Lia Vasconcelos
Frequentemente, mulheres que têm muito para dizer são caladas diante dos estereótipos midiáticos reforçados a todo o momento. Conhecemos, de fato, a dimensão disso?
É fato consumado e disseminado, seja no “boca a boca”, ou nos dados de pesquisas oficiais, que os homens são maioria no mercado de trabalho, e os espaços midiáticos não fogem da regra. Alguns números nos ajudam a criar um panorama geral de como as mulheres compõem tais espaços: no Brasil, 50% da força de trabalho é composta por mulheres. Dos seis milhões e seiscentos mil trabalhadores domésticos do país, seis milhões e duzentos mil são mulheres. Do sul ao Norte e Nordeste, segundo o IBGE (Insituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 47% das mulheres brasileiras se declaram brancas, ao passo que a maioria de 57% se declaram negras, pardas, amarelas e índias. Por que, então, diante de tanta diversidade, os grandes meios de comunicação insistem em retratar as mulheres numa única imagem?
Em recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo, foi comprovado que 90% dos brasileiros assistem a televisão todos os dias e 83% destes se informam somente por esse meio. Os famosos “grandes donos da mídia” (que se dividem em seis famílias) vivem numa grande competição por público e publicidade, portanto, se vende o que é facilmente absorvido pela população, aniquilando qualquer chance de representatividade midiática da diversidade. Mulheres magras, brancas, jovens e heterossexuais são o padrão do suposto belo – rentável. A publicidade, principal plataforma de lucro dentro da mídia, é composta majoritariamente de homens; homens que contrastam visivelmente em seus papéis em propagandas, novelas, filmes, entre outros.
Enquanto a mulher torna-se objeto de apropriação, o homem é retratado como “o apropriador”. As propagandas de cerveja são os líderes da publicidade ao utilizar da objetificação da mulher um produto rentável. Documentários como “MissInterpretation”, “Mulher, Cerveja e Machismo”, iniciativas como “ThinkOlga”, “Lugar de Mulher” criam um panorama completo de como as mulheres são retratadas nesses veículos de comunicação; desde o ambiente de trabalho (principalmente o publicitário) até às propagandas, produto deles. A publicitária Rafaela Del Medico, ao ser questionada sobre a publicidade brasileira, afirmou que a sua área “é das piores, se não for a que pior trata a mulher. As mulheres são sub representadas na mídia, seja o meio ou veículo, tem pouca coisa que consegue mostrar a mulher e sua pluralidade da forma que é.” As iniciativas para mudar o quadro atual da mídia no Brasil e no mundo vêm acontecendo a passos de formiga, mas os diretores de “Mulher, Cerveja e Machismo” acreditam que a recepção calorosa e surpreendente de mais de 300 mensagens e e-mails, mais de 12 mil curtidas e 6 mil compartilhamentos da postagem que apresentou o documentário no Facebook, (além do interesse de pessoas que estão fora do Brasil, acadêmicos, artistas independentes, coletivos femininos e feministas) é “sinal de que as mulheres têm se conscientizado”.
No cenário da publicidade, as propagandas de cerveja se destacam na criação do estereótipo, da hipersexualização e até mesmo do constrangimento feminino. É como se elas fossem produzidas em um molde: uma mulher dentro dos padrões comerciais, a bebida e o grande público masculino desejando ambas. Um exemplo atual, no mercado brasileiro, é o da marca Itaipava com a campanha “Verão é Nosso!”, criada pela agência Young & Rubicam Brasil. Nela, a modelo e bailarina Aline Riscado é a personagem Verão, garçonete de um estabelecimento na praia, com figurinos que expõem e realçam seu corpo e a todo momento é ovacionada e desejada pelos homens ali presentes. De grande sucesso comercial, a campanha fez com que a marca conseguisse retornar ao ranking Datafolha das Propagandas Preferidas dos Consumidores. Alex Caires, do “Mulher, Cerveja e Machismo” explica que “o uso da mulher como acessório sexual associado ao seu poder de venda, bem como a erotização da submissão e a disposição do homem, ligada a cultura do futebol e samba” são algumas das questões centrais no machismo reproduzido em propagandas de bebidas como a cerveja. Outro exemplo recente é o caso dos anúncios de carnaval referentes à marca Skol. A campanha, espalhada por pontos de ônibus na cidade de São Paulo, apresentava dizeres como “Esqueci o ‘não’ em casa” e “Topo antes de saber a pergunta”. A resposta foi imediata: mulheres, com destaque a participantes do Coletivo Feminista ECA USP, reagiram com fotos em frente aos cartazes em que mostravam o dedo do meio, gesto típico de repúdio.
Uma dose de revolta
Apesar da superexposição feminina reforçada por agências de publicidade e pela grande mídia, há um movimento de contestação que busca empoderar mulheres e orientá-las a questionar a forma com que são representadas. Recentemente, a revista teen Atrevida, em seu portal na internet, publicou uma matéria que tentava ensinar suas leitoras a se maquiarem de uma forma que agradasse aos meninos. Seu público, caracterizado principalmente por meninas entre 12 e 15 anos, respondeu de forma clara e rápida: não se sentem na obrigação de agradar ninguém, a não ser elas mesmas. Isso mostra que o movimento feminista, que vem crescendo a cada dia mais, é forte e atinge diversos públicos, sexualidades, etnias, classes sociais e faixas etárias. Sua importância é inegável e tem ajudado muitas meninas e mulheres. Daniela Cabeça, 19 anos, estudante de Design, reforça a ajuda deste em seu processo de empoderamento. “O feminismo me fez notar que eu também tenho voz, tenho coisas a dizer, que eu importo e que todas as mulheres são bonitas do jeito que elas são e que elas não precisam se adequar a padrões de beleza impostos a nós pela mídia”, diz.
O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é encarregado de receber denúncias de consumidores ou órgãos públicos e avaliar se a propaganda em questão deve ser retirada do ar, e a agência responsável advertida. No ano de 2014, das 18 denúncias de machismo em propaganda recebidas (pesquisadas no site do Conselho), 17 foram arquivadas, e apenas uma, da cerveja Conti, rendeu um pedido de suspensão e advertência da agência que realizou a campanha – que dizia em sua página do Facebook “tenho medo de ir no bar pedir uma rodada e o garçom trazer minha ex”.
Enquanto o mundo publicitário continua perpetuando padrões estéticos e fortalecendo uma indústria na qual as mulheres são meros objetos de desejo, a militância feminista e seus afluentes continuam lutando e buscando formas de transformar um cenário afrontoso em justiça social.