Certamente você já ouviu falar de Hollywood, ou então do seu equivalente indiano, Bollywood. Contudo, a indústria cinematográfica da Nigéria não fica muito longe do patamar sendo considerada a segunda maior produtora de filmes no mundo. No entanto, ainda é pouco conhecida e divulgada internacionalmente. Tratando de temas locais e com grande demanda de espectadores em seu país, o mercado ainda tem grande relevância social e econômica para a população do país africano.
Segundo a mestranda em estudos africanos, Gessica Borges, a indústria começou quando, “em 1976, com um golpe militar, o governo nigeriano impôs restrições às empresas cujos países de origem colaborassem com a África do Sul, um processo de nacionalização que afugentou Hollywood dos nigerianos. A guerra civil no mesmo período tirou a população das ruas, assustada com a violência, e o videocassete tornou-se a tecnologia mais conveniente de entretenimento”. Assim, os nigerianos começaram a apreciar filmes chineses e indianos.
Em meio a uma crise econômica e a desvalorização da moeda chinesa, uma lacuna se instaurou no cinema do país, abrindo portas para uma nova produção rápida e mais barata. “Nollywood surge como um contraponto à necessidade de treinamento técnico e toda magnitude tecnológica comuns à Hollywood, ou ao que se conhece por cinema internacional e, no início, foi esse desprendimento técnico que permitiu a rápida expansão do modelo de negócio, tornando-se o segundo maior em termos de volume de produções, atrás apenas de Bollywood”, explica Gessica.
Os filmes visam atingir o povo da Nigéria, ou seja, não são, originalmente, destinados à elite ou o mercado exterior – podendo ser um dos motivos pelos quais Nollywood ainda está no anonimato mundial. Além disso, as condições de produção ainda são bem precárias (se tornando gradativamente modernas com os investimentos em equipamentos digitais): o orçamento de cada película gira em torno de três a cinco mil dólares e são gravadas em poucos dias ou semanas. A distribuição é rápida, não chegando aos poucos cinemas do país, mas, sim, vendidos em DVDs por cerca de um dólar cada em diversos postos – até mesmo no trânsito, como conta o cineasta italiano Franco Sacchi no TED de 2007. Mesmo assim, segundo declara na mesma palestra, os envolvidos na criação dos longas estão sempre com sorriso no rosto independente dos problemas que encontram, e sentem orgulho de fazer parte de Nollywood.
As produções têm um grande valor para a população da Nigéria, uma vez que se instaura como a segunda maior indústria empregadora do país – logo atrás do setor petrolífero. Além disso, os filmes são modos de entretenimento rápido, sendo que demoram cerca de dez dias para serem filmados – e obtêm retorno imediado. “Além disso, tem a questão da afirmação de identidade cultural que, sem dúvida, é muito bom para o povo-nação. Eles se vêem nas telas, se reconhecem nas tramas, por isso continuam contribuindo para as produções acontecerem”, explica a mestranda. O tema central dos longas é a vida da população, com assuntos como corrupção, religião, poligamia, modernidade e tradição. Outro ponto de importância é a diversidade linguística, já que, além do inglês majoritário, idiomas como ioruba e o hausa são representados, mostrando a diversidade cultural do país.
Apesar da grande fama regional, é inegável que a indústria nigeriana não seja mundialmente conhecida como Hollywood e Bollywood. Segundo Gessica, há três teses principais que justificam o fato. Primeiramente, os filmes nollywoodianos não são pensados em escala internacional, e, sim, para suprir a demanda nacional. “Ele começou forte com o home vídeo e assim permaneceu desde o lançamento de Living in Bondage, filmado em 1992, e considerado o primeiro filme de sucesso de Nollywood. Contudo, mais recentemente é que começam a passar por um processo de industrialização capaz de ultrapassar algumas fronteiras globais”, conta a mestranda.
Em segundo lugar está a temática, novamente ela foi esquematizada visando a população da Nigéria, uma vez que trata de situações cotidianas da localidade. “As narrativas funcionam no mercado interno porque diz respeito ao povo que lá vive. Hollywood importou de forma tão massiva e inteligente o seu ‘american way of life’ a ponto de acharmos, muitas vezes, que somos parte da cultura americana. Vivemos o sonho oferecido por eles nas telas”, explica Gessica. O último ponto parte do princípio racial, ou seja, segundo a mestranda, “tudo que advém de países da África já sofre intrinsecamente com um estigma dos estereótipos que estamos acostumados: fome, miséria, doenças. A pele preta choca. As narrativas, idem. E, logo, me parece um tanto difícil imaginar os filmes com temáticas ‘muito nigerianas’ nas telas de todo mundo, simplesmente porque as pessoas não estão preparadas e eu diria até, interessadas, nas questões relevantes ao dia a dia do povo nigeriano”.
Contudo, este cenário começa a mudar, uma vez que as técnicas cinematográficas começaram a evoluir tecnologicamente e, em 2015, a Netflix, uma das maiores empresas de streaming do mundo – comprou, por 12 milhões de dólares, os direitos de produção da obra nigeriana Beasts of No Nation, estrelado pelo ator Idris Elba.
Texto e entrevistas: Camila Ramos e Leonardo Guerino