Pelo sexto ano consecutivo, o Brasil registra um aumento recorde no número de novos agrotóxicos aprovados. Em 2021, foram 550 novos registros contabilizados, número 11,5% maior do que em 2020, ano que totalizou 493 aprovações — um recorde até então.
Segundo dados da Associação Brasileira de Defensivos Pós Patente (Aenda), até o início de 2019, havia o registro de 13.300 agrotóxicos no país. Apenas na gestão do presidente Jair Bolsonaro, iniciada no mesmo período, 1517 novos ingredientes ativos foram aprovados para uso em território nacional.
Ou seja, em 2022 praticamente 15.000 agrotóxicos estavam disponíveis no mercado. Além disso, o Brasil lidera o ranking de países na utilização do produto em números absolutos, com consumo de cerca de 540 mil toneladas por ano, aponta o Ibama. Isso representou um custo de aproximadamente R$49 bilhões, segundo cálculo da Andef.
Durante o período entre 2015 – 2017, quatro estados (MT, SP, RS e PR) responderam por 58% das compras totais de agrotóxicos, enquanto que o percentual sobe para 83% se considerados os oito maiores consumidores (incluindo GO, MG, MS e BA). Nas três maiores regiões consumidoras, o crescimento foi proporcionalmente maior no Centro-Oeste, seguido do Sul e do Sudeste. Fora deste eixo, vale destacar quatro estados, onde o crescimento no consumo foi superior a dez vezes: AC, PI, TO e PA.
Apesar de potência agrícola internacional, a questão dos agrotóxicos no Brasil não é meramente fruto de uma relação causa-efeito. Um complexo jogo de poder cria um envoltório sob toda a estrutura fundiária nacional. Nesta reportagem, vamos entender um pouco melhor a origem, o caminho e a influência do agrotóxico no Brasil.
História do Agrotóxico no Brasil:
A trajetória do agrotóxico como conhecemos hoje começou em 1939, quando o pesquisador Paul Miller identificou as propriedades inseticidas do DDT. Na época, a recém descoberta foi a principal arma utilizada contra o mosquito disseminador da malária.
Ao longo das próximas duas décadas, o agrotóxico não enfrentaria nenhuma resistência e rapidamente houve a popularização do composto pelo mundo. Porém, em 1962, o cenário mudou com o lançamento de “A Primavera Silenciosa”. A obra da bióloga Rachel Carson constitui um marco na agricultura mundial, levando a questão do uso indiscriminado de agrotóxicos à grande mídia.
Como resultado da repercussão, o DDT foi posteriormente banido dos Estados Unidos, constituindo a primeira política no controle de agrotóxicos do país.
Já no Brasil, a discussão sobre uma regulamentação na política dos agrotóxicos tomou forma no Congresso Nacional somente nos anos de 1980. Até então, a lei vigente datava de 1934, e o tema era regulado apenas por portarias dos Ministérios da Agricultura e da Saúde.
Em 1984, uma comissão foi estruturada para estudar a questão mais de perto. Como consequência, uma série de irregularidades como o uso indiscriminado de agrotóxicos, a alta concentração destes compostos nos alimentos, a falta de informação e fiscalização nas embalagens e rótulos e as propagandas enganosas em relação aos efeitos foram expostas.
A fim de estabelecer um maior controle sobre esta cadeia produtora, setores estaduais enxergavam a necessidade da inclusão de órgãos ambientais no processo. Apesar da falta de estrutura para a época, técnicos redigiram um manual para a avaliação da toxicidade de agrotóxicos, com base em protocolos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da EPA.
Anos depois, a discussão levou à criação, em 1989, da Lei dos Agrotóxicos, sob forte oposição do Ministério da Agricultura. Em suma, a lei incluía a necessidade de avaliação não apenas de aspectos de performance agronômica e saúde pública, como também de impactos ambientais.
O uso intensivo de pesticidas no Brasil cresceu substancialmente a partir do início dos anos 1990, em proporção relativamente próxima à dos demais países do Mercosul, mas superior à de outros grandes produtores agrícolas.
Nos dias de hoje, para a utilização de um agrotóxico, assim como é desde 1989, o produto deve ser registrado junto a três organizações federais. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, e o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama. Além disso, é necessário a apresentação de testes de segurança do produto, assim como estudos sobre os possíveis impactos gerados pelo composto.
Afinal, porque é tão difícil diminuir o uso de agrotóxicos?
A fim de respondermos esta questão, é necessário separar o tema em 3 pontos centrais: a concentração do uso de agrotóxicos em lavouras específicas, o monopólio de empresas sob a venda destes compostos e, por último, as facilidades para a sua importação no Brasil.
Primeiramente, vamos discutir a questão das lavouras.
Não é mistério para ninguém que o Brasil configura-se como grande potência agrícola mundial. O que talvez você não saiba é que essa representatividade vem através do cultivo de monoculturas específicas. É aí que mora o problema.
Para se ter uma ideia, apenas o cultivo de soja consome mais da metade do uso de agrotóxicos no Brasil. Se somado ao milho e à cana-de-açúcar, este percentual vai para cerca de 76% do total. Ou seja, três quartos dos agrotóxicos utilizados no país estão concentrados em apenas 3 lavouras.
Como consequência, essa monopolização de terras cultiváveis causada pelas grandes lavouras monocultoras, gera uma dependência de agrotóxicos específicos. “Por este motivo, produtores de agrotóxicos e produtores rurais trabalhando com estas lavouras possuem fortes incentivos de mobilização contra regulações mais restritas, especialmente de ingredientes ativos utilizados em suas lavouras”, afirma Rodrigo Fracalossi, técnico de planejamento e pesquisa do IPEA.
Incluindo o glifosato e o 2,4-D retratados no infográfico, apenas dez ingredientes ativos correspondem a cerca de 70% do volume comercializado em 2017, totalizando mais de 380 mil toneladas de agrotóxico.
Além disso, dos dez mais comercializados, metade deles possui grau III de periculosidade ambiental, e dois deles, nível IV (nível máximo permitido).
Simultaneamente a este fenômeno, o monopólio das empresas que comercializam os agrotóxicos se mostra mais uma barreira para a diminuição e reeducação em relação ao consumo dos defensivos agrícolas.
Em 2017, 80% das vendas de agrotóxicos realizadas em território nacional estavam sob controle de apenas 10 empresas, de maioria estrangeira. Se considerarmos as quinze primeiras, este controle sobe para 95%. “A concentração se tornou maior em razão do processo de fusões e aquisições no setor ocorrido em período recente, facilitando mais ainda a mobilização do setor”, acrescenta Rodrigo.
Muito por conta da origem do fornecimento e destino dos produtos agrícolas, o Brasil tende a seguir as normas sanitárias dos Estados Unidos e da União Europeia.
“A adoção de normas semelhantes às de outros países decorre em parte do fato de que autoridades brasileiras aceitam testes conduzidos em outros países, geralmente realizados a pedido das empresas interessadas. Além disso, produtores no Brasil precisam se adequar às normas fitossanitárias de vários mercados importadores, sob pena de não conseguirem introduzir seus produtos em certos mercados”. Conclui o técnico.
Chegamos agora ao terceiro ponto desta discussão: o custo e as facilidades por trás da aprovação e importação de agrotóxicos no Brasil. Como evidência da força e influência do setor, o infográfico abaixo representa as taxas sanitárias aplicadas no país para produtos novos.
Como observado, fica evidente a facilidade econômica que o setor agrário criou, ao longo do tempo, por meio de portarias e sanções para atingir este patamar de preço para registro de novos agrotóxicos.
Em resumo, as taxas de registro de um novo agrotóxico são três vezes menores do que às aplicadas aos alimentos e bebidas e cerca de cinquenta vezes inferior às cobradas por novos medicamentos.
Porém, há de se destacar que esta não seria a única taxa paga para que um novo pesticida pudesse ser utilizado em território nacional. As taxas de fiscalização do Ibama também entram na conta. Contudo, se comparado aos valores de outros países, o Brasil ainda paga cifras consideravelmente abaixo do padrão analisado.
Por fim, através dos dados analisados, chegamos a conclusão que a questão dos agrotóxicos configura um problema intimamente ligado à concentração fundiária. Este acúmulo de terras e, consequentemente, de poder, incentiva o desenvolvimento de uma postura estéril e pouco combativa dos órgãos políticos, ao passo que alimenta o descrédito a instituições sanitárias e ambientais em detrimento do lucro obtido ao país.