Eleição em meio à pandemia promete ser um desafio para a saúde do povo e a política nacional
Por Carlos Eduardo Andrade Costa
Instabilidade econômica, impeachment, reforma da previdência, Lava Jato e corrupção. Esses e outros tantos acontecimentos influenciaram massivamente o cenário político brasileiro nas últimas décadas. Mas, apesar de relevantes, nenhuma dessas ocorrências teve poder para remodelar pilares tradicionais da forma de se praticar política no Brasil.
Até que 2020 chegou e até mesmo a quase imutável política brasileira se deparou com um turbilhão de consequências devido à pandemia e uma necessidade passou a ecoar no horizonte: será preciso debater e reconfigurar aspectos do “fazer política” que antes eram considerados intocáveis.
O primeiro desafio era evidente e ao mesmo tempo confrontador: as reuniões nas Câmaras municipais pelo Brasil e na Câmara Federal não poderiam continuar ocorrendo normalmente como uma ilha em meio ao mar de caos da pandemia. Foi preciso restringir e, até mesmo, suspender reuniões presenciais entre vereadores e deputados em todo o país.
A medida paliativa foi a realização de reuniões remotas/virtuais. A internet se tornou uma alternativa para garantir a governabilidade do país e as telas dos computadores passaram a substituir os discursos acalorados das tribunas.
DESAFIO AGORA É OUTRO
Além da remodelação nas formas de se exercer o mandato durante o coronavírus, os políticos brasileiros já projetam a próxima encruzilhada. Não se pode ignorar o fato de que a pandemia e todos seus enraizamentos caóticos ocorrem em um ano eleitoral. O pleito se aproxima e diferentemente das eleições anteriores, o primeiro domingo de outubro não será o dia de exercer a democracia nas urnas.
O Congresso Nacional, por meio da liderança do Deputado Rodrigo Maia, se articulou para adiar os processos eleitorais municipais para 15 e 29 de novembro. As consequências da não realização das eleições em 2020 seriam inéditas e juridicamente perigosas. Por isso, não se cogitou adiar o processo para 2021. Dessa forma, as campanhas eleitorais tradicionalmente repletas das batalhas por voto e nervos à flor da pele, ocorrerão em um país ainda fragilizado pela pandemia.
Imaginar uma campanha eleitoral em meio ao distanciamento social é uma tarefa árdua. Os meses que antecedem as eleições costumam ser marcados pela aglomeração de eleitores nas passeatas dos candidatos pelas ruas do Brasil. O “corpo a corpo” se tornou um grande pilar na gestão das campanhas para fortalecer a ideia de políticos que estão no “braço do povo”. O cenário epidemiológico brasileiro, porém, não permitirá que tais tradições sejam mantidas irrestritamente. Será preciso inovar e buscar alternativas para reparar os efeitos do distanciamento iminente com os potencias eleitores.
O vVereador Paulinho Tudo a Ver tentará a reeleição para o quinto mandato em Queimados (RJ). O político já projeta como serão as incomuns campanhas de 2020:
“A corrida eleitoral será muito desconfortável. Mesmo com os devidos cuidados, você fica com medo de ser contaminado ou de transmitir o vírus. Não apertar a mão ou dar um abraço em eleitores que estão juntos comigo desde sempre vai ser muito triste. Uma das principais bases da campanha de um vereador é olhar no olho do seu eleitor, visitar sua vizinhança e mostrar que estaremos próximos durante os próximos anos. A proximidade física é parte desse processo. Mas como fazer isso durante uma pandemia?” , destaca.
Redes sociais como alternativa
A internet destoa mais uma vez como uma grande aliada na busca por minimizar os danos da pandemia na vida política do país. O investimento nas campanhas eleitorais via redes socias tende a ser maior do que em eleições anteriores. Já não bastasse a expansão do uso da internet no país (cerca de 70% dos brasileiros possuem acesso à internet segundo a última pesquisa do IBGE em 2018), o coronavírus obrigará os políticos a buscarem a alternativa virtual para proliferar seus planos de governo e conquistar votos.
Carlos Albino, ex-presidente da Câmara Municipal de Queimados/RJ, concorreu em quatro eleições ao longo de sua carreira, mas jamais participou de um processo eleitoral tão atípico:
“Quando um político se elege é um momento de grande êxtase para ele, sua equipe e eleitores. Mas como comemorar alguma coisa em meio a tantas mortes, empregos perdidos e uma crise financeira sem precedentes? As pessoas estarão mais preocupadas com as consequências da pandemia do que com as eleições. E isso influencia como as campanhas serão conduzidas. As mídias sociais serão mais visadas, já que elas oferecem um bom alcance e mais segurança do que a campanha física nas ruas. De qualquer maneira, os candidatos terão que ter muita sensibilidade e bom senso para que se respeite o sentimento de dor das pessoas”, ressalta o vereador.
E o dia do voto?
Não serão apenas as campanhas que passarão por mudanças extraordinárias. O modus operandi do dia da eleição também será influenciado. O protocolo sanitário feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) destaca a necessidade da extensão dos horários destinados para a população se dirigir as urnas – com as seções abrindo uma hora mais cedo, às 7h. Levar a própria caneta, ir de máscara e higienizar as mãos antes e depois de usar a urna são outras novidades para o dia do voto. Preservar a saúde dos mesários e dos eleitores precisará ser prioridade.
Mesmo com as acomodações, o atual cenário trará consigo pontos a serem observados sobre os dias das eleições. A possibilidade de muitos eleitores não comparecerem as urnas é real. Se um alto índice de pessoas julgar que ainda não existe segurança mínima para exercer o direito democrático do voto, as eleições perigam ter um número de eleitores historicamente baixo. Essa preocupação poderá vir à tona dependendo de como estará a curva de contágio nos dias anteriores ao pleito.
As eleições de 2020 serão as mais incomuns em muito tempo. Candidatos e eleitores precisarão ter disciplina e consciência de que o vírus invisível continua à solta e de que o processo eleitoral – tanto a campanha como o dia do voto – pode ser um foco de disseminação da doença. Votar e ter a saúde preservada são direitos de todo cidadão, mas se não houver mobilização para que se tenha uma eleição segura, o brasileiro poderá enfrentar um dilema sobre qual direito escolher.