Escreva para pesquisar

Às margens do gourmet

Compartilhe
Por Bernardo Fontaniello, Giovane Rocha e Rodrigo Pinheiro
img_2853

Seu Luís, garçom freelancer e o mais velho de Bauru. (foto: Bernardo Fontaniello)


A moda agora é ser gourmet. Por todo canto de Bauru vemos variações de restaurantes e outros estabelecimentos com essa roupagem gourmet. Eles têm um ambiente tido com diferenciado, um cardápio muito bem selecionado e preços que assustam, mas que acabam por se justificar quando é explicada a falsa ideia da experiência de se estar no lugar.
Seria muito bom e bonito se o país não estivesse passando por uma das maiores crises econômicas da história e todo mundo não estivesse contando moedas para gastar no supermercado. A onda gourmet que se deu no país, deve ser, espera-se, passageira, já que cobrar muito pela experiência de comer ao invés de um preço justo não combina com o paladar do brasileiro.
Existem, em Bauru, estabelecimentos que subvertem essa moda, oferecendo comida boa a um preço acessível. Fomos a dois deles, uma pizzaria com um rodízio a 17,90 e um bistrô português que não exagera na hora da conta.

A METADE PELO DOBRO

Durante a reportagem, visitamos alguns restaurantes dessa onda gourmet. São, no geral, locais com um apreço muito grande à ambientação, o que serve para eles como justificativa do preço cobrado. Restaurantes com três andares e elevador, com escolas de culinária, que servem os famosos pratos à francesa, pouca comida, muito bem apresentada, contextualizada histórico e socialmente e muito salgadas… Na conta.
Conversando com proprietários e chefes desses estabelecimentos, percebemos que a experiência gastronômica proporcionada por eles é mais importantes que o valor a ser pago na hora de ir embora. Transformar o ato de comer em algo muito mais espetaculoso e rebuscado e que traz um status aos frequentadores não é positivo, é apenas uma forma de cobrar muito mais por um simples prato bonito e raso.

FIÉIS ÀS PROPOSTAS

Um canteiro e um jardim todo bem cuidado, uma casinha estilo do começo do século XX, toda conservada e pintada em rosa aconchegante, como uma casa de vovó saída de uma revista de arquitetura e decoração ou uma novela de época das seis. Quem passa pela entrada do aeroclube, no fim da alameda Octávio Pinheiro Brisola, imagina um ambiente fino onde você teria que deixar metade do salário para sair satisfeito.
Diferentemente dos estabelecimentos citados anteriormente, o Vila Graziella é um lugar que tem todo o charme de um bistrô, mas que trata seus clientes de uma forma sincera, cobrando um preço conveniente com o tipo de culinária oferecida. Percebemos isso em duas visitas ao bistrô, que serve pratos de acordo com a preferência do cliente sem abusar na conta. O proprietário e chef Carlos é um português que descobriu em Bauru seu lugar. A seguir, ele conta um pouco de sua história, mostrando que não precisa cobrar um preço absurdo para ter uma experiência diferenciada na gastronomia bauruense.

img_2865

Faxada do bistrô Vila Graziella (foto: Giovane Rocha)

Conte para a gente um pouco sobre sua cidade, sua família e suas raízes.

O Porto é uma cidade litorânea, onde se situam a maioria das pequenas e médias empresas do país, sendo também a que mais contribui para as exportações nacionais, sendo a única região que exporta mais do que importa. O território do Porto tem uma área de 45 quilômetros quadrados e uma população de cerca de 240 mil pessoas, sendo a segunda maior aglomeração urbana do país. A cidade é conhecida como a capital do Norte e seu Centro Histórico é classificado como Patrimônio Mundial da UNESCO desde 1996.  A tradicional culinária portuguesa teve origem na cidade do Porto, cuja identidade – a nível dos pratos principais de carne e de peixe, das sopas, das entradas e dos aperitivos, dos vinhos e das aguardentes, dos queijos e dos enchidos, bem como das sobremesas e da doçaria – se insere na identidade gastronômica mais vasta do território identitário do Entre Douro e Minho.

Fui criado numa família simples, de sete irmãos, na qual quatro deles seguiram na área de restaurantes.  A minha mãe começou com 14 anos servindo refeições numa hospedaria, levando assim no sangue a arte e gosto de cozinhar.

Qual foi seu primeiro emprego?

Meu primeiro emprego acontece com 14 anos numa casa de lanches, conhecidas em Portugal antigamente como snack bar, sendo que antes disso vendi peixe num banquinho,  para ajudar minha mãe nas despesas de casa.

Como começou na área gastronômica?

Meu irmão mais velho tinha arrumado um emprego nesse restaurante e não gostou, pediu para eu ir buscar a sua roupa de trabalho e eu fui e pedi ao dono para contratar-me. Sem autorização de meus pais, comecei, porque era vontade minha trabalhar na hotelaria.

Fale um pouco das tradições da culinária portuguesa. Quais as principais diferenças da culinária portuguesa e da brasileira?

As tradições portuguesa na culinária são, em primeiro lugar os doces conventuais, criados pelas freiras em seus conventos e espalhados por todo o país; depois vêm as carnes salgadas e defumadas, uma vez que temos um inverno rigoroso e difícil de manter animais durante esse período, depois vêm os peixes por ser uma terra privilegiada com uma costa de aproximadamente 800 quilômetros.

A influência portuguesa é maior do que as pessoas pensam, pois quase tudo tem um toque da cultura dos portugueses. Por exemplo, a feijoada todo mundo pensa que veio do povo africano, das parte menos nobres do porco que se dava para os escravos. A  verdade é que os portugueses que não faziam parte do império, ou seja, os mais pobres guardavam essas carnes menos nobres e salgavam para durar o inverno rigoroso. Na vinda dos portugueses para o Brasil, obviamente, isso fazia parte do cardápio. Assim como a feijoada, a dobradinha, o bacalhau, os doces.

Quais as dificuldades de se fazer comida portuguesa no Brasil?

[Falta de] produtos de qualidade. E manter o fornecimento desses produtos.

Qual seu prato preferido? Você costuma prepará-lo, para você mesmo ou no bistrô?

São muitos, pois gosto de variar bastante e diversificar minhas refeições todos os dias. Então, desde pato, coelho e bacalhau a assados de carne e frutos do mar. Gosto de preparar meus pratos e sinto prazer em fazê-lo. Meu restaurante só serve pratos que eu como semanalmente.

Em quantos restaurantes você já trabalhou?

Em quatro restaurantes, todos em Portugal, desde snack bar a restaurante típicos.

aueru

Chef Carlos, proprietário do bistrô (foto: Bernardo Fontaniello)

Por que você saiu de Portugal e veio para Bauru?

Paixão pelo país. Foi numa visita de férias. Depois conheci em São Paulo uma bauruense e cá estou.

Como a cidade o recebeu e conquistou?

Quando decidi ficar em Bauru devido a ser uma cidade calma, conheci um casal de amigos que me apoiaram na criação de um restaurante, uma vez que  não tinha um lugar aconchegante, com o estilo de minha comida. Antes de abrir muita gente falou que não daria certo, pois o bauruense não fazia reserva para comer e não valoriza o comércio local. Nada disso aconteceu, além de ser recebido com uma excelente receptividade, conheci pessoas dos mais altos níveis em conhecimento gastronômico, além de  valorizarem nosso trabalho.

Fale do seu bistrô, Vila Graziella.

Quando decidi abrir, logo sabia que queria um lugar aconchegante, pois meu estilo de comida é toda feita na hora, tornando impossível executar esse tipo de culinária num restaurante comum. Esse estilo de fazer comida fica um pouco mais cara que a comum tanto pela qualidade dos produtos como pela difícil execução. Logo atrai um público mais selecionado. A minha influência é de comida baseada na península ibérica, dando prioridade aos peixes, por ter nascido no litoral e conhecer, por experiência própria, como comprar, amanhar e preparar.

O que você costuma fazer em seu tempo livre?

Não me sobra muito, mas, quando posso, faço natação e equitação.

Você costuma frequentar outros restaurantes? Se sim, quais e o que gosta neles?

CCSim, frequento vários, desde que tenha comida honesta e diferente da minha.

Que outras cozinhas você aprecia?

Gosto da mediterrânea, japonesa, indiana e asiática em geral, além da tradicional francesa.

Pra você, o que é cozinhar?

Em primeiro lugar, a arte de comer. Quem não sabe comer, não sabe cozinhar. Depois o prazer de transformar ingredientes e alimentos em comida agradável.

Pra finalizar, uma mensagem para aqueles que querem seguir a carreira da gastronomia.

Para os que pretendem seguir a carreira, já aviso que o glamour que hoje existe em cima da gastronomia só vai acontecer muito anos depois de executar com perfeição a arte de cozinhar, lavar e limpar. Comece a apreciar os alimentos que você come e faça uma análise dos aromas, dos sabores, das texturas.

Por outro lado, é preciso prestar mais atenção para notar uma pizzaria próxima a um posto de gasolina em uma rua nada glamourosa de Bauru. Passando na rua Araújo Leite, pertinho da avenida Duque de Caxias, o que pode atrair os olhares dos transeuntes é a faixa que ostenta um preço que não se encontra em toda esquina, principalmente nos altos da cidades. Por 17,90 (da última vez que conferimos) você pode se esbanjar em um rodízio de pizza com mais de 20 sabores, num ambiente que, nas palavras de João Victor, filho do proprietário, é simples e nem seria o ideal, mas que é aconchegante e sem as típicas frescuras de um ambiente gourmet.
Na pizzaria La Távola, você vai sair satisfeito por muito pouco e simpatizado com seu Luís, tido como o mais velho garçom em atividade  na cidade e uma das marcas registrada da pizzaria. O proprietário e pizzaiolo João Batista Reis contou um pouco de sua história e como consegue manter um preço tão abaixo da concorrência.

img_2863

Faxada da La Távola (foto: Bernardo Fontaniello)

Conte para a gente um pouco sobre você e como veio parar em Bauru.

Nasci em Minas Gerais, mas vim pra São Paulo muito cedo, com 8 ou 10 anos já morava lá. Me mudei muito cedo pra capital. Até então trabalhei na área administrativa, de representante, com representação comercial e tal. Surgiu uma oportunidade em 86, O meu irmão abriu uma pizzaria em São Paulo e se deu muito bem lá. Era uma coisa relativamente nova, era a terceira pizzaria da zona sul da cidade, hoje deve ter umas 4, 5 mil pizzarias lá. Eu me interessei, pois em uma ano ele já tava comprando carro, montando apartamento. Mas aí a minha irmã me chamou para vir pra Bauru, ela falou: “João, Bauru é uma cidade grande e não tem fone-pizza, não tem entrega de pizza”. Aí eu falei: “Vou aí conhecer”.

Eu vim, gostei da cidade, e montei com ela, em 86 a pizzaria. E, desde então, a gente vem tentando, minha pizzaria se chamava Augusta’s, em 89, 90, Hoje é da minha irmã. eu passei pra minha irmã mais ou menos nos anos 90 e compre a La Távola no caso, que já tinha uns 2 anos de existência.

“Ô BETO, PRESSA AQUI NO FORNO QUE NÃO TEM PALMITO!”

Qual foi seu primeiro emprego?

Meu primeiro emprego na verdade foi na Drogasil, eu era empacotador na Drogasil, fiquei um ano, um ano e meio lá.  

Em meio a fala de João, um casal de São Paulo chega no balcão:

“A GENTE É DE FORA E FOMOS MUITO BEM RECOMENDADOS”

Deve ser hotel, normalmente hotel recomenda a gente.

Bom, onde eu tava mesmo? Ah…Eu tinha uns 13, 14 anos, pois naquela época você podia trabalhar, tinha alguns serviços que você podia trabalhar.

Em 86 vim pra Bauru, já vim com a Pizzaria montada, só cheguei pra inaugurar. Tô nesse ramo até hoje.

img_2852

Seu João, proprietário da La Távola. (foto: Bernardo Fontaniello)

Fale um pouco sobre ser pizzaiolo?

Ser pizzaiolo, eu vou ser sincero com você, eu faço com todo carinho, disso aqui é onde sai o salário de todo mundo, onde sai meus pequenos luxos, no caso, mas minha intenção não é ser pizzaiolo, não é ocupar a vaga do pizzaiolo.

O problema é que com o movimento que nós temos hoje, com o preço que a gente vem praticando, tá difícil de manter um pizzaiolo. Para você ter um bom pizzaiolo hoje em dia, você tem que pagar no mínimo uns 2 mil, então, se eu não tenho condições de pagar, eu prefiro eu mesmo fazer, melhor do que ter um ‘meia boca’.

“O JÃO CHEGOU 2 AÍ QUE NÃO COME CARNE, FAZ PALMITO”

Quais as dificuldades de se fazer pizza em Bauru?

Eu antes, sempre tive que cobrir os pizzaiolos das minhas pizzarias, quando um saia por qualquer motivo. Mas nunca foi minha intenção mesmo, eu gosto de fazer, mas não gostaria de ser o pizzaiolo.

Qual seu prato preferido? É pizza?

Meu prato preferido, eu tenho dois que eu como até junto ás vezes. È um absurdo, mas eu como junto, é bife à parmeggiana e feijoada, eu como junto (haha). Posso falar isso pois eu já tive restaurante, e no meu restaurante a gente fazia almoço e fazia pizza e os filés na janta. Tinha feijoada quarta e sábado, e a feijoada que sobrava eu comia no outro dia, eu comia feijoada todos os dias, com batata frita, com parmeggiana, com bife, arroz e couve.

“PALMITO, GENTE!”

Fale sobre o preço das pizzas e do rodízio. Baseado em que você define o preço?

O preço é o seguinte: Pra você conseguir trabalhar com um preço tão baixo como a gente trabalha, tem a vantagem de não pagar o aluguel, porque o aluguel seria um entrave nessa hora.

E é o seguinte, por eu tá fazendo a pizza, a gente faz com o máximo de economia possível, pra não faltar ingrediente, a gente economiza o máximo para não ter desperdício. Muitas vezes o pizzaiolo não treinado desperdiça muitos ingredientes. Então é isso, entendeu? Esse preço não é o preço ideal, o preço ideal hoje para se trabalhar seria no mínimo uns 29 reais, cê entende? Mas a situação do país não tá permitindo isso.

João Victor, filho de João, sai do caixa e vem falar com a gente, sobre o assunto:

Nós não proporcionamos um ambiente novo, como tem por aí, sofisticado, com diversos funcionários, entendeu? Aqui vocês conhecem e não é assim, entendeu? Porém, a gente tenta atender da melhor forma possível. esse é um motivo de ser mais barato que nos outros lugares.

O que você costuma fazer em seu tempo livre?

Eu faço caminhada quando dá, faço academia, no mais eu descanso mesmo, descanso e fico em casa, não tenho muito hobby não.

Eu gosto também de andar no meu Fusca, pelo menos uma vez por semana, Esse carro ele tem uma história interessante, o meu garçom ganhou esse carro na rifa há uns 10 anos atrás.

img_2855

Fusca do seu João. (foto: Bernardo Fontaniello)

Esse garçom aqui, ó! Ele aponta para seu Luís, garçom freelancer da La Távola há quinze anos e tido como o mais velho garçom de Bauru em atividade. João continua:

Você conhece o André Turco? Ele é considerado um dos melhores covers do Legião Urbana do estado. Ele precisava de gravar um disco, e comprou esse carro por dois mil e quinhentos reais aí ele gastou mais uma grana e deixou ele muito novo na época. Deixou exposto na Baurucar por três meses vendendo a rifa, o seu Luís comprou o último bilhete da rifa e ganhou o carro. Usou ele por uns 2 anos e vendeu pra mim. Eu tenho o bilhete da rifa até hoje.

Você costuma frequentar outros restaurantes? Se sim, quais e o que gosta neles?

Eu gosto de um ambiente simples pra tomar uma cerveja, um Lelo’s . Passo no Mcdonald’s, pego um lanche pra comer em casa mesmo às vezes. É isso aí, né?

 

Redação

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nam quis venenatis ligula, a venenatis ex. In ut ante vel eros rhoncus sollicitudin. Quisque tristique odio ipsum, id accumsan nisi faucibus at. Suspendisse fermentum, felis sed suscipit aliquet, quam massa aliquam nibh, vitae cursus magna metus a odio. Vestibulum convallis cursus leo, non dictum ipsum condimentum et. Duis rutrum felis nec faucibus feugiat. Nam dapibus quam magna, vel blandit purus dapibus in. Donec consequat eleifend porta. Etiam suscipit dolor non leo ullamcorper elementum. Orci varius natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Mauris imperdiet arcu lacus, sit amet congue enim finibus eu. Morbi pharetra sodales maximus. Integer vitae risus vitae arcu mattis varius. Pellentesque massa nisl, blandit non leo eu, molestie auctor sapien.

    1

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *