Beleza e saúde além do padrão
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Como os padrões estéticos podem levar ao desenvolvimento de distúrbios alimentares sérios.
Por Bárbara Costa e Mariana Fernandes
Praticamente toda mulher já se submeteu a uma dieta e algumas até afirmam que necessitam estar sempre “de regime”. Os padrões de beleza atingem a sociedade como um todo, no entanto, é nítido como eles incidem com uma pressão muito maior sobre as mulheres. O documentário “Embrace”, com lançamento marcado para 14 de fevereiro nos Estados Unidos, teve o seu trailer compartilhado nas redes sociais por milhões de mulheres neste início de ano. Idealizada pelo Body Image Movement (BIM), fundado pela australiana Taryn Brumfitt, a produção estreou no “Sydney Film Festival” de 2016 e foi indicada ao prêmio de melhor documentário pela “Documentary Australia Foundation”. O filme traz um conjunto de depoimentos de mulheres sobre a aceitação do próprio corpo e aborda como a mídia é responsável pela consolidação dos padrões na sociedade. De acordo com um levantamento do documentário, cerca de 90% das mulheres do mundo são infelizes com seu corpo.
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Outras pesquisas ainda reforçam essa constatação da insatisfação feminina com a aparência. Um estudo já antigo, mas que abriu portas para essa discussão no universo das campanhas publicitárias, foi a pesquisa realizada pela Dove, em 2004, “A verdade sobre a beleza”, na qual concluiu-se que apenas 4% das mulheres em todo o mundo se consideravam bonitas. A insatisfação com o peso mostrou-se o maior denominador comum entre essas mulheres e isso impacta de forma preocupante quando o assunto é transtorno alimentar.
De acordo com levantamento realizado pela Secretaria de Estado da Saúde, em 2014, 77% das jovens em São Paulo apresentam propensão a desenvolver algum tipo de distúrbio alimentar, como anorexia, bulimia e compulsão por comer. Dentre as participantes, 46% afirmaram que mulheres magras são mais felizes e 55% adorariam simplesmente acordar magras.
Todos esses dados só evidenciam a influência que os padrões de beleza possuem sob a autoestima, principalmente, das mulheres, como confirma a psicóloga Marianne Oliveira De Toni: “Os padrões de beleza têm interferido no comportamento e autoestima das pessoas, homens e mulheres. Porém é importante reconhecer que da mulher, historicamente, é cobrado e exigido estar em consonância, conforme o conjunto de crenças e de valores vigentes de cada época. Isso não acontecendo, recai sobre ela todo tipo de crítica e a ela é atribuído o fracasso feminino”.
Segundo a American Psychiatric Association, em 2000, cerca de 1% da população mundial sofria com transtornos alimentares, sobretudo mulheres adolescentes e jovens. As causas vão desde a predisposição genética ao esforço para se adequar a padrões estéticos. De acordo com Luciana Kotaka, psicóloga clínica, “Vemos que a insatisfação com o corpo levam muitas pessoas a ignorarem a própria estrutura física e se lançam a dietas da moda, medicações e/ou qualquer outra forma divulgada que pregue a perda de peso”.
A busca inconsequente pelo padrão
Principalmente no verão e nos dias que o antecedem, ecoam pela mídia inúmeras dietas não convencionais e que se intitulam milagrosas para o tão alcançado #projetoverão, hashtag que alcançou sua maior marca, desde o semestre passado, no dia 29 de janeiro deste ano, sendo citada em 243.364 posts do Instagram. Mulheres de todas as idades, influenciadas pelas dietas da moda, arriscam tentativas, sem acompanhamento profissional, em dietas da lua, da sopa, do chá, dos termogênicos, paleolítica, entre tantas outras veiculadas pela mídia.
Sessão de fotos da campanha da Dove para a campanha “A Verdade Sobre Beleza”. Foto: Divulgação.
Nicole Ayres, estudante universitária, é uma das mulheres que não se sente satisfeita com seu corpo: “Eu até brinco que desde que eu nasci, faço dieta. Não consigo determinar uma data de quando eu comecei a querer fazer dieta e querer emagrecer. Mas não é constante, algum tempo eu me incomodo mais e começo a fazer dietas malucas e em outros períodos eu acho normal e desisto”. Apesar de já ter passado por acompanhamento com nutricionista em algumas vezes, mesmo assim, na busca pelo emagrecimento, já optou por métodos extraordinários: “Não tenho paciência para fazer dietas vitalícias, então sempre gostei do imediatismo. Eu fiz uma, quando bem novinha, chamada Dieta da USP. Eram 10 dias comendo mais ovo cozido, chá e bolacha água e sal. No terceiro dia, eu não tinha força nem para levantar da cama, vomitava e passei muito mal, depois disso fiquei um bom tempo sem fazer dieta”.
Isadora Lopes, também universitária, aos 10 anos, passou a sentir mais a pressão social para ser uma mulher com o corpo perfeito: “Começou a me incomodar quando começaram a me zuar. A gota d’água para mim foi quando me chamaram de botijão de gás, aí parei de comer e a hora do almoço era um martírio”. Isadora chegou a desenvolver um quadro de anorexia já duas vezes durante seus 22 anos. “Percebi que para eu ser mulher eu precisava ser muito magra, ter um cabelo lindo, uma pele boa, coisa que sabemos que não é verdade, mas era o que estava sendo cobrado”.
No primeiro quadro de anorexia, aos 11, Isadora se sentia satisfeita apenas com o cheiro da comida, conseguindo reverter essa situação rapidamente com a ajuda de seus pais. No segundo momento, devido a continuidade da insatisfação com o corpo e a sua dedicação ao ballet, a estudante resolveu emagrecer mais uma vez. Parou de comer, alimentando-se apenas com três biscoitos de polvilho e água durante todos os dias. Nesse quadro, aos 18 anos, então sem muita vigília dos pais, emagreceu 10 kg em um mês.
Isadora só reparou a gravidade quando não conseguia mais vestir nenhuma de suas roupas: “Eu levei seis meses para poder conseguir comer três colheres de arroz, foi uma luta para voltar a comer como uma pessoa normal”. Em ambos os casos, ela não passou por nenhum acompanhamento profissional, no entanto, acredita que o tratamento adequado faz a diferença: “Você fazer tudo sozinha é bem complicado, porque às vezes você toma caminhos errados. Não é só um padrão, o peso é um deles, mas você tem uma série que, se você tenta escapar de um, pode cair no outro”.
Infográfico: Mariana Fernandes
Saúde em primeiro lugar
Exatamente por envolver uma gama de fatores, até a definição de transtorno alimentar é objeto de discussão: os únicos assim classificados pela Organização Mundial da Saúde, maior autoridade no assunto, são a anorexia e a bulimia. Mas, mesmo assim, o Instituto de Psicologia Aplicada (INPA) alerta: “é unânime o papel sócio-cultural e psicológico no aparecimento dos sintomas e desencadeamento de crises e ansiedade extrema e episódios depressivos têm alta correlação com os transtornos alimentares”.
De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, 1% das adolescentes desenvolve anorexia, e podem chegar a morrer por desnutrição. Entre 2 e 3% de mulheres jovens desenvolve bulimia. E, segundo o INPA, entre os transtornos mentais, os distúrbios alimentares são responsáveis pelos maiores índices de mortalidade em mais de 10% dos pacientes.
Imagem: Mariana Fernandes
Apesar de possuírem relação da preocupação com o corpo, os dois distúrbios possuem diferenças fundamentais: pessoas com anorexia se enxergam muito mais gordas do que realmente são e, na busca pelo emagrecimento, simplesmente param de comer. Por outro lado, na bulimia, a distorção da imagem é mais sutil: elas não querem engordar, mas sentem prazer em comer, então têm ataques compulsivos em que comem muito, seguidos pela culpa, o que provoca os vômitos. Pessoas anoréxicas têm, necessariamente, um peso muito abaixo do saudável, enquanto pessoas bulímicas têm um peso normal ou acima do normal.
No caso da bulimia, a maioria dos sintomas são comportamentais, como os episódios de ingestão exagerada de alimentos seguidas por vômitos. No entanto, a ingestão de laxantes e diuréticos também pode ser um sinal, bem como o jejum por longos períodos e uma rotina de exercícios frenética (todos são chamados “comportamentos compensatórios”, já que tem como intuito a queima ou perda das calorias ingeridas). Como a perda de peso é mais demorada, anos podem se passar nesse quadro sem que suspeitas sejam levantadas.
Segundo a psicóloga Luciana Kotaka, entre os sintomas psicológicos estão o humor depressivo e a sensação de perda de controle e desaparecimento após a refeição. A bulimia é mais comum do que a anorexia e atinge cerca de 1 um cada 4 meninas adolescentes (de intensidade moderada).
Já na anorexia, a pessoa para de ingerir alimentos quase que completamente. Os pacientes costumam apresentar comportamentos como pesar a comida, medir a quantidade de líquido e negar a fome. Depois desse momento inicial, o corpo começa a rejeitar automaticamente os alimentos e pode ser que o vômito aconteça de maneira não intencional imediatamente depois da ingestão. No caso das meninas, a menstruação cessa por conta da falta da desregulagem do corpo e os pacientes homens se tornam impotentes.
A psicóloga Marianne Oliveira De Toni esclarece a posição de simplesmente parar de comer: “O que existe é uma recusa da fome, uma ilusão de autossuficiência, de alcançar o impossível. Não é que a fome e a vontade de comer deixam de existir, muito pelo contrário, o trunfo é conseguir resistir ao alimento tão desejado, desafiando seus próprios limites”. A anorexia pode ser detectada mais facilmente, já que a perda de peso é mais acelerada. No entanto, ela também mostra-se como mais perigosa.
Imagem: Mariana Fernandes
Virando o jogo
Estes transtornos são melhor tratados quando são diagnosticados precocemente, mas são de difícil diagnóstico, pois o paciente costuma negar os sintomas e o problema. Os tratamentos variam de acordo com a doença, mas são de longa duração e costumam incluir remédios, psicoterapia e reeducação alimentar. Normalmente é feito em um ambulatório ou consultório, e em casos mais graves, em regime de internação especializada. A participação da família é essencial e os pais também devem participar de consultas com um psicólogo familiar especializado. O acompanhamento deve ser feito por, pelo menos, um clínico, um nutricionista, um psicólogo e um psiquiatra.
De acordo com o INPA “a Terapia Comportamental tem se mostrado uma abordagem psicológica muito eficaz, ao contrário das abordagens psicodinâmicas. Ela tem como objetivos desenvolver o comportamento alimentar adequado, modificar os padrões de pensamento distorcidos e rígidos, aumentar a autoestima, motivar a persistência no tratamento, proporcionar apoio emocional, reinserir a pessoa no meio social e auxiliar a modificação do meio que produz o transtorno alimentar. A Terapia Comportamental pode auxiliar, também, os familiares, orientando-os em condutas que auxiliem a melhora daqueles que desenvolveram o transtorno alimentar.”
Apesar da forte influência dos padrões de beleza e os efeitos que eles possuem sobre a vida e a saúde das mulheres, a psicóloga Marianne acredita já houve muitas mudanças nesse quadro social: “Na contramão disso também vejo crescer, produto da discussão sobre o feminismo e empoderamento da mulher, espaços que questionam esse conjunto de crenças e valores de beleza; movimentos de resistência. Tenho percebido, uma ampliação nas possibilidades de ser bela. Inaugura-se outras possibilidades e o sujeito passa a ter mais opções de escolhas, de continuar ou não seguindo tais imposições sociais”.
Para ela, a posição da mídia sobre os padrões está sendo submetida a mudanças, o que pode atenuar a autoridade que a sociedade tem sobre os corpos das mulheres: “Percebo que o movimento feminista ganha força quando grandes marcas passam a criar propagandas valorizando a beleza feminina e suas múltiplas possibilidades, sem pior ou melhor, apenas diferentes, essa é a ideia da representatividade. Todo esse movimento tem feito a grande mídia sair da zona de conforto e encontrar estratégias de comunicação com esses diferentes grupos”.
