Como as novas tecnologias estão influenciando nas relações sociais?
Por Mariana Amud, Adriana Kimura e Michael Barbosa
Há alguns dias, logo após o almoço de Natal, conversava com o meu avô que buscava em sua memória lembranças de quando era mais jovem, ainda solteiro, de como era São Paulo em um passado até que recente, mas bastante difícil de imaginar vendo a cidade como está hoje. No meio das lembranças veio a crítica: “antigamente a gente saía, ficava na rua, encontrava com as pessoas, conversava. Hoje em dia só se fica em casa, vendo televisão, no computador e no celular, ninguém conversa mais”.
Enquanto conversava com o meu avô também conversava com um amigo, via rede social. Conversava com ele sobre a conversa que estava tendo com o meu avô e falei até sobre a “crítica” feita por ele. Meu amigo rebateu: “mas a gente conversa, só que por outros meios”. Pra mim, estar falando com os dois ao mesmo tempo, uma conversa presencial e outra virtual, é algo simples e cotidiano, para o meu amigo também. Para o meu avô a conversa tem que ser presencial, olho no olho, com o aperto de mão no começo e no fim do encontro. Mas por que a ideia de conversar e de estar presente é tão diferente (e mudou tanto) nos últimos anos? Por que se diz que a tecnologia está provocando o isolamento social?
O sociólogo, Zygmunt Bauman, em sua obra Amor líquido (1997), analisa as relações nos tempos modernos e como as pessoas estão mantendo laços cada vez menos duradouros. Segundo Bauman, grande parte das relações são mantidas virtualmente e isso aumenta o sentimento de solidão. Esse conceito é definido como “modernidade líquida”, onde os fatos não são feitos para serem duradouros. Seguindo esse conceito é possível estabelecer a relação entre a quantidade e disponibilidade de meios virtuais para estabelecermos contato, a grande oportunidade de conhecermos e criarmos laços, com a real forma que fazemos isso (ou não fazemos). Ou seja, estamos conectados, conversamos e criamos vínculos, mas não estabelecemos compromisso e profundidade nas relações. Isso tudo seguindo o pensamento de Bauman.
Buscando mais sobre o tema encontrei esse texto, onde o autor, Héctor L. Carral, diz para pararem de culpar a internet e os dispositivos eletrônicos pelo isolamento social trazendo argumentos que me fizeram pensar sobre o assunto. O primeiro deles é de que as pessoas buscam se relacionar com outras pessoas que lhe são interessantes, estejam elas presentes fisicamente ou virtualmente. Segundo ele, por que nós temos que nos forçar a interagir com alguém que está fisicamente presente, mas que não é interessante, enquanto existe alguém interessante para conversar ali através da tela do smartphone?
Um bom exemplo usado por Hector é do comportamento das pessoas em transportes públicos. Hoje em dia é comum ver grande parte das pessoas olhando para as telas de seus smartphones e demais eletrônicos durante suas viagens de ônibus ou metrô, e tem quem ache isso absurdo, usando o argumento de que as pessoas deviam interagir entre elas e não fixadas por aquela luz do eletrônico. Mas vamos ver em um passado não muito distante onde os smartphones eram os jornais ou os livros, as pessoas interagiam no transporte público? Então não é muita ilusão pensar que é a tecnologia é a culpada pelo isolamento social?
De quem é a culpa?
Estudos feitos desde a década de 1980 abordam a relação entre o isolamento social e o aumento do uso de tecnologias. Essa pesquisa, feita em 2009, estuda conexão da população norte-americana, o aumento de seu isolamento social com as novas tecnologias. A partir do estudo os pesquisadores Keith Hampton, Lauren Sessions Goulet, Eun Ja Her e Lee Raine, constataram que o isolamento social dos norte-americanos nos dias atuais não é muito diferente do que era há 30 anos (apenas um pouco maior). As pessoas ainda não tem com quem discutir questões importantes e também não têm quem seja especialmente significante em suas vidas. No geral, definiram que o resultado da pesquisa mostra que a vida das pessoas é suscetível à influência das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e que não existe um medo de que essas tecnologias possam causar. No Brasil, 90,8% dos internautas acessam as redes sociais e gastam 4,9 horas mensais nesses sites, segundo pesquisa divulgada pela agência comScore.
Enquanto vemos as TIC como vilãs das relações sociais, Hernán Latelier, ator e diretor chileno, de 95 anos, não conhecia e muito menos sabia fazer uso das redes sociais até o fim de 2015. O astro chileno de meados da década de XX, hoje não é mais lembrado pelas novas gerações e vive, na maior parte do tempo, isolado em sua casa. Sem família e também sem grande parte de seus amigos, todos já falecidos, o ator e diretor passa horas e horas de seu dia lendo e recitando poesias, exercitando sua lucidez.
A partir de uma amiga, Latelier entendeu o funcionamento das redes sociais e abriu uma conta no Twitter e em seu primeiro tweet escreveu: “Será comum um homem de 95 anos abrir uma conta no Twitter? Tenho vontade de me conectar com o mundo. Martina, minha gata, está feliz e me aconselha”. Por meio da rede, Latelier disse se sentir vivo, “estar no mundo é estar vivo, e o que é vivo, conversa”.
Diferente de Latelier, meu avô ainda não conhece as redes sociais, ele não tem um computador e nem saberia como ligá-lo também. A tecnologia mais avançada para ele é o telefone, nem o celular dá pra entender muito bem. Assim como os amigos de Latelier, a maioria dos amigos de meu avô também já faleceu e lhe resta contar suas memórias aos familiares que se interessam por suas histórias. Talvez, assim como foi para Latelier, meu avô devesse conhecer mais sobre as tecnologias para perceber que, da mesma forma como as pessoas se relacionam e conversam pessoalmente, também é possível conversar e criar laços virtualmente.
Nas redes, Latelier encontrou pessoas interessadas no que tinha para falar, na forma como queria se comunicar. Héctor Carral mencionou em seu texto que faz mais sentido interagir com quem você tem interesse e se interessa pelo que tem para falar, mesmo que essa pessoa não esteja presente fisicamente, do que ter, por obrigação, que se relacionar com alguém só porque vocês estão ocupando o mesmo espaço físico. Pensando então sobre essas duas experiências, faz sentido pensar que a causa do isolamento social é a falta de interesse das pessoas pelas histórias e vidas umas das outras.