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Dos Tabloides às Livrarias: H. P. Lovecraft

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Mestre da ficção de horror e mistério, populando as noites com o som de asas no limiar do horizonte e línguas estranhas em tons fugidios nos becos e antros de subversão. Howard Philips Lovecraft, tema de controvérsia por sua postura muitas vezes abertamente racista, é ainda hoje invicto em sua exploração da atualmente chamada literatura Cósmica, e seu domínio sob às artes decadentes e literatura clássica.

Seu estilo de escrita complexo mistura elementos científicos, místicos e esotéricos, na descrição do indescritível. Apesar de desde sua criação até os dias atuais muito de seus trabalhos serem dedicados a uma minoria ou a nichos, as referências contemporâneas às suas obras, contudo, são tão numerosas que dificilmente se conseguiria elencar todas em um único artigo, desde músicas, filmes, séries, video-games, etc. No entanto, pouco reconhecido é o seu trabalho como jornalista amador, que apesar de pouco remanescente nos dias atuais, foi essencial para que muito de seu trabalho resistisse ao teste do tempo.

Imagem: “H.P.L. as Eighteenth-Century Gentleman” – Virgil Finlay

Nascido em 20 de agosto de 1890, em Providence, cidade portuária no nordeste dos Estados Unidos, filho único em uma família de boa condição financeira, teria uma infância conturbada com a morte do pai, Winfield S. Lovecraft, em 1893, no Butler Hospital, hospital de doenças psiquiátricas e abuso de substâncias, sob condições que ainda hoje permanecem nebulosas. Lovecraft acabou se tornando a possessão mais valiosa da vida de sua mãe Sarah S. Phillips, como descrito pelos conhecidos de sua época, levando o jovem Lovecraft para viver com seus tios e avós maternos.

Apesar de ainda hoje se elencarem diversas possíveis fontes de inspiração para sua literatura revolucionária, um dos grandes pontos de encontro do autor com o horror ainda quando criança, são as histórias contadas por seu avô Whipple Van B. Philips, que desde a infância do pequeno Lovecraft já alimentava seu amor pela literatura. Mais tarde, o autor comenta que seu avô havia se tornado o centro de seu universo, já aos três anos de idade é dito que o jovem Lovecraft mantinha correspondência com seu avô em suas viagens a negócios.

Foi durante o tempo com seu avô que o autor foi introduzido aos clássicos escritores da literatura Gótica, como Ann Radcliffe e Matthew Lewis. Um dos contos mais marcantes de sua infância foi o “A Balada do Velho Marinheiro” de Samuel T. Coleridge, ilustrada pelo exímio Gustave Doré, que de acordo com Lovecraft seria a fonte de grande parte dos intermitentes pesadelos que tomaram conta de suas noites quando criança após a morte de sua avó em 1896. Assim como “Mil e Uma Noites” e a “Odisseia” de Homero, este último, foi tão impactante em sua vida que passou então a ver as entidades romanas como a verdadeira representação da divindade, deixando de lado as filosofias cristãs nas quais foi ensinado a seguir desde seu nascimento. Ele recorda ainda que aos 5 anos de idade ao ser apresentado com o fato da inexistência do papai Noel, questionou a mãe dizendo “Deus não é igualmente um mito?”.

Já aos 7 anos, Lovecraft começou a escrever poemas interpretando a “Odisseia” e diversos mitos greco-romanos. Gradativamente seus interesses pelas ciências, em especial a Astronomia e a Química foram aumentando, em 1902, começou a publicar através do método de Hectografia um jornal intitulado “Rhode Island Journal of Astronomy”, do qual não existem registros sobreviventes.

Com a virada do século os negócios do avô deixaram de trazer lucro, e sua família entrou em uma crise financeira que levou ao derradeiro fim dos negócios em 1904, pouco depois seu avô sofreu um AVC que acabou levando à sua morte. A tragédia, Lovecraft contaria mais tarde através de cartas, chegou a levar o adolescente a considerar o suicídio, período superado apenas por seu incipiente desejo de exploração do desconhecido. Após um breve afastamento do ensino médio devido a ataques súbitos, ainda no mesmo ano voltou a publicar seu jornal experimental sobre astronomia, assim como uma nova publicação chamada “Scientific Gazette” tratando especificamente de química. Ainda aos 14 anos, o jovem autor veio a publicar seus primeiros contos de ficção “The Beast in The Cave”, mais tarde publicado pela revista The Vagrant. A história de um turista explorando cavernas de extintos mamutes, que ao adentrar uma delas, escuta um som sinistro vindo das trevas, assumindo se tratar de algum predador local, atira uma pedra em direção ao som, apenas para descobrir ao analisar o corpo de que se tratava de um ser humano, há muito perdido dentro das profundezas, deformado por seu tempo rodando em esmo na escuridão.

Imagem: Manuscrito de “The Beast in The Cave” (1905)

Aos 18 anos, Lovecraft também escreveria o conto “The Alchemist”, publicado em 1916 pela United Amateur, narrando o curso de uma maldição que condena os membros de uma família aristocrata a morrer aos 32 anos de idade por gerações sem fim, e mais tarde a causa da maldição se revela ser o próprio alquimista que a causou, descoberto ainda vivo devido ao elixir da vida, escondido no castelo da família.

Já antes mesmo de sua maioridade, seus contos demonstrariam a paixão pela literatura Weird, da qual mais tarde se tornaria um ávido defensor, assim como seu rebuscado estilo de escrita, característico do inglês britânico

Apesar de gostar da vida acadêmica, Lovecraft nunca terminou o ensino médio devido a ataques e tiques nervosos, que o autor mais tarde explica acompanhavam crises de enxaquecas, insônia e fraqueza constante que impossibilitava que mantivesse sua atenção fixa por muito tempo. Harry Brobst, professor de Psicologia, lendo a descrição dos sintomas do autor, diagnosticou sua doença como um caso de depressão atípica, somada a uma desordem neurológica informalmente conhecida como a dança de São Vitus, apesar de extremamente rara em adolescentes, em crianças causa movimentos involuntários. O autor nunca se aventurou em um ensino superior, se tornando autodidata grande parte de sua vida, passando boa parte de seu tempo afastado da sociedade, e até mesmo isolado da luz do dia, como descrevia a confidentes devido a sua sensibilidade ao brilho ofuscante.

Apesar da crise financeira pela qual passavam, sua mãe alimentava sua paixão pelas ciências, o suprindo com equipamentos para exploração de sua fascinação pela bioquímica, reduzida apenas pelo envolvimento de complexas equações matemáticas, lhe causando enxaquecas irredutíveis pelo resto do dia.

No ano de 1911, Lovecraft teve várias de suas cartas publicadas, endereçadas a editores de revistas de ficção weird e Pulp, em especial a primeira grande revista Pulp dos Estados Unidos a The Argosy, almejada por boa parte dos escritores de seu tempo, e ativa até os dias atuais. No ano seguinte, teve um de seus artigos mais emblemáticos publicados em um jornal local, do qual não se tem qualquer registro. Assim como suas cartas, e algumas poesias, seu posicionamento racista é o ponto central de sua narrativa: “Providence 2000 A.D.”, descreve os Estados Unidos tomado por uma onda de imigrantes portugueses, judeus, italianos e irlandeses no novo milênio.

Suas cartas causavam debates árduos entre os leitores e autores da revista, chamando a atenção de Edward F. Dass, então editor chefe da organização intitulada United Amateur Press Association (UAPA), que acabou convidando Lovecraft a se juntar a sua associação em 1914.

Imagem: Revista “The Argosy” (1915)

Argumentando que o jornalismo amador era superior ao que chamava de jornalismo comercial, sua posição na UAPA se manteve firme nos anos seguintes, onde ele defendia o uso do inglês arcaico, e criticava outros membros pelo uso do que chamava de gírias de imigrantes norte-americanos. Inclusive escrevendo sobre a condição política norte-americana criticando a postura dos Estados Unidos durante a 1ª grande guerra, argumentando que os americanos deveriam se unir em defesa de seus fundadores na Europa.

Em seu tempo UAPA, na qual foi eleito presidente em 1917, veio a escrever seu primeiro conto tratando dos horrores inomináveis escondidos a milênios sob a superfície do oceano em seu conto “Dagon”, a história de um marinheiro à deriva, que se depara com um monólito onde no topo reside a estátua de um ser aparente venerado por figuras semi-humanas misturadas a corpos de peixes. Inspirado de acordo com o autor em um de seus pesadelos, assim como o mito sumério do deus da fertilidade, o conto é o precursor do que mais tarde seria reconhecido como o universo do Mythos de Cthulhu.

No mesmo ano, ainda tenta se alistar ao exército buscando participar dos conflitos da 1ª Guerra Mundial, e apesar de passar nos exames físicos, não foi em frente com sua candidatura sob ameaça de sua mãe de tomar qualquer medida possível para que fosse rejeitado do serviço. No ano de 1919, Sarah Phillips acabou sendo internada no mesmo hospital psiquiátrico que seu pai, não há registros de sua entrada devido a um fogo nos arquivos da instituição, no entanto, em entrevista dada nos anos 40 sua vizinha e amiga Clara Hess, alega que a mãe do autor descrevia criaturas estranhas e fantásticas correndo detrás de prédios e cantos escuros.

Se tornando mais público após um período de isolamento causado pela internação de sua mãe, Lovecraft viajou a Boston indo a um encontro de autores onde assistiu à uma palestra ministrada por seu então ídolo, Lord Dunsany, outro dos grandes mestres da escrita de horror do séc. XX, servindo de inspiração a muitos outros autores como J. R. R. Tolkien, com seu próprio universo fictício. Com Lovecraft fica clara a sua influência através do livro “A Dreamer’s Tales” (1910), que levaria o autor a escrever quatro contos bem reconhecidos que mais tarde foram intitulados com a “Dreamland Series”.
Contando com “The White Ship”, onde Basil Elton, o vigia de um farol, passa a fantasiar a ideia de um navio branco que surge apenas as luas cheias, até que um dia decide se juntar a seu capitão, viajando por ilhas de beleza e estranheza incompatíveis com as encontradas no planeta Terra. Assim como o famoso “The Doom That Overcame Sarnath”, que conta de um antigo reino povoado por homens que convivem ao lado de criaturas estranhas que mais tarde passam a odiar, descobrindo a fragilidade de seus corpos, exterminam toda sua civilização, poupando apenas um ídolo de pedra verde que trazem de volta a seu reino como um símbolo de sua vitória, a qual comemoram uma vez por ano. Até que em uma de suas comemorações um estranho brilho surge do lago onde depositaram os cadáveres da antiga civilização, no dia seguinte nenhum rastro do populoso reino é encontrado, apenas um pequeno ídolo de pedra verde.

Em 1920, Lovecraf continuou a série através dos contos “The Cats of Ulthar”, que conta a história de uma vila onde um casal de idosos tem o curioso hábito de matar os gatos que por ventura adentrem em sua cabana, até que a caravana de um povo de pele escura chega a cidade acompanhados por um garoto cuja única possessão e fonte de felicidade é um pequeno gatinho preto, ao descobrir o desaparecimento do mesmo, faz uma prece ao Sol, e no dia seguinte todos os gatos da cidade desaparecem, retornando mais tarde com as barrigas cheias, os moradores descobrem depois que o casal havia igualmente desaparecido sem deixar quaisquer rastros; a história é uma das poucas em que o autor faz menção a mitologia egípcia.

Assim como o aclamado “Celephaïs”, a história de um homem que em raros sonhos, se torna um ser alado chamado Kuranes, e visitava um grande reino de beleza inigualável com grandes muros de mármore ao lado de um oceano cintilante, seus sonhos, porém, são continuamente interrompidos, em contramedida o mesmo passa a se drogar constantemente buscando aumentar seu período de sono, até que sem mais dinheiro para as drogas, se dirige a uma ponte e finalmente faz uma viagem final ao mundo dos sonhos durante o dia, encontrando com uma comitiva de cavaleiros do reino que o informam que ele era o criador de todo o lugar e, portanto seu deus.

Mais tarde no mesmo ano escreveu os contos já ambientados no universo de Cthulhu, o conto intitulado “Nyarlathotep”, baseado em um sonho, que descreve um sentimento de tensão que tomou conta de toda a humanidade após o surgimento de um homem de pele escura vindo do Egito, de aparência semelhante à dos antigos faraós, esse homem passou então a viajar pelo trazendo consigo pesadelos que faziam com que as pessoas acordassem gritando a noite, incitando a população que o encontrava em um transe encaminhando a civilização humana há um abismo de escuridão impenetrável ao qual todos sabiam estar destinados. Assim como o conto “Crawling Chaos”, escrito a partir do sonho de Winifred V. Jackson, que descreve um caso de abuso de ópio, em que o protagonista conta um sonho em que é atraído por uma criança similar a um anjo que lhe anuncia a chegada do fim, o aconselhando a segui-la o que ele faz flutuando em direção aos céus, ao olhar para baixo, no entanto, testemunha a destruição da Terra por ondas que tomam conta de todo o planeta.

Imagem: Revista “Weird Tales” (1952)

Já no início de 1921, o autor trouxe à luz o intrigante “The Nameless City”, a história de um explorador na península Arabe, que para combater a insônia, encontra sai sozinho pelos desertos durante a noite se deparando quase por acidente em uma ruína que leva a um complexo que vagarosamente se mostra uma cidade antes completamente encoberta pelas areias, adentrando as ruínas encontra um templo com teto curiosamente baixo demais para seres humanos, entrando por um pequeno buraco atrás do altar, descobre múmias aparentemente enfeitadas na forma de seres misturados com peixes, crocodilos e outros animais, seguindo uma corrente de ar intermitente acaba se deparando com um abismo, escutando sons inumanos retorna em uma corrida frenética perseguido pelos sons assim como a cada vez mais forte corrente de ar. O texto é o primeiro a mencionar o escritor do meta-livro “Necronomicon”, o árabe louco Abdul Alhazred com uma das frases de seu livro: “That is not dead which can eternal lie; And with strange aeons even death may die.”.

No mesmo ano ocorreria a morte de sua mãe durante uma cirurgia no Butler Hospital, apesar de expressar um estado de profunda tristeza, não muito após o fato uma sensação de alívio tomou conta do autor acompanhada inclusive de uma melhora geral em sua saúde. Indo às convenções de jornalismo encontrou a mulher que seria sua esposa Sonia Greene, apesar da reprovação de sua tia, seu casamento ocorreu no ano de 1924, logo com seu apoio financeiro acabaram se mudando para o apartamento de sua esposa no Brooklin na justificativa de que o autor tinha de deixar a pequena cidade de Providence para obter algum sucesso.

Através de um pequeno grupo de autores e poetas informalmente conhecido como o Kalem Club, Lovecraft teve contato pela primeira vez com a revista que levaria grande parte de seu trabalho ao grande público, a ainda ativa Weird Tales, através do editor Edwin Baird, que publicou todos os contos já escritos pelo autor até então. Inclusive um conto chamado “Imprisoned with the Pharaohs” do qual Lovecraft foi o ghostwriter para Harry Houdini, que fascinado pela escrita do autor, e muito provavelmente por sua capacidade de imaginar os seres antigos escondidos na profundeza de locais como o Egito, assim como seu poder de misturar elementos reais de ocultismo e mitologia em suas tramas, trocavam correspondências frequentemente.

Imagem: Revista “Weird Tales” (1924)

No início de 1925, Lovecraft e sua esposa se mudaram para um complexo de apartamentos em Red Hook no Brooklyn, local que o incomodava, e devido a problemas financeiros com os negócios de sua esposa, o autor tentou se tornar o provedor da família sem sucesso, apesar de ser oferecido um cargo de editor na Weird Tales, recusou rejeitando a ideia de ter de se mudar para Chicago. Para piorar sua situação, o então editor Baird deixou a revista, cedendo lugar a Farnsworth Wright, o qual havia criticado anteriormente, o editor se recusou a publicar muitos dos contos posteriores de Lovecraft. Devido a seu emprego, sua esposa era forçada a se mudar constantemente, deixando o autor com uma pequena ajuda financeira em Nova Iorque, onde um assalto em seu apartamento contribui para aumentar seu desgosto pela cidade mais tarde no mesmo ano, escreveu o conto “The Horror at Red Hook”, onde contrariando seu trabalho até então, esperando outra fonte de publicação, usa como protagonista um detetive irlandês, que desenvolve uma fobia a prédios após uma investigação sobre um culto envolvendo imigrantes de aparência perturbadora e gangues de criminosos locais, que se esconde nas profundezas de porões da cidade, mesmo após descobrir o covil desse culto e garantir que seria preenchido por concreto ainda teme o ressurgimento dos seres e da estátua, foco do culto.

Assim como “He”, uma história onde um narrador arrependido de ter se mudado para a cidade de Nova Iorque, se encontra com um homem de aparência perturbadora curiosamente vestido com roupas antiquadas do séc. XVIII, que lhe oferece mostrar os segredos da cidade, o levando através de diversos bairros até uma casa de aparência tão antiquada quanto à de seu dono, que o leva ao andar superior, lhe contando que a casa foi construída sobre um cemitério indígena, onde até pouco eles ainda visitavam para praticar ritos estranhos. O encaminhando a uma janela fechada por tapumes, lhe avisando que se prepare para o que estava prestes a testemunhar, ao abrir a janela a visão com que se depara é de uma Nova Iorque muito anterior a chegada dos colonizadores, ao repetir o movimento a visão muda para um tempo ainda mais antigo, onde seres inomináveis voam e rastejam pelo chão, até que outra visão sobre o futuro lhe apresenta uma cena onde tais monstros haviam dominado toda a cidade, até que após um grito do narrador, passam a escutar o som de línguas nativas se encaminhando pela escada com um intento assassino.

No ano seguinte, frustrado com sua experiência na grande metrópole retorna à Providence para viver com suas tias onde escreveu o famigerado conto “The Call of Cthulhu”, descrevendo o encontro da estátua de um ser estranho com aspectos de um polvo e grande asas de couro sob um corpo de dragão com grandes garras descansando sobre um pedestal, encontrada por um detetive em um culto de marinheiros acusados de sacrifícios humano, que após sua prisão contam de um ser que serviria de mensageiro para os deuses antigos e esperava o alinhamento das estrelas para acordar de seu sono de milhares de anos. A mesma imagem havia sido esculpida por um jovem artista a continentes de distância baseada em sonhos recorrentes, e acaba com a história de um marinho encontrado sozinho à deriva no oceano, o mesmo conta a história de encontrar em uma pequena ilha no sul do Oceano Pacífico, onde um templo de ângulos incompreensíveis à mente humana resguarda a grande besta.

Também escrevendo a história de “The Dream-Quest of Unknown Kadath”, a história de Randolph Carter por uma cidade contemplada em seus sonhos, através do contato com várias entidades, o protagonista viaja a terra dos sonhos onde se encontra com o governante da cidade de Celephaïs, Kuranes, que lhe aconselha a desistir de seus objetivos, ainda assim o protagonista continua sua busca, sendo levado às profundezas do universo do sonho enganado por Nyarlathotep, finalmente dando conta de sua condição se recorda que está sonhando e acorda; é considerado uma metáfora sobre seu retorno a Providence. Assim como o “The Case of Charles Dexter Ward”, passada em sua região em Rhode Island, onde um jovem de família proeminente, é internado em um hospício e interrogado por um médico da família que descobre que o jovem estava em busca dos restos mortais de um de seus ancestrais, revelado um alquimista e mais tarde um necromante, se descobre na antiga residência do mesmo em Providence, criaturas estranhas, assim como uma fórmula para a ressurreição dos mortos utilizada pelo jovem para trazer de volta o necromante, descobrindo que na realidade o jovem no hospício é o próprio necromante que matando seu salvador toma sua identidade com intento de cumprir uma conspiração feita com outros magos de seu tempo para viver por toda a eternidade, e assim dominar o mundo através do conhecimento de outros intelectuais do futuro.

E finalmente o aclamado conto “The Shadow over Innsmouth”, que detalha a viagem em primeira pessoa de um narrador pelo interior dos Estados Unidos, onde se depara com histórias controversas do povo estranho de uma pequena ilha com um vilarejo intitulado Innsmouth, onde os moradores reclusos vivem da pesca e de uma fábrica de processamento de ouro que aparentemente nunca funciona, chegando a ilha o narrador descobre que os moradores converteram as igrejas e templos maçônicos a um chamado culto a Dagon, se encontrado com um dos mais antigos moradores que em troca de uma então proibida garrafa de whisky, lhe conta a verdadeira história da cidade e de seu culto, impossibilitado de sair da cidade pelo mesmo ônibus pelo qual havia chego, sob uma escusa explicação de um problema no motor, é forçado a passar a noite no hotel local, durante a noite é atacado pelos moradores, fugindo através de uma corrida desesperada.

Apesar da necessidade de dinheiro de Lovecraft ambos os contos não foram sucessos durante seu tempo em vida, ainda em correspondência com o mestre ilusionista Houdini, estava preparado para oferecê-lo um emprego através de sua conexão com o líder de um sindicato de jornalistas, o que deixou de transcorrer com a morte do artista em 1926.

No ano de 1927, passou a publicar diversos artigos literários no fanzine The Recluse, editada por William P. Cook, onde detalha grande parte de sua inspiração e seu domínio sobre a arte da escrita, em publicação recente pela editora Darkside, foram recuperados dez desses artigos, que tratam desde da concepção do Horror na literatura, até a influência de mestres como Edgar A. Poe, e o surgimento da literatura Weird. Com algumas linhas como:

“Pode ser bom destacar aqui que é provável que aqueles que creem no oculto são ainda menos eficientes que os materialistas em delinear o espectral e o fantástico, já que, para eles, o mundo fantasma é realidade cotidiana tão cotidiana que costumam referir-se a ele com menos espanto, distanciamento e grandiosidade que aqueles que enxergam neste mundo uma violação absoluta e estupenda da ordem natural.” – H. P. Lovecraft

Em 1930, recebendo uma carta de elogios a seu trabalho na Weird Tales, do jovem escritor de ficção Pulp, Robert E. Howard, famoso por sua obra “Conan the Barbarian”, acabou se tornando grande amigo do autor, participando de seu círculo de autores com o qual se comunicava constantemente por correspondências.

Apesar do encorajamento de seu pequeno círculo de conceituado autores, Lovecraft continuando a escrever, seu trabalho que não lhe rendia qualquer forma de remuneração, e extremamente sensitivo às críticas a seu trabalho, chegava a se recusar a publicação muitos de seus trabalhos, à distância de sua esposa acabou levando ao seu divórcio em 1933.

Com a chegada da Grande Depressão nos Estados Unidos, sua posição política passou a incorporar os posicionamentos democratas socialistas, comum a grande parte dos autores de sua época. O que comprova o fato levantado por muitos dos defensores de seu trabalho, de que nos estágios mais avançados de sua vida, o autor foi gradualmente se desvencilhando de seus posicionamentos racistas, em prol de uma visão mais progressista.

No fim de 1936 viu seu conto “The Shadow over Innsmouth” publicado no formato de livro, porém incontáveis erros de edição e a venda de apenas metade dos exemplares o deixaram frustrado com a produção. Mais tarde no mesmo ano teve ainda dois contos publicados pela Astounding Stories, editada por Harry Bates, “In the Mountains of Madness”, uma de suas mais longas e envolventes histórias, contando de uma expedição ao Ártico que acaba levando a descoberta de fósseis de uma raça alienígena que dominava o planeta no tempo em que o continente ainda apresentava climas tropicais, residindo entre as montanhas na gigantesca cidade de Ib, abandonada aos milênios, após uma viagem de exploração à cidade os pesquisadores retornam a seu acampamento para descobrir toda a equipe expedicionária morta em uma chacina.

Assim como seu último conto conhecido “The Haunter of the Dark”, que conta a história de um jovem pintor e escritor interessado nas artes do ocultismo, Robert Blake, na cidade de Providence, que se torna obcecado com uma antiga igreja abandonada cuja torre era visível através de sua janela, seu destino todos os moradores se tornam reticentes ao comentar, sendo local de encontro de uma seita intitulada a Sabedoria Estelar, após muito tempo procurando pelo prédio que aparentava desaparecer entre o miasma do bairro. O escritor finalmente se depara com as ruínas, atraído a seu interior, atravessa seu limiar e em sua exploração encontra na torre visível de sua janela o corpo já esquelético de um jornalista há muito desaparecido, ao seu lado um pequeno papel de notas, detalhando uma investigação sobre a antiga seita, no centro do cômodo um pedestal com uma caixa fechada, dentro encontra uma pedra no formato de um poliedro, com o olhar atraído pelo objeto começa a ter visões de uma paisagem irreconhecível repleta de vultos.

Imagem: Revista “Astounding Stories” (1936)

As críticas e má recepção de seus últimos contos, em especial “In the Mountains of Madness”, assim como a deterioração de sua saúde física e mental, foram a gota final ao autor, que deixou de uma vez por todas de escrever ficção. Em 1936, a morte do seu então já próximo amigo Robert E. Howard através de suicídio após receber a notícia de que sua mãe não acordaria de um coma, escrevendo cartas de consolação a seu pai, e mais tarde um memorial que enviou para vários de seus correspondentes.

Seu medo de médicos levou a meses de sofrimento até o mês de fevereiro, quando forçado a encarar seus medos, foi diagnosticado com câncer de intestino, sendo hospitalizado até sua morte no mês seguinte, e enterrado com sua família. Suas correspondências são até os dias atuais objeto de estudo, sendo a segunda pessoa a escrever o maior volume de cartas do mundo, com mais de 100.000 exemplares, atrás apenas do filósofo Voltaire.

Após sua morte seu trabalho foi visto sob nova luz, alcançando nos dias atuais um status eternamente presente na mídia mainstream, tornando-se leitura essencial a qualquer autor que se arrisque no meio de terror e Weird. Reverenciado por grandes autores como Stephen King, Alan Moore, George R. R. Martin, Neil Gaiman assim como escritores do cinema como John Carpenter e Guillermo del Toro, sendo referência inclusive em obras que tratam de outros temas, mas ainda assim reconhecem o caráter de originalidade de seu universo. Recebendo diversos prêmios e homenagens literárias, como o Hugo Award, e mesmo uma praça dedicada à sua pessoa em Providence, assim como adaptações de seu metalivro o “Necronomicon” pelo mais conhecido ocultista do ocidente Aleister Crowley.

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Hugo Sousa de Oliveira

Estudante de Jornalismo pela UNESP, residente do município de Arealva. Participou como pesquisador de campo no projeto: Atlas da Notícia. Amante de jornalismo literário e do estudo da Etimologia. Fluente em Inglês, Espanhol intermediário.

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