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Como se constituem os grupos de Futebol amador de Bauru

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Em Bauru, cerca de 15 mil pessoas se deslocam para acompanhar o futebol amador por final de semana, segundo pesquisa. 
Por Lorenzo Santiago
Os clubes do futebol amador são criados e geridos nos bairros acêntricos da cidade de Bauru. Carregam o nome de cada região, têm rivalidade com outras “quebradas” (gíria utilizada pelos moradores dos bairros acêntricos para se referir aos próprios bairros acêntricos) e por isso estimulam nos torcedores, dirigentes e jogadores um sentimento de pertencimento não só ao clube, mas à comunidade a qual o time está inserido. Possuem símbolos, combinações de cores próprias, mascotes e roupas que fortalecem essa identidade. Toda a estética se assemelha ao que é encontrado no futebol profissional e nas chamadas torcidas organizadas. Mas a forma que tudo isso é construído é diferente.
Dentro do universo do amador em Bauru é possível observar que os clubes de futebol profissional formam seus torcedores com base na identificação com o próprio clube, seja por afinidade com determinados jogadores, relação com as cores, influência de pais e amigos ou afinidade com questões políticas abordadas pelos clubes. Já a maneira como são formadas as afinidades dos torcedores e dirigentes com os clubes do amador, com algumas exceções, está diretamente ligada ao território: ou você nasceu ou morou no bairro durante um período da sua vida.

Liga de Futebol Amador Bauruense é a responsável pela organização dos campeonatos de futebol amador de Bauru (imagem (Lorenzo Santiago)


Percebe-se que as construções e os laços passam por diversos aspectos: as pessoas que fundaram ou que administram o time foram criadas e cresceram juntas, no mesmo bairro. Enfrentam problemas semelhantes aos que o bairro enfrenta, como falta de asfalto nas ruas, saneamento básico, alagamentos, falta de energia e acesso a escolas e postos de saúde com infraestrutura deficitária.
Essas mazelas são percebidas pelo próprio poder público municipal, conforme consta no Plano Diretor. De acordo com o documento (2008, p.6):
“De fato, Bauru reproduz a profunda desigualdade de distribuição de renda da sociedade brasileira: 1/5 da população mais pobre detém 9% da renda, enquanto o ⅕ mais rico se apropria de 42%. No entanto, a desigualdade não se reflete apenas na distribuição de renda, mas no acesso à riqueza e bens que a sociedade produz. Tanto é verdade que a população com menor renda vive nas regiões periféricas da cidade, particularmente nas favelas, cujo rendimento médio é inferior a dois salários mínimos, carentes de serviços de infra-estrutura urbana, de transporte, de escolas e serviços de saúde. Ao contrário, a zona centro-sul da cidade, provida de infra-estrutura e demais serviços, assegura melhor qualidade de vida, onde concentram-se os domicílios com renda maior que 15 salários mínimos. Tem-se assim um bolsão de riqueza cercado de ampla extensão de exclusão. Deve-se ressaltar, ainda, que a desigualdade na distribuição de renda é diretamente proporcional à desigualdade na escolaridade da população. Na região centro-sul, a mais rica da cidade, concentra-se a maior incidência de população com maior escolaridade. Ao contrário, nas regiões periféricas, reside a maior incidência da população analfabeta, especialmente nas favelas”.
Logo, os clubes de futebol se formam no que David Harvey (2012) chama de “comuns”, definido como uma relação social instável e maleável entre determinado grupo social autodefinido e os aspectos já existentes ou ainda por criar do meio social e/ou físico, considerada crucial para sua vida e subsistência. O autor aponta para a relação visceral que os comuns têm com os espaços em que estão presentes. Assim, tudo o que permeia os bairros interfere diretamente na relação dos indivíduos entre si, nas suas lutas. Estes espaços são moldados pelas pessoas que o compõem.
Os clubes de futebol amador de Bauru usam os espaços públicos disponíveis nos bairros e transformam estes locais em áreas de convivência. Interferem diretamente no cotidiano dos moradores ao promoverem eventos, pintar calçadas, praças e pontos de ônibus.
O conceito de comum também pode ser aplicado à realidade das equipes do futebol amador, já que elas atuam como organizações sociais que se apropriam dos espaços públicos. Ruas, praças e principalmente os estádios de futebol dos bairros acêntricos de Bauru passam a ser um local de socialização diário para quem está envolvido com o futebol amador.
bela vista

Estádio Horácio Alves da Cunha, Bela Vista, recebe as finais dos campeonatos amadores de Bauru (imagem: Lucas da Silva)


Apesar de parecer simples, a ocupação do espaço público pelos comuns se dá de maneira disruptiva. Os espaços públicos sempre foram uma questão de poder do Estado e da administração pública. Mas com o frequente avanço da política neoliberal, o financiamento de bens públicos diminui, e com isso diminuem as possibilidades de acesso e crescimento dos comuns. As ruas e praças ficam cada vez mais degradadas e o capital direciona os investimentos para os locais “públicos” que interessam a eles: nas zonas de centros econômicos, conforme afirma David Harvey, em suas discussões sobre a cidade.
A lógica neoliberalista prioriza e sobrepõe a taxa de lucro e o direito à propriedade privada em detrimento de todas as outras noções de direito. O direito à cidade e aos locais públicos são aspectos que ficam em segundo plano, afirma o intelectual.
Neste cenário, os comuns passam a ter dificuldade de se desenvolver pois o fluxo de bens públicos corrobora com as qualidades do comum. No futebol amador, observa-se que, sem locais de convivência, os clubes não têm opções de espaços para realizar eventos para a comunidade, cuja proposta é justamente levantar fundos para o próprio sustento das entidades esportivas: os times. O aluguel de áreas para a realização de eventos como feijoada, pastelada ou costelada, que têm o intuito de arrecadar dinheiro para o clube, pode ser um impedimento para os dirigentes promoverem tais atividades. Se os próprios estádios não tem infraestrutura minimamente adequada, os torcedores também não conseguem se deslocar internamente. Com a cobertura do Jornal Dois foi possível identificar muitas mães com crianças de colo e carrinhos de bebê nas arquibancadas em um espaço público deteriorado, sem acesso para carrinhos, sem locais com sombra para elas – fatores que dificultam a presença destas pessoas.
Os clubes de futebol amador têm a necessidade de monetização para manter as equipes, seja para pagar uniforme, a taxa de arbitragem, ou mesmo para pagar atletas que jogam no clube. Sem os espaços públicos que possibilitem formas de renda, os clubes encontram dificuldades em se manter. David Harvey indica que não é pela monetização que as equipes deixam de ser “comuns”:
“Existe, de fato, uma prática social de comunalização. Prática que cria ou estabelece uma relação social com o comum cujos usos sejam tanto exclusivos de um grupo social quanto parcial ou totalmente abertos a todos. No cerne dessa prática de comunalização encontra-se o princípio de que a relação entre o grupo social e o aspecto do ambiente tratado como um comum será tanto coletiva quanto não mercantilizada para além dos limites da lógica das trocas e avaliações de mercado. Esse último ponto é crucial, pois ajuda a distinguir entre bens públicos, entendidos como gastos produtivos do Estado, e um comum estabelecido ou usado de maneira totalmente diferente e com uma finalidade totalmente diferente, mesmo quando acaba fomentando indiretamente a riqueza e o lucro do grupo social que o reivindica”.
Neste aspecto, Harvey explica algo fundamental para a compreensão desta relação entre comuns e o território. Os comuns não são equivalentes ao espaço público, mas são parte integrante, que compõem o todo. A formação coletiva dos grupos organizadores do esporte amador em Bauru proporcionam uma ação social e orgânica. Isso porque a necessidade dos clubes de gerar riquezas se restringe à manutenção dos times e do futebol amador. Não se trata do fomento à mercantilização pura e simples, mas, de certa forma, propõe uma visão marxista da mercadoria, ao colocar em oposição as relações humanas desiguais. Isso acontece, por exemplo, quando um clube de futebol amador realiza um show e permite que só quem é “de quebrada” levar a sua bebida. As outras pessoas, que não moram no bairro, só podem consumir comprando das barracas do próprio clube, que dispõem de preços diferenciados para quem é morador também.  
O grupo de estudos NeoCriativa-UNESP realizou em 2017 um trabalho de assessoria de comunicação para as escolas e blocos de samba como forma de fomentar a geração de renda no tripé da economia criativa. O Núcleo entende a economia criativa como uma atividade que gera renda, emprego e valoriza uma cultura. As escolas de samba, blocos carnavalescos e clubes de futebol amador se encaixam nessa definição. Mas as entidades do samba de Bauru não conseguem gerar uma renda necessária para que o carnaval se torne auto sustentável.  
A lógica de ocupação do espaço apresentada até então se assemelha com o fenômeno das escolas de samba e blocos carnavalescos. Apesar de serem muito distintos em vários aspectos, o modelo de apropriação do espaço público é parecido. Muitas escolas levam o nome dos bairros e os ensaios para o carnaval acontecem nas ruas das respectivas comunidades. Para pagar as fantasias as escolas e blocos precisam atrair os moradores para os eventos promovidos. A diferença é que a maioria das agremiações carnavalescas não têm tanto êxito na criação de uma identidade com a comunidade em que está inserida.
Ao participar do projeto intitulado ComunicaSamba do NeoCriativa (projeto de assessoria de comunicação para as escolas de samba de Bauru), foram identificados diversos fatores que levam as agremiações a terem muito mais gastos do que acumulação financeira. Além da falta de políticas públicas para a área, o curto tempo de atuação das escolas e blocos acaba dificultando a participação massiva e a geração de recursos. Na maioria das vezes o carnaval começa a ser pensado em agosto para os ensaios e festas começarem efetivamente no final de outubro. São pouco mais de três meses para organizar tudo e captar o máximo de recursos possíveis.
A lógica de ocupação do território dos clubes de futebol amador se torna mais efetiva por causa dessa construção constante das ações. Os times ficam em atividade de janeiro a janeiro. No final de semana seguinte ao término das competições as equipes já estão fazendo jogos amistosos para montar a equipe do ano seguinte. A atividade frequente coloca esses grupos em evidência para os bairros, que veem neles uma oportunidade de lazer e de socialização permanente. Esse é um fator decisivo para a geração de renda e mobilização social em torno do comum. Ambos valorizam uma cultura subalterna, ambos geram trabalho e renda, e a diferença está no equilíbrio deste tripé – valorização da cultura, geração de trabalho e renda -, se aplicado a cada grupo.
Mas, os comuns, apesar de serem focos de resistência na questão cultural e territorial, não estão imunes à lógica neoliberal. David Harvey alerta que, mesmo quando não é mercadoria, o comum ainda assim pode ser vendido.
“O comum, inclusive – e particularmente-, quando não pode ser cercado, pode ser vendido, mesmo não sendo uma mercadoria em si. O ambiente e a atratividade de uma cidade, por exemplo, é um produto coletivo de seus cidadãos, mas é o mercado turístico que capitaliza comercialmente esse comum de modo a extrair rendas de monopólio. Por meio de suas atividades e lutas cotidianas, os indivíduos e os grupos sociais criam o mundo social da cidade ao mesmo tempo em que criam algo de comum que sirva de estrutura em que todos possam abrigar-se”.
A identidade criada pelo comum, no caso os clubes de futebol amador, pode ser apropriada pelo mercado. A atratividade gerada pelos clubes (que envolve a estética, a diversidade, o pertencimento ao território) se torna vendável para uma classe média que enxerga a luta desses grupos como mercadoria. E assim, esse comum criativo pode ser degradado e banalizado pela utilização abusiva. Ele pode até atrair mais investimentos tanto do poder público quanto do privado, mas perde sua essência, seu motivo de existir quando perde suas características coletivas, populares, raciais e de diversidade. Alguns comuns podem ter sido projetados com essa finalidade, mas certamente esses locais não aumentam a potencialidade de comunalização de todos, a não ser dos mais ricos, finaliza o autor.

Redação

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