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Base Nacional Comum Curricular e os desafios da educação brasileira

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Proposta que tem como intuito unificar direitos de aprendizagem e conteúdos para escolas de todo o país divide opiniões de educadores e estudantes

por Herculano Foz

Segundo dados do IBGE publicados no ano passado, o Brasil conta hoje com uma população de, aproximadamente, 204 milhões de habitantes, dentre os quais 49,8 milhões estão matriculados no ensino básico – seja ele público ou particular. Nos seus 26 estados e Distrito Federal espalham-se mais de 188 mil escolas, divididas nas redes federal, estadual, municipal e privada. Diante das proporções continentais, defender que a educação brasileira merece uma atenção especial é quase um consenso, afinal, as práticas e oportunidades educativas não são as mesmas de norte a sul do país.

E é justamente nesse contexto que surge a Base Nacional Comum Curricular: visando diminuir as desigualdades no campo da educação brasileira, o documento pretende unificar conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes do país devem ter acesso durante sua trajetória no Ensino Básico. Essa nova política pública educacional traz consigo apontamentos, orientações e mudanças em todas as áreas de conhecimento (Matemática, Linguagens, Ciências Humanas e Ciências da Natureza). Dessa forma, desde a creche até o término do Ensino Médio, estudantes de todo o Brasil teriam acesso aos mesmos conteúdos, estipulados pela BNCC.

Vale ressaltar que o documento não busca definir exatamente todos os conteúdos a serem ensinados no país. A Base Nacional estabelece um currículo em que 60% do conteúdo é igual em todo o Brasil, enquanto os outros 40% seriam destinados à chamada “base diferenciada”, ou seja, conteúdos definidos pelas próprias redes e escolas, de acordo com as particularidades e necessidades de cada região. Assim, a Base abriria espaço para as especificidades e diversidades culturais, sociais e econômicas, tão características em nosso país.

Para formular a Base Nacional Curricular o Ministério da Educação convocou educadores, pesquisadores, formadores de professores e associações como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e muitas outras importantes associações profissionais e científicas da área. Ao todo, a comissão de especialistas contou com professores das redes públicas estaduais de todos os estados brasileiros mais o Distrito Federal; representantes de trinta e cinco universidades e dois Institutos Federais de Educação; além de gestores das redes públicas estaduais.

Além disso, o Ministério da Educação disponibilizou um documento preliminar da BNCC entre setembro de 2015 e março de 2016 para consulta pública. Em um portal criado especialmente para receber as sugestões da sociedade, os brasileiros puderam escrever críticas e sugestões para o documento. Ao todo foram cadastradas 4.298 organizações, 305.569 indivíduos e 45.049 escolas espalhadas por todo o país. Para melhor divulgar as propostas da Base, o MEC promoveu diversos fóruns e eventos realizados em universidades, escolas e outros espaços abertos: durante o período de pesquisa, os técnicos do Ministério estiveram em cerca de 700 reuniões nas cinco regiões do Brasil.

A Base Nacional Comum Curricular está ligada, na verdade, à existência de outros dois documentos igualmente importantes. O primeiro deles é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), redigida em 1996 e revista em 2013. À época, a lei falava sobre a necessidade da existência de uma base nacional comum para todo o Ensino Básico. Segundo o seu Artigo 26, “os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e médio devem ter base nacional, a ser complementada por uma parte diversificada” (nos moldes da atual Base). Além da LDB, destaca-se também a regulamentação do Plano Nacional da Educação (PNE), firmado em 2014 durante o governo Dilma Rousseff. O Plano apresentava 20 metas para melhorar a educação básica no Brasil; destas, 4 diziam respeito à Base.

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(Arte: Herculano Foz  |  Dados: Portal da Base/MEC)

SEGUNDA VERSÃO

Após receber mais de 12 milhões de sugestões e contribuições da sociedade durante o período de consulta pública, a BNCC é revisada e apresentada em uma segunda versão. A versão preliminar, disponibilizada em setembro de 2015, gerou muita polêmica, sobretudo por supostas lacunas nas áreas de história, gramática e literatura. Por isso, em maio deste ano o Ministério da Educação apresentou o documento revisto, mas não finalizado, já que ainda precisa ser submetido a seminários e fóruns nas redes municipais e estaduais para, enfim, ser discutido e votado no Conselho Nacional de Educação.

Grande parte das críticas feitas à Base Nacional Curricular foi incorporada à segunda versão: enquanto o documento inicial apresentava cerca de 300 páginas, a versão revista conta agora com 676. Uma das disciplinas que mais sofreu modificações foi história. Segundo os críticos, o texto inicial desprezava alguns conteúdos tradicionais como civilizações grega e egípcia e as revoluções Industrial e Francesa. Além disso, muito se falou sobre a supervalorização da história dos povos africanos e indígenas e de sua importância na formação da sociedade brasileira.

Outra área muito criticada foi a de Linguagens. Em gramática, os principais pontos que geraram polêmica foram a falta de clareza sobre aquilo que o estudante deveria aprender de acordo com seu ano escolar, e também uma organização de conteúdos abstrata. Para atender as demandas e sugestões, os revisores do MEC incluíram um novo eixo organizador dos objetivos de aprendizagem, que prevê etapas e processos mais claros e específicos sobre a língua e as normas padrão. Isso facilitaria o trabalho dos profissionais da área, aproximando o conteúdo previsto na Base à prática cotidiana de aprendizagem.

Em literatura, as questões “o que ler” e “quando ler” suscitaram rumores entre pesquisadores e educadores brasileiros. As sugestões para a área dizem respeito à incorporação de autores contemporâneos, brasileiros e também estrangeiros. A presença da literatura portuguesa também foi muito cobrada nas críticas. Os revisores afirmam que no documento revisado a preferência foi por não nomear autores específicos, mas, sim, indicar parâmetros e indicativos para o uso dessas referências. As áreas de Matemática e Ciências da Natureza também sofreram com a questão do detalhamento de conteúdos. A segunda versão da BNCC procurou definir com mais clareza aquilo que os professores devem ou não passar aos estudantes do ensino básico.

Por fim, uma outra crítica apontada por pesquisadores da área e educadores diz respeito ao alcance da discussão da BNCC. Apesar da – relativamente – ampla divulgação da proposta, alguns críticos afirmam que os rumos da Base ficaram restritos a certos setores da sociedade. É o que defende Raquel Franzim, coordenadora pedagógica do Instituto Alana, em entrevista ao portal Base da Escola: “A discussão da Base não pode ser só uma discussão do professor, ela tem que ser uma discussão do pai também. O que ele acha que é importante? O que a criança acha que é importante? O que o cara da vendinha do lado acha que é importante? E é extremamente conflituoso esse processo. Também é ingênuo a gente acreditar que esse exercício de escuta é tranquilo, todo mundo fala, todo mundo escuta. É conflituoso o exercício democrático, mas a gente tem que apostar que é assim mesmo”.

Para o historiador e sociólogo Adão Francisco de Oliveira, a eficiência e a efetividade da Base Nacional foram comprometidas por um problema que diz respeito aos esforços institucionais dos entes federados na condução das discussões. “Em alguns Estados e/ou municípios importantes da federação pelo peso da economia ou pelo seu tamanho demográfico, o alcance, o esclarecimento e o interesse pelas discussões não foram correspondentes. Portanto, interesses políticos, trajetórias de luta, tradições participativas, coincidências e contingências contribuíram para maior ou menor participação popular nas discussões da BNCC”.

Professor da UFT, Adão Francisco de Oliveira assumiu a secretaria de Estado da Educação e Cultura no Tocantins em janeiro de 2015, e faz algumas reflexões sobre a participação do estado nas discussões da Base. “Em lugares como o Tocantins, por exemplo, com a sua incipiência demográfica e econômica, quando da abertura da participação popular com propostas e sugestões, tivemos a surpreendente colocação de sexto lugar em volume de participação. Por que a comunidade escolar no Tocantins foi tão atuante? Porque houve um engajamento da Secretaria Estadual de Educação em associação com as Secretarias Municipais de Educação, num momento em que o próprio Estado tinha a preocupação e desprendia esforços para cumprir a política própria de Educação, intitulada de Ressignificação Curricular”.

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Após receber mais de 12 milhões de sugestões, a BNCC é revista e apresentada em uma segunda versão (Crédito: iStock)

DESAFIOS

De acordo com texto informativo do portal virtual da BNCC, “a Base é uma conquista social. Sua construção é crucial para encontrarmos um entendimento nacional em torno do que é importante no processo de desenvolvimento dos estudantes brasileiros da Educação Básica”. Assim, em sua teoria, o documento surgiria para eliminar as desigualdades em oportunidades educativas em todo país, unificando os conhecimentos e conteúdos aos quais todos os estudantes teriam acesso. No entanto, trazer a teoria para a prática nem sempre é tarefa fácil.

Adão Francisco de Oliveira acredita que a existência de uma base curricular nacional não é suficiente para a melhoria na educação. “A BNCC é importante, mas lhe antecede ainda o que deve ser fundamental: reconhecer que o maior problema para o desenvolvimento da Educação brasileira é a desigualdade socioeducacional e que, portanto, o principal objetivo das políticas educacionais devam ser a sua superação. Coadunar os esforços institucionais nesse rumo parece ser o mais sensato para se formar gerações aptas a destravar as dinâmicas regionais e transformar as bases territoriais”.

Diversos educadores apontam para as dificuldades de colocar em ação as inúmeras mudanças propostas pela BNCC em um país onde, em muitos casos, as escolas não possuem o mínimo de infraestrutura básica. “O desafio que a gente enxerga nisso é como você tem que ter oportunidades educativas igualitárias em um país tão diverso e com experiências educativas e caminhos educativos tão diversos como é o que a gente tem. Porque na grande maioria dos municípios do país a Base está lá acontecendo mas você não tem técnico na secretaria para dar apoio àquelas escolas. Você tem escolas que não têm nem corpo de funcionários, escolas que não tem banheiro, vaso sanitário”, pontua Franzim.

Mas, além da questão da infraestrutura, um outro problema preocupa os educadores brasileiros: a formação de professores qualificados mostra-se essencial antes mesmo da implantação de qualquer iniciativa ou projeto na área da educação. O Brasil conta atualmente com cerca de 7.900 cursos de licenciatura em educação, mas, apesar da grande quantidade, são poucos os cursos que oferecem aquilo que os professores realmente necessitam saber para enfrentar o cotidiano dentro das salas de aula. Afinal, além de uma formação teórica sólida, os educadores também precisam de uma prática educativa bastante desenvolvida.

É o que afirma Franzim: “Além da responsabilidade dos currículos de pedagogia e licenciatura, também existe um responsabilidade maior, com a formação humana. Não existe formação de professor a curto prazo como tem se vendido. Você não tem uma formação médica em menos de três anos. Você tem um médico que, no mínimo, fica seis anos na faculdade, mais não sei quantos anos de residência e nem isso garante. E por que o professor pode ter uma formação rápida?”.

Para o diretor da Faculdade de Educação da Unicamp, Luiz Carlos de Freitas, o Brasil carece de políticas públicas que incentivem os jovens e estudantes a partirem para o magistério. “Para reverter o descaso com os professores, é preciso valorizar a profissão. O país não tem um sistema nacional de formação de professores, isso porque as políticas públicas, imediatistas que são, não pautam um movimento como este. Com isso você não tem sequer incentivos para os jovens optarem por essa carreira”.

Buscando solucionar esses problemas e colocar em prática as propostas da Base Nacional Comum Curricular de maneira mais eficiente, o MEC definiu quatro políticas ligadas diretamente a essa questão: a Política Nacional de Infraestrutura Escolar, a Política Nacional de Avaliação da Educação Básica, a Política Nacional de Formação de Professores e, por fim, a Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais. Assim, a existência de uma base que coordene os currículos comuns em todo o país necessita, antes de tudo, de ações bem estruturadas sem as quais ela não atenderá o seu objetivo principal, que é o de contribuir para a melhoria da educação básica no Brasil.

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Além de uma base comum, são necessárias diversas outras ações bem estruturadas para atender os desafios da educação brasileira (Crédito: iStock)

NOVAS PROPOSTAS

Além da Base Nacional Comum Curricular, duas novas propostas ganharam bastante espaço na mídia e nas discussões de professores, estudantes, pesquisadores e educadores de todo o país nas últimas semanas. A primeira delas é o projeto de lei 193/2016 que, entre as diretrizes e apontamentos para a educação nacional, inclui o alardeado Escola sem Partido, programa que ganhou notoriedade nos últimos meses, mas já existente desde 2004. Criado por membros da sociedade civil, o Escola sem Partido tem como principal proposta a afixação de um cartaz contendo os deveres do professor em todas as salas de aulas e escolas do Brasil.

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Cartaz criado pelo movimento Escola sem Partido (Crédito: Programa Escola sem Partido)

O movimento surgiu a partir da ideia de “desideologizar” o ensino no país, ou seja, garantir que os professores e educadores brasileiros não se aproveitem da “audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas ou partidárias”. No entanto, críticos do movimento afirmam que, na verdade, nada é isento de ideologia. Por isso, o Escola sem Partido seria um programa carregado de conservadorismo, apesar de uma fachada neutra e imparcial.

Segundo pesquisa realizada pelo portal Educação e Participação, pelo menos 19 estados brasileiros possuem projetos de lei semelhantes ao Escola sem Partido, evidenciando um claro reflexo da visibilidade que esse movimento tem ganhado. Com o projeto Escola Livre o estado de Alagoas se tornou o primeiro no país a regulamentar a neutralidade do professor dentro da sala de aula. Seguindo a mesma ideia do Escola sem Partido, o Escola Livre surgiu para evitar que os professores emitam opiniões durante as aulas, mantendo “neutralidade ideológica, política e religiosa”.

A segunda proposta que vem estampando os noticiários das últimas semanas é a medida provisória proposta pelo governo Temer em setembro, que define uma reforma significativa no ensino médio. Caso a MP seja aprovada pelo Congresso – que tem até 120 dias para votar -, as mudanças previstas na reforma podem estar valendo já em meados de 2017. Entre os principais objetivos da proposta, destaca-se o aumento gradativo da carga horária anual miníma da trajetória escolar, que subiria de 800 para 1,4 mil horas, progressivamente, a partir do ano que vem.

Além dessa resolução, a medida provisória ainda prevê que o currículo do ensino médio no Brasil foque em cinco áreas essenciais: matemática, linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e formação técnica e profissional. Já o ensino de algumas disciplinas tradicionais até então, como educação física, filosofia e artes, fica suscetível a possíveis mudanças, já que a MP as define como obrigatórias apenas para os ensinos básico e fundamental.

Na contramão da proposta, diversos especialistas, educadores, entidades e estudantes de todo o Brasil posicionaram-se duramente contra as novas medidas do atual governo, principalmente no que diz respeito à discussão e à arbitrariedade da MP. O Movimento Estudantil Secundarista de Bauru afirma que não houve qualquer diálogo com a sociedade e, assim, a reforma no ensino médio seria uma mudança autoritária por meio de uma medida provisória. “A utilização de Medida Provisória como meio de aprovar o projeto foi uma manobra suja e covarde do presidente Temer e seus ministros. A falta de diálogo parece ser um fetiche deste governo impopular e manipulador”.

De acordo com o governo e os simpatizantes da reforma educacional, a ideia de diminuir as disciplinas obrigatórias de 13 para 7 tem como intuito incentivar os estudantes a focarem e darem ênfase nas suas áreas de interesse. Por outro lado, críticos apontam que a diminuição no número de disciplinas é um retrocesso. “Nós enxergamos a proposta como um profundo retrocesso na educação brasileira, que já é extremamente precária. Todos possuem o direito de conhecer todas as áreas do conhecimento humano, sem restrições. A proposta afetará a escolha da área de atuação do aluno já que este não é capacitado, por uma série de fatores, de promover esta escolha tão importante e decisiva, tendo em vista que precisaríamos escolher a área no 2° ano do ensino médio”, completa o Movimento Estudantil Secundarista de Bauru.

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