Como as paradas acompanharam as conquistas da comunidade LGBT
Por Ana Carolina Alves, José Miguel Toledo, Lenes Moreira, Thaís Fritoli
Primeira parada LGBTQ de Nova York em 1970 / Foto: Getty Images
O INÍCIO
A militância LGBT não começou com Stonewall em 1969, como muitas pessoas acreditam. Durante os anos 1960, todo 4 de julho, feriado da Independência dos EUA, grupos ativistas faziam um piquete em frente da Casa Branca e havia alguns grupos que já lutavam para disseminar a conscientização em relação a discriminação e os problemas que a comunidade LGBT enfrentava, mas esses grupos tinham atuações mais regionais e faltavam lideranças nacionais para o começo de um movimento de direitos civis gays. E então veio Stonewall e tudo mudou.
O Stonewall Inn era um clube gerenciado pela máfia que ficava no bairro de Greenwich Village, que era considerado um recanto LGBT da cidade de Nova Iorque. Seu nome, Stonewall é por causa de suas paredes de pedra reforçada, o prédio antes era um estábulo, e por servir como refúgio para aquelas pessoas que não estavam seguras ou confortáveis com o mundo do lado de fora.
Stonewall era abrigo para muitos que eram excluídos e oprimidos até mesmo dentro da comunidade LGBT, muitas vezes negros, pobres, transsexuais e travestis e constantemente era alvo de batidas policiais rotineiras, assim como outros bares da região.
No dia 27 de junho de 1969, aconteceu mais uma dessas batidas policiais de rotina, mas durante a madrugada, já no dia 28, a situação escalou e uma confusão generalizada começou. A repressão policial foi a maior já vista até aquele momento e muitas pessoas foram presas e agredidas e isso revoltou tanto as pessoas que estava no bar, quanto as pessoas da comunidade e da região e por conta disso, durante uma semana, uma revolta se instaurou no bairro e muitos protestos aconteceram.
“Aconteceu espontaneamente e aconteceu principalmente por causa do movimento dos direitos civis que abriu terreno nos anos 60. Eles criaram uma mentalidade sobre liberdade e ser uma pessoa inteira. Quando nós estávamos na rua naquela noite, a troca de ideias levou aquele ponto. Todos viraram combatentes muito rápido”, disse Thomas Lanigan-Schmidt, um dos garotos que estava presente naquela noite.
A partir daquele momento em Stonewall, o movimento de direitos civis lgbt começou a tomar forma e a se movimentar e um ano depois, em 28 de junho de 1970, aconteceu a Christopher Street Liberation Day March. Essa marcha acabou levando o nome da rua em que ficava o Stonewall Inn e foi marcada por protestos e palavras de ordem, algumas como “Say it loud, say it clear. Gay is good, gay is proud” (algo como “Diga algo, diga claro. Gay é bom, gay é orgulho”, em tradução livre).
“Isso foi muito antes de qualquer pessoa ter ouvido sobre uma marcha de orgulho gay”, contou Fred Sargeant, um dos participantes dessa primeira marcha, em um relato para a Village Voice em 2010. “Naquela época, era preciso um grande senso de audácia e coragem para tomar aquela grande passo pelas ruas de Manhattan”, completa Sargeant.
A primeira parada LGBT foi na verdade o evento realizado em Los Angeles naquele mesmo dia, pois teve apoio da cidade para sua realização. O que aconteceu em Nova Iorque e o que acontece até hoje, em respeito à sua memória, foi uma marcha, um ato de protesto. Chris Frederick, um dos diretores da NYC Pride disse à Mashable: “Nós ainda chamamos a nossa de marcha para mostrar nosso respeito e comemorar a história de como esses eventos começaram originalmente. Nós dissemos que no momento em que a comunidade LGBT não enfrentar mais discriminação e ódio pelo mundo, nós iremos nos identificar a marcha como uma parada”.
E foi a partir dessas primeiras marchas e paradas no começo dos anos 1970 que vimos muitos avanços nos direitos civis dos LGBT e também pudemos observar o crescimento do orgulho por ser quem é. As paradas também refletem o momento pelo que o movimento LGBT está passando. Nos anos 1970, havia os ativistas que iniciaram o movimento, nos anos 1980, a epidemia do HIV/AIDS marcava o desfile com tons sombrios e de luto, já nos anos 1990, havia a febre dos homens de shortinhos e regatas e hoje em dia vemos as paradas cheias de famílias e crianças, mostrando os avanços nas leis de união afetiva e casamento e elas também advogam em outros movimentos que acabam se interseccionando, como o Black Lives Matter.
Pelo mundo, essas paradas e marchas se espalharam e foram crescendo na medida que em a comunidade LGBT em cada país e ia tomando consciência e tamanho, até mesmo em lugares onde ser LGBT pode ser incrivelmente perigoso e até ilegal.
Parada LGBTQ de São Paulo de 2017 / Foto: Getty Images
PARADA LGBTQ DE SÃO PAULO: 20 ANOS DE LUTA
A primeira Parada do Orgulho LGBTQ da cidade de São Paulo foi realizada em 28 de junho de 1997, na avenida Paulista e reuniu um público de apenas duas mil pessoas. Foi antecedida de uma manifestação, com o objetivo de reunir gays, lésbicas, travestis e ativistas para celebrar o orgulho e protestar contra o preconceito. Naquela época, os movimentos sociais por direitos humanos não adotavam uma sigla comum para representar a diversidade, isso explica, por exemplo, o porquê do grupo organizador denominar a primeira marcha de “Parada do Orgulho GLT”, ou seja, gays, lésbicas e travestis.
A parada surgiu a partir da necessidade de se criar um ideal de representação política para a comunidade LGBT na esfera social. Em 1999, a ata de fundação da Associação do Orgulho GLBT (APOGLBT), ONG que organiza a Parada, foi o primeiro passo para o surgimento de outras instituições que lutassem por direitos iguais junto a órgãos governamentais e que debatessem a necessidade de se criar políticas públicas para coibir a violência, o preconceito e a discriminação contra a comunidade.
O trabalho da associação nas últimas duas foi de importância vital para a criação e consolidação de políticas voltadas para a comunidade LGBTQ. Segundo Claudia Regina Santos, atual diretora a associação que organiza o evento, é possível perceber uma grande mudança na maneira como a comunidade é vista pela sociedade. “Quando nós começamos 20 anos atrás não se falava sobre sexualidade, identidade de gênero e direitos LGBT. Apesar de todos os problemas que a gente ainda enfrenta, já caminhamos muito, principalmente no debate com a esfera social”.
Claudia ainda elucida alguns pontos muito importantes que foram conquistados pelo movimento LGBT nos últimos 20 anos graças à parada. “Com um número cada vez maior de pessoas participando do evento a cada ano, nós conseguimos ter mais força para pressionar o poder público, tanto na esfera municipal quanto na estadual, para que sejam criadas leis. Como a lei estadual 10.948/01, de 2001, que tornou ainda mais forte no Estado de São Paulo o combate à discriminação sexual e que coíbe qualquer tipo de diferenciação por gênero”.
A lei citada por Claudia foi criada a partir do projeto de lei nº 667/2000, do deputado Renato Simões (PT) e sancionada pelo então governador do estado Geraldo Alckmin (PSDB) e publicada no Diário Oficial do Estado em 05 de novembro de 2001. A lei tipifica penalidades a serem aplicadas em caso à prática de discriminação em razão de orientação sexual ou gênero. Em seus vinte anos de existência, a Parada de SP foi uma das principais agentes para o avanço dos direitos LGBTQ na cidade de São Paulo.
Em 2010, por meio de um decreto do então prefeito Gilberto Kassab (PMDB) todos os órgãos municipais passaram a reconhecer travestis, transsexuais e transgêneros por seus nomes sociais e não pelos nomes de batismo. Claudia considera o decreto um avanço, mas afirma que políticas mais incisivas são necessárias. “Acredito que qualquer legislação que venha respeitar o uso do nome social é algo essencial, mas essas iniciativas ocorrem por meio de decretos, o ideal seria que tivéssemos uma lei municipal que oferecesse uma garantia maior as pessoas trans”.
No ano de 2016 um novo decreto sancionado por Fernando Haddad (PT) expandiu o acesso da população trans ao nome social. A mudança retirou a necessidade de testemunhas para que pessoas trans analfabetas retirassem o nome social. Após a modificação é necessário que a pessoa apenas manifeste o desejo de receber tratamento de acordo com o gênero ao qual se identifica. Outra mudança significativa foi a proibição da publicação do nome civil de quem faz uso do nome social.
O REFLEXO EM BAURU
Realizada anualmente no último domingo do mês de agosto, a Parada do Orgulho LGBT de Bauru é um símbolo de avanço e representatividade no que tange os direitos da classe. O evento reúne anualmente cerca de 50 mil pessoas e é a segunda maior parada do estado de São Paulo, ficando atrás somente da capital. Sensível às necessidades das minorias e grupos vulneráveis, o município de Bauru, por intermédio da Lei Municipal n. 5.972/10, instituiu a “Semana de Combate ao Preconceito e a Discriminação”, solenizada anualmente na última semana do mês em agosto.
O evento faz parte da agenda oficial do município desde 2010 e recebe um grande investimento por parte do Governo Municipal. A organização da semana é responsabilidade das Secretarias Municipais do Bem-Estar Social, Cultura, Saúde e Educação em parceria com a Associação Bauru Pela Diversidade (ABD) e outras instituições, como a casa noturna Labirtinhus, referência na região em temática LGBT e pertencente ao ativista e vereador Markinho da Diversidade (PP).
Ao longo destes 10 anos, Bauru tornou-se uma cidade mais inclusiva e sensível às diferenças. O surgimento da ABD promoveu uma verdadeira revolução cultural na cidade, que antes contava com militantes esparsos, mas não menos importantes, em prol da causa LBGT. “A Parada da Diversidade, diferentemente do que algumas pessoas pensam, não está adstrita à participação de pessoa Lgbt, mas unifica minorias e grupos vulneráveis, pessoas que por alguma razão sofrem discriminação e preconceito, a exemplo de mulheres, negros, pessoas com deficiência”, defende Leandro Douglas Lopes, advogado e presidente do CADS – Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual.
Dentre as conquistas dos últimos anos, Leandro salienta: “O Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, instituído por lei municipal, também foi uma grande conquista. Por intermédio do Conselho, requerer-se prestações do município, no sentido de implementar políticas públicas”.
Outras conquistas para a cidade são explanadas pelo advogado. “No carnaval, Bauru é uma das poucas cidades que possui uma Rainha da Diversidade. Em um processo de naturalização da Diversidade, a aproximação de LGBT do público cisgenero é método eficaz de combate ao preconceito. A lei municipal n. 6525/14 confere direito ao tratamento nominal pelo nome social as pessoas travestis e transexuais”. E continua: “no Plano Municipal de Educação, Bauru é uma das poucas cidades que constam questões de gênero e orientação sexual.
Trata-se de uma importante conquista, no sentido de ensinar aos jovens sobre questões de igualdade”. Além do mais, muito em breve, Bauru deverá ser a primeira cidade do Brasil a emitir carteira de nome social às pessoas travestis transexuais. A parada LGBT de Bauru começa sempre as 13h com uma concentração na Praça da Paz e segue rumo ao Parque Vitória Régia, onde costuma encerrar por volta das 21h com um show gratuito e aberto. Várias atrações famosas já passaram pelo palco, como Wanessa Camargo, Banda Uó e Gaby Amarantos.