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Saiba o que é a moda agênero e como ela vem colaborando para a desconstrução de estereótipos na sociedade

Por Bárbara Christan e Ingrid Woigt

Em 1950, o arquiteto Flávio de Carvalho (1899-1973), provocou estranhamento quando saiu pelas ruas do centro de São Paulo, em uma procissão de Corpus Christi, vestindo saia durante uma intervenção cujo propósito era o de estudar a psicologia das multidões. Quase foi linchado por isso. Mais de 60 anos depois, através de discussões acerca do caráter determinante atrelado ao conceito de gênero, a separação das roupas entre femininas e masculinas passou a ser questionada e as coleções sem gênero (ou genderless) passam a ganhar espaço na indústria da moda.

A loja C&A lançou no ano passado a campanha “Tudo Lindo e Misturado” com o objetivo de tirar as roupas agênero das grandes passarelas de grife e levá-las às mãos da população em geral. No entanto, os impactos não foram como previstos: a ação da marca foi alvo de críticas. Como fala Patrícia Pontalti, consultora de moda e colunista da Revista Donna, “apesar de inteligente no marketing, a campanha foi ‘mentirosa’ em relação ao produto, vi roupas minimalistas que poderiam vestir homens e mulheres, mas não vi nada mais audaz que realmente soe como genderless”.

Além de pelos profissionais da moda, a coleção também não foi bem recebida pelo público consumidor, o que se justifica pelo fato de grande parte da população brasileira ser conservadora e resistir à ideia de homens e mulheres não deixarem evidenciado o seu gênero ao se expressarem. A campanha publicitária da C&A não tinha a pretensão de ser uma discussão engajadora e aprofundada acerca da problematização do conceito de gênero, mas através da análise de seus resultados, entende-se a necessidade de falar – e incentivar que se fale – sobre o assunto.

Masculino versus feminino?

Jacqueline Pitanguy, pesquisadora e palestrante sobre os temas de sexualidade e gênero, define este último como uma construção sociocultural, que atribui a homem e mulher papéis diferentes dentro da sociedade, e eles variam de acordo com os costumes de cada localidade, da experiência cotidiana das pessoas e com a maneira como se organiza a vida familiar e política dentro de cada contexto. “Os brinquedos infantis, por exemplo, seriam mais expressivos das diferenças de sexo do que os próprios instintos naturais”, ela explica, uma vez que o gênero é uma convenção.

Enquanto o sexo no conceito biológico diz respeito à anatomia, no conceito de gênero refere-se ao desenvolvimento das noções de masculino e feminino como construção social. Embora a definição do que é ser “homem” ou “mulher” tenha surgido a partir de uma divisão biológica, é observado na experiência humana que um indivíduo pode ter outras identidades que refletem diferentes representações de gênero (como os transexuais e transgêneros) e que não se encaixam nas categorias padrões.

Uma pesquisa da Universidade Estadual de Maringá consistiu em fazer perguntas específicas a crianças de diferentes idades para apreender suas concepções de gênero. “Uma menina brinca de carrinho e futebol e é chamada de ‘machona’. É correto?”, Valdir, de 6 anos respondeu que “não, porque ‘muié’ também joga bola”. Enquanto isso, a resposta de Rogério, 10, foi que “meninas têm outros brinquedos, brinquedos de menina”. Este e outros exemplos presentes no relatório funcionam como corroboração da tese de que as noções de gênero são padrões de comportamento absorvidos culturalmente, aprendidos.

Como o encaixe em definições tradicionais começa logo na infância, para muitos especialistas, uma pré-escola na Suécia, a Egalia, adotou um sistema chamado de “educação neutra de gênero”. Não se usam os termos “ele ou ela” ou “meninos” ou “meninas” para se referir aos alunos, chamados de “amiguinhos”. Brinquedos de cozinha, como panelinhas e outros, mais relacionados às meninas, estão lado a lado aos brinquedos de montar, mais ligados aos meninos. O objetivo é fazer com que as crianças cresçam livres de imposições e sem barreiras para fazerem suas escolhas.

O método, claro, divide opiniões. E se ele fosse aplicado à moda, que é a ferramenta mais forte para a expressão do gênero? Renata Mesquita, assessora de imprensa, 35 anos, é mãe de Cora, 4, e diz prezar por ambos os brinquedos, tanto “de menino” quanto “de menina”, na criação da filha, e relata sempre preferir vesti-la com roupas pouco estereotipadas. “O problema de educar dando ênfase nas divisões de gênero é que não sabemos realmente qual o gênero de nossos filhos até que eles mesmos nos digam. Cerca de 1% das crianças são transgêneros ou não se encaixam nas classificações tradicionais de menino ou menina”, fala.

A partir dessa desconstrução da aparelhagem ideológica que sustenta a divisão binária do gênero, as marcas de roupas começaram, cada vez mais, a pensar em uma moda que contemplasse a comunidade que reconhece que vestimentas podem ser usadas por qualquer pessoa e não precisam designar um papel social.

Gênero e moda

A definição de gênero masculino e feminino sempre pautou o comportamento e vestimenta de homens e mulheres. A moda, nada mais é, que um jeito de comunicar-se com o outro, de expressar sua personalidade e gosto. Ela reflete costumes, ideologias, posicionamentos, e sempre ditou o que cada pessoa deve usar de acordo com seu gênero.

No entanto, em 1883, nasce Gabrielle Bonheur Chanel, uma das estilistas mais renomadas da história da moda. Desde que aprendeu a cavalgar, quando já estava envolvida com a moda, Coco sempre achou desconfortável montar a cavalo usando vestido. Então, na década de 1920, teve a ideia de incorporar a calça ao guarda-roupa feminino. E a peça fez sucesso, tanto que até hoje, é um dos itens essenciais para as mulheres.

Longe de ser o começo da moda agênero, propor que mulheres também usassem calça foi um ato revolucionário por Chanel, e causou rebuliço na sociedade da época. Yves Saint-Laurent fez o mesmo: adaptou o smoking ao vestuário feminino em 1966. Só que o contrário não se viu: a adaptação de roupas consideradas “femininas” ao vestuário dos homens ainda é uma grande barreira.

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Coleções de roupas agênero vêm se popularizando no meio fashion. Foto: Daniel Mattar

Vinicius Couto, stylist, questiona por que as mulheres sempre puderam usar roupas masculinas, mas o inverso sempre é rechaçado. “A saia é um símbolo feminino. E dentro de um contexto machista, o homem de saia é uma atitude bem desconstrutiva”.

Além disso, a moda, para mulher, sempre teve mais força e significado que para a maioria dos homens. Tanto é que homens que trabalham no meio fashion sofrem preconceito e julgamentos – quem nunca ouviu dizer que homem que gosta de moda é gay?, como se a profissão fosse ligada com a sexualidade.

A moda genderless sugere que não mais se dividam roupas em seções. Uma roupa é uma roupa. Mas além disso, ela se atenta ao fato de que a mesma calça deve ter modelagens adequadas para tipos de corpos diferentes: um homem e uma mulher tem que ter a possibilidade de comprar a mesma peça e ela ficar legal nos dois. O desafio de se fazer uma moda sem gêneros é se desprender da ideia, inerente em nós, que as coisas tem que ser dividas e categorizadas. É um unissex que tem que valer para todas as peças de roupa, não só para um relógio ou um tênis.

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Foto: Rogério S

Mídia e o genderless

Falar de moda agênero, ou plurissex, é discutir sobre a quebra de estereótipos de gêneros, acabar com a ditadura do rosa para meninas e azul para meninos. No dia 16 de janeiro, o Encontro com Fátima Bernardes falou sobre a tendência, levando homens maquiados e de saias ao programa. O assunto foi tão comentado nas redes sociais que atingiu o trending topics no Twitter. Luiza Brasil, pesquisadora de moda, definiu que a moda plurissex promove mais que aceitação, “é a flexibilidade de usar a roupa sem distinção do sexo, masculino ou feminino”.

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O programa discutiu o uso de saia e maquiagem por homens. Foto: Divulgação/Rede Globo

Apresentar o tema em uma emissora de rede pública de televisão representa um grande avanço, pois a reflexão chega nas mais variadas camadas da sociedade brasileira.

Agora, para quem está na Internet, já existem produtos que tratam da moda sem gênero. É o caso de Caio Braz, apresentador e modelo propaganda da C&A, que lançou um vídeo falando sobre a questão de roupas e gênero.

Mais que incentivar seções de roupas agênero, é necessário criar peças que as pessoas realmente tenham vontade de usar – não só aquele look básico, cinza. Afinal, homem também pode usar estampas, flores, laços e roupas extravagantes, assim como mulheres também devem optar por aquilo que as deixam mais confortáveis.

Adesão

A tendência vem se espalhando por diversas grifes nacionais e internacionais. O mundo fashion vem se mobilizando pela desconstrução de estereótipos de gênero e da ideia de ligar o vestuário à sexualidade.

Fora do Brasil, marcas como ED, da apresentadora estadunidense Ellen DeGeneres já vem fazendo sucesso com peças sem gênero. Selfridges, multimarca britânica, lançou em 2015 a coleção AGENDER.

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Ellen DeGeneres é apresentadora de TV e também dona da marca ED. Foto: Divulgação

A marca carioca HEX, fundada por Rafael Ferrero, ator e estilista, junto com o irmão Rodrigo Ferreira, administrador, trouxe mudanças ao cenário brasileiro, e contou com o apoio de Aguinaldo Silva, autor de novelas e embaixador da grife.

Joana Couto, modelo estrela o catálogo da marca, juntamente com Miguel Lourenço. Para romper com definições limitantes de gênero, as criações de Rafael levam nomes gregos, como “quíplos”, “togas” ou “pictogas” – dependendo da modelagem – em vez de vestido.

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Joana Couto é modelo e transgênero da grife HEX. Foto: Divulgação

Moda é comunicação

Como dito anteriormente, a moda expressa sentimentos e ideologias. Para Dudu Bertholini, estilista, “é o espelho antropológico do mundo, que reflete todas as nossas vontades. É a primeira ferramenta usada para transgredir o gênero”.

No primeiro vídeo da série “Vestir-se, um ato de comunicação”, Julia Travieso, jornalista e criadora do Filtra Cor Comunicação, explica como a moda também é um canal de comunicação para as pessoas.

Quando uma pessoa não-binária, ou seja, que não se identifica com o gênero masculino ou feminino, ou andrógina, que apresenta tanto características de um quanto de outro, decide refletir sua identidade de gênero através da moda, ela transmite uma mensagem importantíssima sobre a fluidez da orientação sexual, e também de gênero. Essa pessoa dá voz a muitas outras que não se manifestaram da mesma forma e foram oprimidas por serem quem são.

Cada vez mais vê-se necessário a mudança de padrões normativos na sociedade. Comunicar-se com moda também é um ato político, e quando grandes e influentes marcas começam a investir nisso, o resultado pode vir mais rápido. E reconhecer que a moda não precisa perpetuar essa ideia de gênero e que as pessoas podem se vestir como quiserem é um passo muito importante.

Entretanto, é importante considerar que ainda há muito mais a ser feito. Por exemplo, não é efetivo lançar uma linha de roupas “agênero” e continuar separando peças em seções diferenciadas para homens e para mulheres, a não ser que isso seja relacionado a questões anatômicas. Assim como considerar que roupas sem gênero não significam roupas cinzas e sem corte. Saias, blusinhas, roupas curtas, justas, camisetões, calças: todas essas roupas não têm gênero. A proposta é enxergar que todas estas são roupas e apenas roupas e todas as pessoas podem vesti-las. A moda agênero nada mais é do que afirmar que as roupas são para todos e não existe “roupa de homem” e “roupa de mulher”.

 

Redação

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