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Da terra ao prato, das reivindicações às políticas públicas

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Como a parceria entre os pequenos agricultores e órgãos públicos fazem de Bauru uma referência em Agricultura Familiar e Segurança Alimentar no Brasil

Daniele Fernandes, Isabela Holl, Juliana Gonzalez, Nathalie Caroni


Não muito longe da cidade de Bauru e nem tão visível aos olhos de todos, uma comunidade luta para estender o alimento saudável para as mesas da região. Cercados por grandes plantações de eucalipto e cana-de-açúcar, à primeira vista quase não se vê os pequenos pedaços de terra. Ali
no Assentamento Horto Aymorés pessoas fortes, batalhadoras, contribuem para que o prato de  quem vive na cidade ganhe mais cor.  

É assim no sítio da dona Rosália e do seu Messias. Mais conhecida como Rosa, ela planta e cuida de uma horta com alfaces, couve-flor, cenoura, beterraba, hortelã e muitas outras hortaliças orgânicas, comercializadas pelo seu marido e por garotos da região, que segundo ela, precisavam de uma renda extra.“Agora eu estou com três meninos que vêm de quarta a sábado colher verdura e eles levam pra vender na rua e eles vendem tudo o que levam”.


Dona Rosália em sua plantação de hortaliças. (Foto: Juliana Gonzalez)

Rosália é uma mulher simples, e é na simplicidade que encontramos a sabedoria do campo. Mais conhecida como dona Rosa, ela reconhece a importância do verde, do orgânico, e se orgulha quando lembra que sua horta é uma fonte saudável de alimentação,  distribuída para parte da cidade de Bauru ou para seus conhecidos, que sempre aparecem para comprar vegetais fresquinhos.

Dona Rosália expandiu sua produção com a ajuda de organizações bauruenses (Foto: Juliana Gonzalez)

“O que me dá uma satisfação aqui é que eu planto e eu não passo nenhum tipo de agrotóxico, aí você come aquela comida saudável e você pode fornecer isso para outras pessoas também”. E completa: “Minha irmã caçula tem vários problemas de estômago e a médica que estava fazendo o tratamento proibiu ela de comer frutas e verduras do supermercado porque geralmente é tudo convencional, com agrotóxico, mas quando ela come o que eu planto aqui ela não passa mal”.

“O que me dá uma satisfação aqui é que eu planto e eu não passo nenhum tipo de agrotóxico, aí você come aquela comida saudável e você pode fornecer isso para outras pessoas também”. E completa: “Minha irmã caçula tem vários problemas de estômago e a médica que estava fazendo o tratamento proibiu ela de comer frutas e verduras do supermercado porque geralmente é tudo convencional, com agrotóxico, mas quando ela come o que eu planto aqui ela não passa mal”.

Mas nem sempre foi assim. Em Bauru, antes de se mudar para o Assentamento Horto Aymorés, há sete anos atrás dona Rosa morava em uma chácara perto da Unip. Comprou seu pedacinho de terra onde hoje vive com a família e cultiva hortaliças.

“Toda vida eu fui de sítio, fui nascida e criada em sítio, saímos em 1979 [do Paraná] para vir para Bauru. Em 2009 a gente resolveu acampar para pegar uma terra, ficamos dois anos acampados e não deu certo. Apareceu a oportunidade de comprar aqui, então a gente veio para cá”.

Há mais de 13 anos o lote dela fazia parte de uma extensa plantação de eucalipto, vizinha de uma fábrica de artigos de papelaria. O eucalipto é uma planta que esgota o solo e quando isso aconteceu o espaço foi abandonado e posteriormente ocupado pelo movimento. Foi quando ela conseguiu o direito de recuperar a terra dos maus tratos produzidos pelo eucalipto e chamar essa terra de sua.  A convite da irmã, dona Maria, ela foi viver no Assentamento Horto Aymorés.

As irmãs Rosália e Maria voltaram para o sítio depois de muito tempo morando na cidade de Bauru. (Foto por Juliana Gonzalez)

Dona Maria é uma mulher sem igual. Viúva, colocou todos os seus pertences dentro de um carro e seguiu para o acampamento em busca de seu sonho. Chegou lá triste, ainda em luto, mas com o apoio de outras mulheres de lá recuperou-se e apaixonou-se pela terra e pela produção. Mais ou menos dois anos depois conquistou seu pedaço de terra.

Mais tarde decidiu retribuir todo o carinho e ajuda que recebeu, e pensou em uma forma de unir as mulheres do movimento. Foi com essa ideia que começou a organizar o Grupo Mulher, com foco na sustentabilidade das famílias agricultoras e no empoderamento das mulheres do local. 
O sonho de dona Maria começou a se tornar realidade a partir de um encontro para um simples chá da tarde.  

“Eu abri ele em 2014, o cenário aqui era arrasador, muito triste. Tinha muita briga, muito roubo de lote, roubo de madeira, e a gente ficava nessa turbulência. Depois que abriu o grupo muita coisa mudou, começou a ter mais respeito, porque tinha um bando de mulher que podia brigar, quebrar pau. O Grupo Mulher veio pra construir.”

Para começar as reuniões, ela contou com a ajuda de Fernanda, uma mulher que sempre morou na cidade e apoiou o sonho do marido de voltar para o campo. Juntas elas lutaram para que o então grupo mulher se tornasse uma cooperativa.

A CoopMulher reúne mulheres agricultoras mas também acolhe os “maridos agregados”. O grupo cresceu e fortaleceu-se também com a ajuda da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento, a SAGRA, que buscava mulheres para desenvolver um projeto. Juntos, organizaram o grupo como uma cooperativa e, apoiados pela Incubadora de Cooperativas da Unesp, a Incop, começaram uma caminhada pela regularização e o fortalecimento dos agricultores da região.

O grupo cresceu e fortaleceu-se também com a ajuda da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento, a SAGRA, que buscava mulheres para desenvolver um projeto. Juntos, organizaram o grupo como uma cooperativa e, apoiados pela Incubadora de Cooperativas da Unesp, a Incop, começaram uma caminhada pela regularização e o fortalecimento dos agricultores da região.


A CoopMulher e a organização rural


O grupo surgiu em 2014 unindo mulheres que se sentiam oprimidas e desestimuladas a produzir nos seus lotes.

As reuniões chegaram a ter 79 mulheres e deram origem a uma cooperativa com mais de 20 cooperados. Juntas elas se apoiam contra a violência doméstica, contra patrões opressores, contra o desânimo do dia a dia no campo, e tentam prosperar nesse meio que um dia foi inóspito e hoje apresenta as primeiras folhas daquelas sementes plantadas anos atrás.

Elas encontraram na SAGRA um apoio para se estruturar enquanto cooperativa por meio da orientação técnica e do acesso a equipamentos agrícolas. Já a Incop ajudou a buscar verba para regularizar e legalizar a cooperativa, e promoveu diversas oficinas sobre gestão e comunicação.

No processo de organização aprenderam sobre empreendedorismo, cooperativismo e utilização das mídias e recursos digitais. Por fim, com os maridos, conseguiram se estabelecer como cooperativa, comercializando cestas de produtos para a região desde junho. De lá para cá o número de pedidos só vem aumentando.

A horta da dona Rosa, que antes era apenas uma pequena plantação de hortaliças, agora se estende por quase toda a sua terra. Com o incentivo da SAGRA e da INCOP ela diversificou os produtos e aumentou a produção.

Com a venda de cestas, a CoopMulher fornece alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos para a população Bauruense (Foto: Juliana Gonzalez

Mesmo com o apoio institucional os agricultores do assentamento sofrem preconceitos diários, tratados com descaso pela população urbana e nos estabelecimentos locais. Dona Rosa comenta sobre a visão que se tem dos assentados na cidade de Bauru. “A cara que o assentamento tem é a de ladrão. Esses dias atrás o Adelson [vice-presidente da cooperativa] passou por uma humilhação muito grande numa loja de agropecuária. Chamaram a polícia porque ele é do assentamento, se ele fosse do centro da cidade eu garanto que ele não tinha passado por isso. A moça ainda perguntou: você é do assentamento, não é?”.

Na ocasião ele já estava em outra loja quando foi abordado pela polícia. Como ele não havia comprado nada, afirmaram que roubou a mercadoria e chamaram a polícia. “Não é só o pobre, os que andam com a roupa suja, que roubam. Os que andam de gravata também roubam”.



As políticas públicas e reivindicações da categoria

A luta pela atenção do governo para as pautas dos agricultores é antiga e vem desde a década de 60, quando militares, economistas e a elite agrária da época defenderam e criaram uma série de políticas que deveriam proteger e incentivar a categoria. Essas políticas, no entanto, visavam à modernização das atividades e, ao invés de apoiar pequenos produtores, buscavam beneficiar médios e grandes produtores da região Sul e Sudeste, que produziam para exportação e, portanto, uma área de interesse da agroindústria, como o café, a soja, e a cana-de-açúcar.

As políticas voltadas para o setor mais fragilizado, os pequenos produtores, começaram a ser implantadas a partir de 1990. Uma das conquistas foi a inclusão deles na previdência social, com a garantia da aposentadoria. A partir dessa década outras políticas diferenciadas foram criadas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (PRONAF) em 1995, a Secretaria da Agricultura Familiar em 2001 e a Lei da Agricultura Familiar em 2006. Essa última reconheceu e definiu a categoria social e passou a nortear as políticas criadas para a categoria.

A dona Rosália ainda não consegue participar dos programas governamentais porque ainda não recebeu a documentação de sua terra (Foto: Juliana Gonzalez)

“O Pronaf, na verdade, possibilita ao produtor familiar o acesso a crédito para produzir. Então é importante também fazer esse acesso para ele conseguir insumo para produzir”, explica o diretor de Departamento da SAGRA, Rafael Lima. Apesar da possibilidade de crédito, muitos agricultores encontram dificuldades no acesso a esses programas, por conta de problemas nas documentações das terras. “O que tem acontecido é que nós temos na agricultura familiar de mais forte os assentamentos, inclusive comunidades tradicionais, como os quilombos e aldeias indígenas. Mas está tendo dificuldade pra eles terem acesso. Tem assentamento onde eles ainda não têm a titularidade, então não conseguem acesso, eles não têm o DAP”, afirma Rafael.

A DAP é a declaração de acesso ao PRONAF, necessária para participar dos programas que o governo oferece. Para obtê-la é preciso ter o documento de posse da terra, que muitos lotes nos assentamentos regularizados ainda não possuem. É o caso da dona Rosa, que, apesar de ter comprado os direitos da terra e viver há sete anos, ainda não dispõe do documento que declara sua posse. Por isso ela não pode solicitar a declaração e não possui acesso a esses programas. Programas como o Programa de Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que possibilita aos agricultores uma renda mensal fixa em troca dos seus produtos, que são destinados às refeições nas escolas do município.

O PNAE é uma lei e determina que todo município precisa investir 30% dos recursos recebidos para a alimentação escolar na compra de produtos da agricultura familiar. Só em Bauru mais de 60 mil estudantes são alimentados através desse programa, com mais de 75 mil refeições diárias.


O apoio dos municípios e a mudança nas perspectivas 


Outro fator que dificulta a realização do programa é o deslocamento dos produtos da agricultura familiar da zona rural até as escolas de destino na cidade. De acordo com Rafael Lima, o deslocamento do produtor e a quantidade de pontos que ele precisa entregar não corresponde à realidade e possibilidade dos agricultores. “Ele está lá isolado, 30 km da cidade, pra ele trazer aqui são 30km de estrada de terra para percorrer”, diz Levi Momesso, secretário da SAGRA.  “Em questão de apoio municipal a secretaria disponibiliza a patrulha rural, que são tratores que têm implementos agrícolas, locados com um curso bem abaixo do comercial para pequenos produtores, porque ele não tem condições de ter um trator ou uma máquina, então buscam ajuda da prefeitura”, afirma o secretário.

Além dos programas federais, a prefeitura tem um papel importante para auxiliar esses produtores rurais, como realizar a manutenção das estradas de terra, dando condições de o produto escoar para a cidade. “Para o produtor familiar vender para a prefeitura ele tem 178 pontos pra entregar. Agora imagina para um produtor familiar, uma cooperativa, que às vezes não tem carro, ter que entregar em 178 escolas onde ele vende. O que Bauru tem feito é comprar da agricultura familiar em grupos mais organizados”, explica Rafael.

É um incentivo para o crescimento dessas cooperativas e possibilita aos pequenos produtores atender todas as demandas.

Apesar das conquistas nas últimas duas décadas, esse cenário pode ser alterado por diferentes motivos, como eleições, influência da bancada ruralista e outros grupos que se beneficiam do enfraquecimento dos pequenos produtores. Uma dessas alterações veio com a reforma da Previdência Social, apresentada pelo presidente Michel Temer em 2017.

Pela proposta se extingue a aposentadoria especial, antes destinada a pequenos produtores e comunidades tradicionais.

Na aposentadoria especial não é necessária a contribuição mensal, e ela se destina aos produtores sem renda suficiente para contribuir. Com a nova proposta os trabalhadores rurais precisam contribuir mensalmente para garantir o direito à aposentadoria e essa contribuição dificulta o acesso, porque como os agricultores dependem da colheita, não possuem um salário fixo mensal.

Mas para dona Maria, que vive em sua terra há mais de 10 anos, mesmo com toda luta e dificuldade de conseguir prosperar no ambiente rural, viver no campo é viver feliz. É como diz a letra de uma música da dupla Victor e Leo, que ela canta entre uma frase e outra:

“Nunca vi ninguém viver tão feliz

Como eu no sertão

Perto de uma mata e de um ribeirão

Deus e eu no sertão

Casa simplesinha, rede pra dormir

De noite um show no céu

Deito pra assistir

Deus e eu no sertão

Das horas não sei, mas vejo o clarão

Lá vou eu cuidar do chão

Trabalho cantando, a terra é a inspiração

Deus e eu no sertão

[…]

Redação

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