Apoio à movimentos sociais e consumos de orgânicos cresce em Bauru
Por Camila Araujo
A procura por alimentos orgânicos cresceu durante a pandemia. É o que foi percebido pelo Assentamento Luiz Beltrame, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Gália, cidade que fica a menos de 50km de Bauru, que tiveram um salto no número de pedidos desde que a quarentena começou. De acordo com Mariane Catelli, professora e integrante do Coletivo Chão de Giz que é responsável pela divulgação e distribuição dos alimentos na cidade, no ano passado, eram 40 pedidos em média a cada distribuição. Hoje, até meados do mês de maio, os pedidos chegaram a 68. “Este ano toda vez houve um ‘recorde’ de entregas”, conta Mariane.
Outra iniciativa social que também viu crescimento durante a pandemia foi a Comunidade que Sustenta a Agricultura. Essa entidade, conhecida por seu acrônimo “CSA”, existe no país desde o ano de 2013, e passou a desenvolver atividades no município de Bauru no final de 2018.
Uma CSA é composta por um agricultor ou agricultora com habilidades no cultivo de alimentos, e um grupo de pessoas que queiram montar essa ponte, do campo à cidade. Trata-se de uma agricultura limpa e orgânica, em que os agricultores recebem seu salário, e todas as necessidades do organismo agrícola, desde o lençol freático, até a flora, a fauna, as sementes e os instrumentos de plantio, são custeadas pela comunidade que se juntou em torno daquele organismo agrícola para sustentá-lo, conta Wagner Santos, diretor operacional da entidade no Brasil. Ele salienta que “é uma comunidade que sustenta a agricultura, e não apenas o agricultor”.
Cada participante da comunidade se torna um coagricultor. “Como parceiro, você possibilita que ele possa fazer o trabalho dele. Em troca, você recebe alimentos de acordo com a época do ano, de acordo com a sabedoria da terra”, pontua o diretor.
Wagner Santos conta que houve um acréscimo de pelo menos 10 pessoas a mais em seu núcleo comunitário desde o mês de março, quando iniciou a pandemia. Segundo ele, esse número é pelo menos o dobro do que o esperado em meses normais. “A procura é grande e estamos vendo a possibilidade de aumentar vagas disponíveis. Para julho, estamos abrindo mais 30 vagas. Vamos fazer uma divulgação para novas pessoas entrarem na comunidade”, conta o diretor.
Cinthia Fernandes e Bianca Carvalho são as responsáveis por organizar a CSA de Bauru, cujo nome é CSA Raizes. Elas contam que o movimento na cidade iniciou com um amigo em comum, Gustavo. Ele conhecia a Eneida, uma agricultora que atua na cidade há anos, e chamou-a para participar dessa entidade. Antes de transitar para o orgânico, Eneida era uma produtora convencional, e atualmente ela está transitando para a produção orgânica biodinâmica.
Agricultura familiar
A Lei da Agricultura Familiar (11.326/06) considera agricultor familiar aquele que pratica atividades no meio rural, sendo que sua área é menor do que quatro módulos fiscais – essas medidas variam de acordo com a região do país. No sudeste, cada módulo fiscal possui de 5 a 70 hectares, a depender da qualidade do solo, relevo, acesso e capacidade produtiva.
Os alimentos que chegam à nossa mesa geralmente são produzidos pela agricultura familiar. De acordo com os dados do IBGE, nas culturas permanentes, esse segmento corresponde por 48% do valor de produção de café e banana. Nas culturas temporárias, são responsáveis por 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão. (Gráfico)
Apesar disso, segundo Chico Maia, ex-secretário de Agricultura e Abastecimento de Bauru, a cidade é constituída majoritariamente por pecuária leiteira e de corte. A agricultura familiar tem um peso pequeno dentro da economia do município, e em uma parte desse setor, existem produtores utilizando os mecanismos convencionais, aqueles que ainda utilizam defensivos agrícolas, conta o ex-secretário.
De acordo com uma pesquisa feita pelo Greenpeace, baseado em informações divulgadas pelo Diário Oficial da União, o Brasil sofreu um aumento brusco no ano de 2017, com a liberação de 166 novos defensivos agrícolas. Apenas 12% de toda produção agrícola no Brasil é orgânica, segundo o Censo Agropecuário de 2017.
Comida de verdade
“Chegou um momento que eu percebi que pra eu ter um valor nutricional significante eu teria que optar por alimentos orgânicos”, conta Gabriel Cruz, desenvolvedor e estudante de computação, que começou a se alimentar de forma mais saudável durante a quarentena. Ele é uma das diversas pessoas que consomem os alimentos do Assentamento Luiz Beltrame desde que a pandemia começou em março.
Leticia Santos, que é contadora e também consumidora dos alimentos do Assentamento, elenca motivos parecidos que a levou consumir os produtos agroecológicos das famílias assentadas, entre os quais “consumir produtos regionais e de qualidade, reduzir lixo, reduzir consumo de industrializados, contribuir com pequenos produtores e causas sociais”. Ela diz que a melhoria na saúde de toda a família foi um ponto central para buscar produtos sem agrotóxicos. “Os venenos são os principais causadores de doenças como câncer, por exemplo”, aponta. A Organização Mundial da Saúde indica que são 20 mil mortes por ano devido ao consumo de agrotóxicos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, foram 84 mil casos de intoxicação por agrotóxicos entre 2007 e 2015.
Segundo Wagner Santos, “as pessoas estão acordando para a importância de ter uma boa alimentação, uma alimentação viva, que traga para as pessoas condições de estarem bem nutridas”. Ele aponta as diferenças entre o alimento orgânico e convencional, e considera que o primeiro é um alimento vitorioso: “o orgânico busca formas de se defender das intempéries e das pragas. Ele faz de tudo para sobreviver até chegar a sua mesa”. Por outro lado, no alimento convencional, “qualquer coisa que o ataque, coloca-se veneno. Esse alimento cresce numa redoma de vidro e a planta se torna fraca”, aponta Wagner.
Chico Maia lembra que em 2017 a cidade importava seus alimentos orgânicos e conta que isso continua acontecendo, ou seja, a produção de alimentos em Bauru ainda não está voltada a esse segmento.
“O processo de produção orgânica parte de uma consciência de que é necessário consumir alimentos mais saudáveis”
(Chico Maia).
Meio-ambiente
Além dos prejuízos à saúde, a agricultura convencional também agride o meio-ambiente. “No longo prazo, ela desestrutura o solo. Uma camada de 1 cm de solo demora centenas de anos para ficar pronto. No Brasil, temos perdido camadas e camadas de solo agricultável, e para poder recuperar serão milhares de anos”, aponta Chico.
Ele lembra também que o mau manejo do solo, causado por esse tipo de agricultura, propicia o processo de desertificação, como é o caso do interior do Rio Grande do Sul e na região de Barreiras, na Bahia. Em virtude da irrigação em excesso, com muita lavagem do solo, os nutrientes acabam indo embora com a água, restando apenas sal. Com a salinização do solo, não se produz nada.
Para Wagner Santos, no agronegócio, os grandes agricultores não são agricultores e sim negociantes que produzem em milhares de hectares. “É basicamente monocultura. Você sai andando na região, são quilômetros e quilômetros de cana de açúcar e eucalipto.” Segundo ele, a monocultura do campo proporcionada pelo agronegócio afeta a própria sociedade, que passa a ter um monopensamento.
“Apoiar o pequeno agricultor é apoiar a diversidade de plantação no campo […] a gente é aquilo que come não é apenas um jargão, e sim uma verdade”
(Wagner Santos).
Como consumir do pequeno
Desde março, houve um crescimento acentuado dos integrantes de um grupo de WhatsApp intitulado “Cestas produtos orgânicos”, cujo objetivo é fazer a divulgação dos alimentos produzidos pelas famílias assentadas no Luiz Beltrame. O grupo que pouco tempo antes da pandemia contava com menos de 80 integrantes, atingiu sua capacidade máxima de membros no fim de junho, e houve a necessidade da criação de um site em que se concentram todas as informações para fazer o pedido de alimentos.
“Esses movimentos estão na luta pela igualdade de condições de vida justas há um longo tempo”, lembra Letícia, sobre os movimentos sociais que lutam pela distribuição da terra, como é o caso do MST. Além disso, “eles buscam oferecer alimentos de qualidade e sem veneno, e principalmente sem o monopólio do capital. Eu acredito na importância do apoio a esse e tantos outros projetos sociais que visam auxiliar e oferecer melhores condições de vida às comunidades”, pontua a consumidora. Para Gabriel, um dos principais motivos para apoiar e consumir do MST é o trabalho de agloflorestamento que eles estão promovendo.