Como as novas gerações têm reinventado a Música Popular Brasileira
O Brasil é um país criado na mistura. Miscigenado desde 1500, a música sempre fez parte da identidade de um povo que tem no sangue, a arte de se reinventar, de ilustrar as mazelas que assolam e massacram a sociedade, assim como, tem a sensibilidade e a perspicácia de mostrar que não há nada melhor que o nosso país.
A sigla MPB é muito mais do que uma simples junção de letras, é um lema que teve em seus curtos 60 anos diferentes contextos musicais, sejam eles de revolução ou artísticos.
O nascimento da bossa nova
A música popular brasileira vem do estilo conhecido como bossa nova. Derivado do samba de Noel Rosa e com influências diretas do jazz norte americano de Stan Getz, a bossa nova ecoava pelos ouvidos elitistas da cidade maravilhosa na década de 50. No contraste dos sambas de gafieira, o gênero de pai triplo, dava prelúdios do que seria o movimento mais ‘‘brasileiro de todos’’.
Em maio de 1958, Elizeth Cardoso lançou o famoso LP “Canção do Amor Demais”, que continha músicas de autoria de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Além disso, Elizeth era acompanhada por João Gilberto no violão, que trazia uma batida diferente do que se existia na época. Esse foi o pontapé inicial, porém pode-se dizer que a bossa nova foi propriamente
inaugurada, em agosto de 1958, com o lançamento de um disco de 78 rpm (rotações por minuto) de João Gilberto, que continha músicas como “Deixa de Saudade” e “Bim Bom”, gravado com o apoio de outros músicos também de extrema importância, como Dorival Caymmi.
Algumas das características da bossa nova eram letras que traziam temáticas leves e descompromissadas; o “canto-falado” ou cantar baixinho, vozes suaves pronunciando muito bem as palavras; e o acompanhamento e canto do artista integrando-se mutuamente. Uma das principais músicas da época, que repercutiu internacionalmente e teve interpretações de Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, é Garota de Ipanema, composta por Tom e Vinícius.
E veio a Música Popular Brasileira
De começo, a MPB era chamada de MPM (Música Popular Moderna) justamente para diferenciar-se da bossa nova, do samba e das marchinhas de carnaval. O contraditório é que os artistas utilizavam a suavidade da bossa nova, o carisma regionalista e das ideias cosmopolíticas de canções norte-americanas que se tornaram famosas graças por meio do cinema. A sigla MPM foi substituída por MPB na virada da década de 1960 para 1970.
Durante a primeira metade de 1960, a bossa nova passava por momentos de transformações, devido principalmente à segunda geração de compositores que passaram a compor dentro do gênero. Um dos marcos da transição da bossa nova para a MPB foi a canção Arrastão, composta por Vinicius e Edu Lobo, e que, cantada por Elis Regina, venceu o I Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela não mais existente TV Excelsior,
em 1965. Como marcos do final da ruptura entre um estilo e outro podem ser apresentadas Disparada, de Geraldo Vandré, e A Banda, de Chico Buarque, músicas vencedoras do II Festival de Música Popular Brasileira.
Muito diversificada e ampla, a MPB começou com um perfil nacionalista,
principalmente por ter surgido logo depois do golpe militar de 1964, mas porque os músicos não apresentavam resistência ou aversão em misturar diferentes estilos musicais, o gênero foi mudando e incorporando diversos outros elementos à sua identidade, como ritmos rock, soul, funk, samba e, principalmente mais recentemente, o pop (entre diversos outros estilos
musicais).
Afasta de Mim esse Cálice
Durante os anos sombrios da ditadura militar, surgiu um movimento político e musical de suma importância para o país. A tropicália, ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, acabou impulsionando a modernização não só da música, mas da própria cultura nacional.
Descontraído, a Tropicália transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política, mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, sexo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas. Por se tratar de um movimento de oposição durante o regime militar, as mensagens das letras tinham que ser “codificadas”, porém com bagagem cultural o suficiente para que pudessem ser compreendidas pelo público.
Um momento de extrema importância para a definição da Tropicália foi o III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, que contou com “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso e “Domingo no Parque”, com Gilberto Gil ao lado dos Mutantes.
O movimento libertário durou cerca de um ano, entre 1967 e 1968, e acabou reprimido pelos militares. Porém, seu legado continuou e perdura até hoje. Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Chico Buarque, Os Mutantes entre outros, foram nomes importantes na construção de uma identidade musical brasileira que dita o ritmo dos novos artistas que surgem pelo país a fora.
A nova geração da MPB
O interessante da música é a capacidade que ela tem de existir por um longo período de tempo ou então ressurgir nas mãos de novos artistas pertencentes a novas gerações. Um exemplo é a MPB, que tem aparecido novamente através de composições de músicos como Thiago Pethit, Tulipa Ruiz, Ana Canãs, Tiê, entre diversos outros.
Os nomes desse “novo” estilo conhecido como a Nova MPB começaram a surgir a partir dos ano 2000, principalmente devido ao destaque que a música alternativa vinha recebendo: inadequadamente, artistas que se encontram nesse estilo foram por um tempo rotulados de Indie.
Esses novos artistas revisitaram a MPB e a apresentaram com toques mais pop, folk, R&B, rock e até mesmo trazendo um pouco do eletrônico, criando diferentes sons e elementos. Aos poucos, foram aparecendo em aplicativos de streaming (como por exemplo o Spotify) e pouco depois nos olhos da mídia, dando entrevistas para revistas e canais televisivos, surgindo em documentários e se apresentando em show em diversas cidades
brasileiras.
Conversamos com duas das mais influentes artistas da nova geração brasileira. Tiê e Luedj Luna são popularmente conhecidas por suas músicas genuinamente brasileiras.
Tiê conta com quatro álbuns lançados e com mais de 10 anos de carreira, já colaborou com artistas como Toquinho, Thiago Pethit, Dorgival Dantas e Tulipa Ruiz. Além disso, em 2015, Tiê participou da canção “Trono de Estudar”, composta por Dani Black apoio aos estudantes que se articularam contra o projeto de reorganização escolar do governo do Estado de São Paulo. A faixa conteve a participação de 17 outros artistas brasileiros, como Chico Buarque, Arnaldo Antunes, Thiago Iorc, Zélia Duncan, entre outros. Seu single “Mexeu Comigo”, do álbum “Gaya”, contou com um clipe feito unicamente por mulheres.
Já Luedji Luna tem uma carreira mais curta, mas muito promissora. Com o álbum intitulado ‘Um corpo no mundo’’ Luedji, que é natural de Salvador, leva um som de origens africanas e baianas para os grandes centro. O álbum, tem muito a ver com a formação da banda que gravou com a cantora, O queniano Kato Change nas guitarras, o paulista criado na Bahia
Françõis Moleka, Antonio Somellian que comanda o baixo elétrico e o sueco Sebastian Notini.
Tiê e Luedji, contaram pra gente, como é se destacar no meio da MPB trazendo certas inovações.
Entrevista:
Como e quando você descobriu/percebeu que queria trabalhar na indústria da música?
Tiê: Com 17 anos participei de um festival e senti o gosto de estar no palco. Apesar de muito tímida, consegui me controlar e senti que fiz o meu melhor. Aí só com 29 anos que lancei meu primeiro trabalho solo.
Luedji Luna: Sempre cantei desde de criança, escrevia na adolescência, mas só aceitei a música profissionalmente com 30 anos.
Luedji, você lançou seu primeiro CD recentemente. Como foi o processo de se encontrar em termos de estilo musical, encontrar seu público (ou ser encontrada) é a criação e produção das músicas?
Luedji: Lancei Um Corpo no Mundo em Outubro de 2017, desde o lançamento o processo tem sido bastante intenso, muito mais demanda por shows e minha visibilidade aumentou bastante. Acho que é um processo natural.
Como você enxerga a influência da MPB na sua carreira? Tiê, você já fez parcerias com artistas como o Toquinho, por exemplo. O quanto isso agregou para a sua trajetória?
Tiê: Toquinho foi meu grande professor. Me ensinou muito do que eu sei. Não só tecnicamente, mas também artisticamente mesmo… tipo, comportamento no palco, interação com público, interação com a equipe envolvida no show. Até hoje cantamos juntos e somos amigos.
Você acredita que existam diferenças entre a MPB de antigamente e a atual? Se sim, quais seriam as maiores diferenças na sua opinião?
Tiê: Eu acredito que sim. Como tudo na vida, né? Afinal, os tempos são outros e não teria como ser diferente. Algumas histórias que se contam nas composições são atemporais, como amor, esperança, desilusão. Mas o contexto atual inspira outras histórias que fazem sentido nos dias de hoje, como igualdade, diversidade, feminismo, respeito, paz… Esse pano de fundo
se reflete não só na composição, como também nos ritmos, na mistura de estilos, nas colabs, etc. Quando o contexto mudar, veremos o reflexo novamente na arte.
Luedji: A MPB eu acho que tá sempre se renovando né? Eu acho que agora há mais mulheres compositoras e cantoras no cenário.
O que você pensa a respeito da indústria da música atualmente?
Tiê: Acho que o mercado num geral está tenso com a política, não apenas no mercado de entretenimento. Por outro lado, estamos numa fase bem rica de artistas e talentos… e isso acontece também por conta do cenário complicado. Geralmente é nesse momento conturbado que as vozes (e as mensagens!) de alguns artistas sobressaem e fortalece a arte como um
todo.
Luedji: Acho que ela caminha para uma maior democratização, a internet hoje é que vem dando a tônica à indústria.
Os artistas da MPB sempre foram muito ligados à política e a expor suas ideias. Na sua opinião, isso ainda acontece nos dias de hoje? Você é ligada à política?
Tiê: Acho importante o artista se posicionar. Mas sinceramente não acredito que a classe
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tenha essa obrigatoriedade. Muitas pessoas cobram o posicionamento, mas é uma responsabilidade muito grande, pois o artista tem uma grande capacidade de influenciar outras pessoas. Eu acredito que cada um tem que fazer o que acha certo. Se quiser se posicionar, ótimo… basta saber que vai sempre existir quem te apoia e quem vai te criticar por isso – independente do lado. Caso não queira falar nada, tudo bem também… Nos dois caso,
sempre vai ter as consequências, tanto de se expor, quanto de omitir. O artista está no direito de não falar nada, isso é o mais importante de todos refletirem.
Luedji: Sim, acho que na atual conjuntura mais artistas têm se mobilizado no sentido de construir uma sociedade mais justa. Sou ligada a militância negra!
Como é o processo de entrada no mercado musical e as possíveis dificuldades que aparecem ao longo do caminho?
Tiê: Só posso falar sobre o meu processo, pois cada um tem uma trajetória muito específica. Ele foi longo e tive que ser bem determinada para não desistir. Como em todas as carreiras, devemos saber bem o que queremos e tentar, na medida do possível, ter um bom planejamento – sabendo onde queremos chegar, é necessário traçar os caminhos e ter as rotas alternativas. É bem importante termos consciência do que sabemos fazer muito bem e ter ajuda de outras pessoas nas áreas que não somos muito bons. Ninguém é bom em tudo e tá tudo bem!
Luedji: É um processo difícil, mas não impossível. Acho que a maior dificuldade é ter recurso para instrumentalizar a carreira: assessoria de comunicação, social media, produção, clipe, foto, e etc, tudo isso tem um custo, e todo esse trabalho indireto a musical é tão essencial quanto ela própria.
Na sua opinião, qual é o papel dos novos artistas independentes (ou não) na conjuntura atual da música no país?
Tiê: Papel de entreter, de emocionar e de educar.
Luedji: Acho que o papel de qualquer cidadão nesse momento, artista ou não, é lutar pela democracia! O importante é ter Foco, Força e Fé!
Para terminar, quais são suas influências musicais, tanto internacionais quanto nacionais?
Tiê: Não tenho influências artísticas diretas. Costumo ouvir de tudo um pouco para ter muitas referências, mas me influenciou mais pela minha família e amigos.
Luedji: Tiganá Santana e Nina Simone.
FOTO: Reprodução/Instagram @tiemusica
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