Para psicólogo, situação financeira afeta relações sociais do indivíduo
“A crise econômica agravou meus problemas. Eu não imaginava que uma empresa de grande porte como na qual eu trabalhava simplesmente iria fechar as portas e demitir aproximadamente 6 mil funcionários”, a fala de A.F., 48 anos, ex-funcionário de uma siderúrgica localizada na cidade de Cubatão-SP revela mais do que um relato pessoal.
A perda do emprego não foi um caso particular de A.F, mas algo que afetou milhares de colegas de profissão. Em todo o país a situação é parecida. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho, o Brasil tem um saldo negativo de 544.658 empregos no período de Setembro de 2016 até Agosto de 2017, o que representa uma variação de -1,40%.
Além de provocar instabilidade na situação financeira, o desemprego pode ter reflexos negativos na saúde psicológica de um indivíduo e sua família, como mostra A.F.: “Eu me senti socialmente isolado”. “O desemprego aumentou a minha ansiedade e a preocupação em relação ao futuro. Fui aconselhado pela esposa a buscar orientação médica”, completou. Próximo de se aposentar, ele lembra como um problema como esse pode ser mais difícil de se enfrentar para alguém em situação mais vulnerável. “No meu caso: um homem com quase 50 anos de idade e 35 de contribuição para com o INSS, fiquei com depressão. Agora imagine esse problema para um pai de família mais novo, com pouca qualificação”.
Segundo os dados do CAGED – com dados relativos a agosto deste ano – 2017 apresenta melhoras em relação aos anos anteriores no quesito criação de empregos; em 2015 e 2016 o mês de agosto contabilizava saldos negativos (-86.543 e -33.457, respectivamente) na evolução de empregos formais, mas em 2017 foi obtido um saldo positivo de 35.457 empregos. Apesar disso, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua, a situação do desemprego no Brasil desde antes do início da crise econômica ainda é alarmante: no primeiro trimestre de 2014 a taxa de desemprego era de 7,2%, já em 2017 essa taxa é de 13,7%.
O endividamento também preocupa. Em 2016, o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) apontava que 40% dos brasileiros adultos estavam com o nome sujo, quase 60 milhões de pessoas. O principal motivo, segundo 25% dos entrevistados de uma nova pesquisa do instituto, é a perda do emprego.
Com o momento ruim na economia, logo seguem uma série de outros problemas de saúde. Estudos mostram a relação direta do desemprego com o aumento no consumo de tabaco, drogas e álcool e no aumento de casos de ansiedade, depressão e até mesmo suicídio. Uma pesquisa da universidade de Oxford mostra que só a crise de 2008 pode ter sido responsável por mais de 10 mil suicídios na Europa, Estados Unidos e Canadá, com as principais causas apontadas sendo o desemprego, a perda das moradias hipotecadas e o endividamento. “Os estudos revelam que há associação entre o desemprego e a perda do emprego e a piora da saúde mental, aumentando os casos de depressão, ansiedade e de suicídios”, diz a pesquisadora do IPEA Fabíola Sulpino Vieira, autora da nota técnica “Crise econômica, austeridade fiscal e saúde: que lições podem ser aprendidas?”.
Um outro estudo, realizado pela universidade de Zurique, na Suiça, vai além nessa correlação. Após analisarem dados em diversos países por 11 anos, a conclusão foi que 1 a cada 5 suicídios é ligado ao desemprego e que a chance de alguém desempregado cometer o ato é entre 20 e 30% mais alta, comparado com quem tem emprego regular.
A crise gera uma demanda maior da saúde pública e benefícios de segurança social. Ao mesmo tempo, os cortes nos gastos adotados pelos países reduzem a disponibilidade desses serviços. Segundo a pesquisadora do IPEA, há “evidências de vários países de que não só as crises econômicas podem impactar negativamente a saúde das populações como também as medidas de austeridade fiscal”.
As políticas públicas precisam abordar não só o tratamento, mas combater os fatores de risco que podem levar a um aumento nos casos, como a pobreza. – Fabíola Sulpino, pesquisadora do IPEA.
Nos exemplos da Europa durante a crise, países como a Suécia e a Finlândia mantiveram suas taxas de suicídio estáveis, situação atribuída aos amplos programas voltados ao bem estar social. Em contrapartida, na Grécia, um dos países que mais sofreu com a austeridade nos anos seguintes, os casos de suicídio aumentaram até 40% em um único ano, 2011, quando o orçamento da área da saúde sofreu uma redução de 30%. Outras doenças como o HIV, a Malária e o H1N1 também tiveram aumento nas ocorrências, vitimando principalmente os grupos mais vulneráveis socialmente.
No Brasil, as medidas austeras adotadas pelo governo Temer como resposta aos problemas econômicos causam preocupação, principalmente a Emenda Constitucional nº 95, que limita os gastos do governo por 20 anos. Ainda não é possível visualizar o impacto da crise no país nos casos de suicídio, principalmente pela falta de dados atualizados sobre a mortalidade, mas alguns pesquisadores já se dedicam ao tempo.
Para Fabíola, a prevenção aos suicídios envolve pensar não só na saúde, mas nas condições gerais de vida e trabalho da população. As políticas públicas precisam abordar não só o tratamento, mas combater os fatores de risco que podem levar a um aumento nos casos, como a pobreza. Quando as pessoas já estão doentes, a estratégia ideal envolve garantir “uma rede de proteção para que elas mantenham a renda ou tenham uma renda mínima, caso precisem se afastar do trabalho, além de serviços públicos para tratá-las e ajudá-las nos momentos de dificuldade pessoal”.
Para o psicólogo, Marcos Brunhari, fatores econômicos estão relacionados com o bem estar dos indivíduos. Ele explica que, conforme Freud, o ser humano não é capaz de atingir o bem estar absoluto e tem de lidar com o sofrimento subjetivo. Embora esse sofrimento não necessariamente configure uma doença, fatores econômicos influenciam na situação ao passo que também estão ligados às relações sociais.
“Normalmente essa ideia de felicidade está atrelada a posse de produtos. Podemos ver na publicidade discursos como ‘compre produtos e seja feliz’. Isso está atrelado a questão do sofrimento justamente porque não é possível atingi-la plenamente”, explica o psicólogo.
O desemprego, por sua vez, além de afetar o poder de compra, estabelece influência na constituição da identidade social do indivíduo, segundo Brunhari. o psicólogo argumenta que a via do trabalho é uma das formas de nos reconhecermos e sermos reconhecidos na sociedade. Portanto, “o desemprego tem a capacidade de agravar o sofrimento psíquico de alguém”.
Para Brunhari, o atendimento clínico reflete o atual quadro de desemprego no Brasil. “A gente percebe isso na clínica. O desemprego tem efeitos subjetivos diversos. Muitos homens chegam ao consultório com disfunções sexuais, após a perda do emprego. Enquanto em algumas mulheres isso reflete o sentimento de fracasso materno.”
Apesar da situação, Brunhari acredita que existem possibilidades de tratar os efeitos da influência negativa dos fatores econômicos no bem estar. “Uma dessas proposta é o tratamento por meio da palavra” com o objetivo de conversar e pensar sobre a situação em consulta com psicanalistas.