai”, explica Paula.
As crocheteiras não comercializam as suas peças porque a maioria vê o artesanato mais como terapia do que como profissão, como conta Lavínia Macedo, 54, autônoma. A maioria das mulheres que frequenta o Arteiras trabalha formalmente como funcionárias públicas em escolas, autônomas ou auxiliares, ou são aposentadas. No entanto, algumas mulheres do grupo unem suas forças para frequentar feiras e exposições de Economia Criativa e Artesanato vivendo da renda de suas produções. É possível comprar as peças produzidas pelas crocheteiras na Biblioteca Ramal do Geisel.
Segundo Neli Fonseca, o artesanato é praticado mais largamente por homens e mulheres em cidades onde o artesanato é o carro-chefe da economia, como Ibitinga-SP (Capital Nacional do Bordado), Inconfidentes-MG (Capital Nacional do Crochê), Tracunhaém-PE (Capital do Artesanato em Cerâmica). Neli ainda explica que o artesanato aplica a Lei dos Saberes e Fazeres em que o conhecimento se dá pela transmissão oral a partir da troca de experiências entre gerações na manutenção da cultural local.
Autonomia e Empoderamento
Culturalmente, na história do mundo ocidental, o trabalho se diferencia entre manual (mulher) e intelectual (homem). Em artigo intitulado Mulheres e artesanato: um “ofício feminino”, Vera Lucia Barbosa, mestre em em Psicossociologia de Comunidades, e Maria Inácia D’Ávila, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmam que “a divisão sexual do trabalho com artesanato se dá pela característica do ofício, sendo ele ‘feminino’, uma vez que está atrelado à ‘delicadeza’ do fazer minucioso e sendo um complemento ao orçamento, o princípio hierárquico”.
No artigo Vera e Maria Inácia explicam que os objetos produzidos pelo artesanato são, muitas vezes, representações físicas com significados sociais e simbólicos, carregando em si boa parte da cultura de uma sociedade.“A desvalorização do artesanato na civilização ocidental seria justificada pelo fato de que as ideias são mais duráveis do que os materiais. Contudo, o projeto é inseparável do desempenho, o que denota a inteligência das mãos. Neste sentido, seria possível afirmar que o fazer das mãos está inseparavelmente ligado ao pensamento e, assim, às construções sociais que o determinam”, completam.
Há 10 anos a Rede Asta atua no empoderamento da mulher artesã e de seu pequeno negócio por meio de treinamentos, formação de redes de produção e criação de canais de venda online e em lojas físicas no Rio de Janeiro. “São produtos com histórias, feitos à mão com muito talento”, explica a sócia-fundadora Alice Freitas. O empreendimento conta com 974 artesãs, produzindo itens sustentáveis a partir de materiais reaproveitados (2,3 toneladas em 2013 e 797 kg em 2014). “São mulheres guerreiras que estão transformando suas realidades e as comunidades onde vivem com seu trabalho e determinação”, finaliza Alice.
Políticas públicas
A elaboração de políticas públicas para o setor da Economia Criativa, com ênfase no artesanato, deve atrelar o conceito de propriedade intelectual aos campos do conhecimento tradicional e do patrimônio imaterial e compreender o artesanato como uma produção fronteiriça entre arte e mercadoria. Assim, ocorre em 2011 a criação da Secretaria de Economia Criativa, uma autarquia ligada ao Minc que durou até janeiro de 2015.
Também em 2011, sob governo de Dilma Roussef, é criado o Plano da Secretaria de Economia Criativa com o objetivo de “liderar a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas para um novo desenvolvimento fundado na inclusão social, na sustentabilidade, na inovação e, especialmente, na diversidade cultural brasileira”, como descrito na apresentação do projeto.
A sistematização de políticas públicas para a cultura no país é recente começando em meados dos anos 1930, e em 1985 é criado o Ministério da Cultura. Hoje a pasta enfrenta instabilidade no governo Temer. Desde que assumiu a presidência em maio de 2016, Temer defendeu a extinção do Ministério, voltando atrás após protestos populares. O Ministério transitou por três ministros diferentes, e todos pediram demissão. Jair Bolsonaro, que assume a presidência do país dia 01 de janeiro de 20189, propõe rebaixar o Ministério da Cultura à Secretaria.