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Culto à Apple: até que ponto precisamos de tanta inovação?

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Empresa de tecnologia tem fãs que cultuam a marca e defendem a sua “qualidade superior”

Heloísa Scognamiglio e Mariana Hafiz

“De vez em quando, aparece um produto revolucionário que muda tudo”, disse, enquanto andava de um lado para o outro do palco. “Bem, primeiro, já é muita sorte trabalhar em um desses em sua carreira”, continuou. “A Apple tem tido muita sorte. Ela foi capaz de introduzir alguns desses no mundo”. Esse foi Steve Jobs em 2007, durante a apresentação do primeiro iPhone lançado pela Apple. Ali começava uma dessas histórias de produtos revolucionários que mudam tudo. 

Os lançamentos da empresa são sempre muito aguardados, gerando especulações de consumidores e especialistas em tecnologia justamente por conta da importância de algumas das inovações da marca nos últimos anos. 

A empresa de tecnologia americana começou suas atividades em uma garagem de Cupertino, na Califórnia, sendo fundada oficialmente em 1976. Em seus mais de 40 anos de existência, a Apple marcou a história moderna. Os produtos lançados pela marca muitas vezes não eram os primeiros de seus tipos, mas revolucionaram a relação das pessoas com os seus computadores, com os seus telefones e com as suas músicas preferidas, reconfigurando nossas rotinas e ajudando a definir a vida moderna.

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Foto: Pixabay

Só para se ter uma ideia da revolução causada pelo iPhone, no primeiro ano do seu lançamento, foram vendidas cerca de 1,4 milhões de unidades ao redor do mundo. No decorrer dos anos, as vendas do produto têm enfrentado crescimento forte, atingindo 150 milhões de unidades em 2013.

No que tange ao primeiro trimestre fiscal de 2017, que terminou em dezembro de 2016 e que, portanto, engloba em maior parte a temporada de Natal, a empresa reportou mais de 54 bilhões de dólares de sua arrecadação em vendas de iPhone. Essas vendas foram responsáveis por mais de 50% da arrecadação no intervalo de tempo em questão. Ao todo, foram vendidos mais de 78 milhões de novos iPhones neste trimestre. 

O iPhone é um dos maiores sucessos na história da indústria de smartphones. Desde a sua introdução no mercado, há 10 anos, quase 600 milhões de unidades foram vendidos em todo o mundo. Em relação ao quarto trimestre de 2014, a parcela de vendas de novos smartphones da Apple chegava a corresponder 20%. Muito do feito pode ser atribuído à habilidade da empresa de manter seus produtos mercadologicamente competitivos através dos anos, com constantes lançamentos e atualizações. 

O aparelho têm provado sua importância para a marca, considerando que as parcelas referentes aos iPhones na renda total da empresa vêm crescendo consistentemente através dos anos. No primeiro trimestre de 2009, as vendas de iPhone eram responsáveis por cerca de um quarto da arrecadação da Apple. No segundo semestre de 2015, esse quadro chegou a quase 70%, amontoando mais de U$ 40 bilhões. Em termos de unidades vendidas, a Apple foi de 1,39 milhões vendidas em 2007 a quase 170 milhões em 2014, registrando um pico no primeiro trimestre de 2015, com quase 75 milhões de iPhones vendidos ao redor do globo.

O lendário Steve Jobs

Steve Jobs, que fundou a empresa com Steve Wozniak, é visto como a mente por trás dos produtos, um gênio revolucionário, uma “peça redonda em um buraco quadrado”, como é dito no comercial da Apple “Think Different” (“Pense Diferente”, em tradução livre).

https://youtu.be/E2qxVhP46Yk

O empresário é um dos poucos que se tornaram praticamente uma lenda ainda em vida, se tornando uma fonte de inspiração e um ideal a ser alcançado por aqueles que buscam inovação a todo custo. De acordo com a biografia autorizada de Jobs, escrita por Walter Isaacson, muitas vezes os funcionários da empresa afirmavam ser impossível concretizar as ideias dadas pelo fundador, mas ele era irredutível e insistia em cobrar os resultados que queria – e, de algum modo, os funcionários geralmente conseguiam encontrar um jeito de entregar esses resultados. 

O computador chamado Apple II, lançado em 1977, “iniciou a revolução da computação pessoal”. Mais tarde, com o lançamento do iPod em 2001, a empresa revolucionou a indústria da música, alterando o modo como as pessoas consumiam suas canções preferidas. Já em 2007, o lançamento do primeiro iPhone ajudou a consolidar a Apple como a queridinha dos geeks e amantes da tecnologia, ao reunir a reprodução de músicas com celular e internet. O iPad, lançado em 2010, também impulsionou a popularização dos tablets.

Empreendedor com uma visão de mercado rara de se encontrar, Jobs foi visionário ao apostar na máxima simplificação da relação entre o homem e as máquinas. Para ele, a interface gráfica devia ser o mais simples possível, para que todos conseguissem entender o funcionamento – ou seja, uma interface user friendly (algo como “amigável ao usuário”, em tradução livre).

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Foto: Ben Stanfield (CC BY-SA 2.0)

Essa busca por tornar a interação com as máquinas mais fácil culminou com o lançamento do Macintosh, em 1984, que trazia um mouse depois de Steve Jobs se inspirar em protótipos da Xerox. O computador ajudou a popularizar o instrumento, que apresentou ao grande público a ação de controlar as máquinas com apenas um clique sobre os ícones (a interface gráfica foi novidade do Apple Lisa, de 1983), o que era muito mais fácil do que saber todos os comandos que usavam linguagem de programador e eram exigidos para controlar os computadores da época.

Para anunciar o lançamento do Macintosh, a Apple fez o comercial “1984”, que fazia alusão ao livro de George Orwell ao mostrar uma sociedade distópica e sem liberdade – o que representaria o monopólio da IBM sobre o mercado de computadores. Steve Jobs apresentou o comercial com um discurso bem incisivo. O comercial foi ao ar durante o intervalo do Super Bowl daquele ano, que é a final do campeonato de futebol americano e o programa televisivo mais assistido dos Estados Unidos. 

Abaixo, a apresentação do comercial: 

As propagandas grandiosas ajudaram a pintar uma imagem da Apple como a empresa pequena que lutava contra as gigantes do setor. A revolucionária, que combatia o sistema e queria quebrar padrões e estabelecer as próprias regras, criando toda uma aura em volta da marca.

Ainda na biografia escrita por Isaacson, é possível observar outras facetas da empresa. Entre as características nas quais a marca apostou, muito por causa da influência de Steve Jobs, estão o design dos produtos e a integração entre software e hardware. O fundador da Apple era muito exigente e acompanhava os produtos do momento da concepção até chegar aos consumidores finais. Ele usava o design como agregador de valor aos produtos. Para ele, o design tinha a função de solucionar problemas e atuava como uma assinatura da marca. O design foi uma das peças chave para a Apple se tornar a empresa que transformou os computadores de máquinas de negócios em bens de consumo. 

Já quanto à integração vertical, que combina hardware e software e requer um controle total da empresa sobre a produção, tanto dos componentes como do produto final, a Apple é líder. Muitos fãs da marca utilizam essa integração para argumentar que os seus produtos são superiores. Segundo eles, um produto totalmente pensado dentro de uma mesma empresa seria mais coeso, já que cada parte pensada considera as outras partes.

A Apple não foi a primeira a lançar um smartphone, um reprodutor de músicas portátil, um tablet, ou mesmo o relógio conectado, última categoria de produtos em que entrou com o Apple Watch. No entanto, a marca tem um foco muito grande na qualidade, na estética e na funcionalidade dos seus produtos. Isso fez com que surgisse uma comunidade de fãs apaixonados que se tornaram verdadeiros fiéis, o que faz muita gente falar em culto à Apple e ao seu “messias”, Steve Jobs.

Cultuando a maçã

A própria Apple reconhece que o modo como seus fãs encaram a marca é quase uma religião. Em janeiro de 2010, um dos slides da apresentação de Steve Jobs do primeiro iPad, mostrava uma frase tirada de um jornal: “Da última vez em que houve tanta empolgação por uma ‘tábua’, ela tinha alguns mandamentos escritos nela”. Ao lado da citação, havia uma representação de Moisés.

Philip Kotler, autor muito respeitado no universo do marketing, afirma que é comum que um consumidor, especialmente quando há o envolvimento de bens de consumo duráveis, tenha uma necessidade psicológica de defender a compra que fez. No entanto, o grau de comprometimento que os fãs da Apple apresentam vai além. 

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Foto: Pixabay

O professor Russell Belk, que entrevistou consumidores da Apple para realizar a sua monografia em 2002, diz que os fãs da marca compartilham alguns comportamentos com membros de grupos religiosos. Ele afirma que os usuários dos produtos da maçã se sentem em comunidade ao encontrar outros usuários desses produtos, como se fossem pessoas que compartilham a mesma fé. O professor ouviu inúmeros termos religiosos nas entrevistas que realizou: “evangelizar” e “converter” outras pessoas a usuários Apple e “perseguição” daqueles que não acreditam na superioridade da marca. 

É possível encontrar na internet pessoas contando como tratam os seus iPhones como filhos e que já viajaram a outros países somente para adquirir os novos modelos já no lançamento. A empresária Marília Guimarães, por exemplo, que faz vídeos no YouTube com dicas sobre aparelhos da Apple, tem todas as versões do iPhone até a sétima geração.

O valor simbólico de um produto da Apple superou em muito as suas funcionalidades. Ter um produto com a maçã se tornou uma questão de status social. Prova disso são pessoas que fazem de tudo para ter um aparelho. Em 2011, um jovem chinês vendeu um rim para conseguir dinheiro para comprar um iPad .

Existe até mesmo um consórcio para adquirir produtos Apple. Em 2015, a loja autorizada iPlace começou a oferecer um plano para comprar iPhones ou computadores Mac em parceria com a HS Consórcios. Já no fim de 2016, a marca TwelveSouth foi um pouco mais longe: lançou uma vela que imitava o aroma de um computador Mac novo.

Outro exemplo de como os produtos da Apple são valorizados é o fotógrafo americano Jake Harms, que pega antigos computadores Mac, os desmonta e os transforma em aquários, relógios e abajures para vender. Em entrevista, ele afirmou não se importar de jogar fora “um antigo Dell bege”. “Mas um G3, um G4 ou qualquer outro produto da Apple pode ser transformado em algo interessante”, disse.

Os fãs da Apple também enfrentam críticas e ironia. O culto à marca foi satirizado em uma propaganda da Samsung no fim de 2016, como pode ser visto abaixo (em inglês). 

A Merriam-Webster, editora norte-americana que publica dicionários e livros de consulta, também ironizou os “applemaníacos”. Em uma adição de termos realizada em abril deste ano, a palavra “sheeple” (“povo-gado”, em tradução livre), que significa “maria vai com as outras”, trouxe como exemplo a frase: 

A Apple apresentou um novo case de bateria para o sugador de energia iPhone — um case totalmente irregular que o povo-gado vai felizmente comprar por US$ 99.

Como fica o meio ambiente?

Em janeiro de 2017, a Apple recebeu do Greenpeace, pelo terceiro ano seguido, o certificado de marca de tecnologia mais amigável com o meio ambiente. Segundo a ONG, a marca lidera porque escolhe fontes de energia renováveis e cobra bastante que seus fornecedores também se comprometam com o meio ambiente.

De acordo com o site da Apple, 100% da eletricidade nas centrais de dados e 96% das instalações da empresa no mundo todo vem das energias solar, hidráulica e eólica. Além disso, a marca planeja auxiliar os seus fornecedores a produzir quatro gigawatts de energia renovável até 2020. O site também afirma que tem como meta fabricar produtos usando apenas materiais reciclados.

No entanto, o lixo tecnológico proveniente da constante alteração de modelos pela Apple também é um problema segundo o Greenpeace. A organização diz que o ideal seria que os smartphones fossem fabricados para durar, para serem facilmente consertados e para possibilitar melhoramentos futuros. Deste modo, as pessoas não precisariam trocar de celular a todo o momento e, quando precisassem, eles deveriam ser inteiramente recicláveis, assim como pode ser visto no vídeo abaixo (em inglês):

Os aparelhos da Apple gradualmente evoluíram ao correr da última década. Ficaram mais finos, seu processador ficou mais rápido e mais avançado e o tamanho da tela aumentou. Agora, com os últimos lançamentos do iPhone 8 e iPhone X (pronuncia-se iPhone 10 e não “xis”), os smartphones possuem câmera frontal e display de retina, além de, no último caso, serem feitos de vidro e alumínio. Incluem a assistente de voz Siri, novas cores como rose gold, dourado, cinza espacial, além dos clássicos branco e preto.

Uma grande novidade do iPhone X é o Face ID, tecnologia de reconhecimento facial que substitui as impressões digitais para desbloquear o aparelho. Ele foi lançado em comemoração aos 10 anos do iPhone e pode ser comprado por U$ 999,00 (R$ 3.247,00). O modelo de vidro permite que a empresa avance em direção do carregamento sem fio. O novo smartphone também não possui mais o botão home e tem uma tela sem bordas.

Em fóruns e redes sociais, muitos dos fãs da Apple que ainda possuem um aparelho que não é o mais novo lançamento comentam se sentir frustrados ou, até mesmo, “traindo” a marca. Se a Apple está lançando novos modelos, essas pessoas estarão comprando. Mas até que ponto é necessário tantos modelos novos com tão pouco tempo de diferença entre o lançamento de um e outro?

A influência que a empresa tem sobre milhões de pessoas e até sobre a própria indústria é gigantesca. Como exemplo, é possível citar a mudança de ideia de fabricantes Android em relação ao Face ID. O sensor de digitais integrados às telas eram dadas como o caminho certo da indústria mobile, mas, com o lançamento do iPhone X, aparentemente outras fabricantes estão abandonando esses planos e investindo em pesquisa no campo de sensores 3D de leitura facial. A Apple continua sendo uma incrível força no mercado de tecnologia. Então, não seria a hora de ser a pioneira em celulares duráveis também?

David Carnoy é especialista em tecnologia, editor executivo do portal online CNET, onde também escreve, e é autor do livro “Knife Music”. Ao comentar sobre o uso de dispositivos da marca em questão, ele escreve que costuma manter seus aparelhos iOS por cinco a sete anos no caso de seus MacBook. Mas, quando se trata de iPhones, o quadro muda levemente.

“Pessoalmente, eu tendo a manter meus iPhones por dois anos. Estou no ciclo dos ‘S’, tendo comprado o 4S, 5S e 6S. Conheço muitas pessoas que atualizam para o modelo mais recente todo ano, mas também há pessoas como meu pai que não veem problema em pular uma geração do aparelho”, diz. 

O pai de David adquiriu seu iPhone 4S no segundo semestre de 2012 e se desfez dele em maio de 2016, totalizando quase quatro anos de uso. É um ano a mais do que a Apple recomenda que alguém use seus aparelhos. Em termos gerais e considerando medições da energia utilizada pelo produto enquanto está sendo usado, os anos de uso são supostos como 4 anos para aparelhos OS X e tvOS (MacBooks e Apple TV) e 3 anos para aparelhos iOS e watchOS (iPhones, iPad, iPod Touch e Apple Watch).

Em abril de 2016, quando surgiram rumores de que a Apple retiraria a entrada de fones ouvidos no iPhone 7 – o que aconteceu de fato – David começou a questionar se esses números se manteriam estabilizados durante os anos ou se mudariam conforme os aparelhos ficassem cada vez mais poderosos e houvesse menos motivos para atualizações. 

“Eu penso que eu poderia facilmente ficar com o iPhone 6S, especialmente se eu substituir a bateria depois de dois anos. Como algumas pessoas no Twitter têm sugerido, desde que a Apple eliminou a entrada de fones de ouvido no iPhone 7, o iPhone 6S se tornará o ‘último iPhone'”, comenta. 

Se até mesmo os fãs da marca estão considerando ficar com seus aparelhos por mais tempo, será que não é o momento de desacelerar a troca de modelos por aqueles mais novos?

Especialistas do portal online de resenhas MIT Technology Review se perguntam se é possível que a empresa ainda consiga reinventar os celulares. Outros questionam o que acontecerá daqui em diante.

Rachel Metz, escritora do MIT Technology Review, tenta responder essas questões e fala que o que vem a seguir são incessantes atualizações das características atuais. “A próxima década certamente incluirá mais do mesmo, com iPhones incrementalmente melhorados com melhores sensores, processadores e, talvez, animações de emojis mais realísticos”, comenta ela. 

Será que precisamos mesmo disso?

Redação

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