Escreva para pesquisar

Governo Temer nomeia novo ministro e altera política das Relações Exteriores

Compartilhe

Novo chanceler prioriza as relações Norte-Sul e mostra desconhecimento diplomático  

Por Bheatriz D’Oliveira e Rafaela Nogueira

Com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o novo governo conduzido por Michel Temer adotou medidas para mudar a política internacional do país. Para isso, indicou o senador José Serra do PSDB como novo ministro das Relações Exteriores, o primeiro em muito tempo a chegar ao cargo tendo filiação partidária.

Empossado durante o governo interino, as características do mandato do novo chanceler não se mostraram provisórias. Desde que assumiu o cargo, em 12 de maio, José Serra trouxe mudanças significativas ao Ministério, em relação à diplomacia de Mauro Vieira, ministro anterior.

captura-de-tela-inteira-11102016-123354-bmp

Novo ministro das Relações Exteriores, José Serra adota postura de enfrentamento com os países vizinhos (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Em uma das suas primeiras ações, o novo chanceler entrou em desavença com cinco países vizinhos e dois organismos internacionais em relação ao impeachment. Publicou, em seu primeiro dia no órgão, notas oficiais, rejeitando as críticas que os governos de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua fizeram à ascensão de Michel Temer ao cargo de presidente interino. Logo após, o Brasil fez uma ameaça velada a El Salvador, lembrando o país da sua posição de maior beneficiário de cooperação técnica brasileira em toda a América Central e do dever de reconsiderar seu posicionamento acerca do impeachment. O ministro afirmou que as opiniões do colombiano Ernesto Samper, secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas, “são incompatíveis com as funções que exerce”. O secretário havia, anteriormente, criticado o impeachment de Dilma.

MERCOSUL

José Serra negou legitimidade à Venezuela para assumir a presidência do Mercosul junto aos governos da Argentina e Paraguai, e afirmou que o país não tem condições por não ter cumprido os requisitos previstos nas normas internas do bloco, entre elas a chamada cláusula democrática, isso porque o país vive sob regime autoritário e não respeita os direitos humanos. O ministro disse que faltaram pré-requisitos para a entrada da Venezuela no Mercosul. “O governo venezuelano entrou no Mercosul a partir de um golpe, porque para entrar é preciso que os outros membros concordem unanimemente e o Paraguai não concordava”, declarou Serra.

Para o chanceler, a Venezuela não vai assumir a presidência do bloco. “Agora estamos procurando uma fórmula de levar o Mercosul até dezembro e em janeiro assume o presidente [Maurício] Macri, da Argentina”, disse Serra. Esse “vácuo de poder”, no entanto, pode “travar” o bloco no período em que a presidência temporária permanecer vaga e prejudicar os países-membros, uma vez que o Mercosul visa promover o crescimento político e econômico da região. Isso porque o presidente detém o poder de decisão – desde convocar reuniões entre os membros até negociar acordos.

Em artigo publicado na revista Carta Capital, Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula, afirmou que “o Mercosul passa pela maior crise desde a sua criação, em 1991”. Amorim diz que privar a Venezuela da presidência do Mercosul em nada colabora para melhorar a situação do país vizinho, a menos que o objetivo seja de contribuir para um maior desequilíbrio.

Em outro episódio, o chanceler uruguaio, Rodolfo Novoa, acusou o Brasil de tentar “comprar o voto” do país, para que o Uruguai também fosse contra a Venezuela na sucessão da presidência. Novoa disse que Serra foi ao país para tentar mudar sua opinião sobre negociações comerciais.

A fala do ministro causou reação e, em nota oficial, o Ministério declarou que “o governo brasileiro recebeu com profundo descontentamento e surpresa as declarações do chanceler Novoa”, sobre a visita do ministro José Serra ao Uruguai, no dia 10 de agosto. “O teor das declarações não é compatível com a excelência das relações entre o Brasil e o Uruguai”, afirmou. Serra disse que houve apenas um “mal entendido” por parte do Uruguai.

NOVA CONDUTA

Logo no começo do mandato, o Ministério das Relações Exteriores publicou notas fora do tom e frequência habituais, utilizando termos como “falsidades” e seis posts em menos de cinco minutos no Twitter. A comunicação pública não é a primeira ferramenta da diplomacia para resolver impasses entre os países.  Normalmente, são priorizados a discrição e os canais bilaterais. Sob o comando de Serra, foram utilizados todos os meios de comunicação disponíveis para rebater a oposição, demonstrando sua inclinação a uma política de enfrentamento. Essa opção de bater de frente e, principalmente, por meio de notas públicas, é incomum em relação a países alinhados com o Brasil ou não. As administrações dos governos petistas buscavam contornar atritos com líderes de governos vizinhos. Agora, Serra trouxe como primeira medida o embate público.

itamaraty

O Palácio Itamaraty, em Brasília (Foto: IGREPRI)


DIRETRIZES

A linha de conduta do ministro José Serra foi exposta por meio das novas diretrizes da Política Externa Brasileira. Das 10 novas diretrizes, seis estão relacionadas à abertura de mercado ou modificação da posição do Brasil na integração regional ou corporações como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo Maureen Santos, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e membro do Grupo de Reflexões sobre Relações Internacionais (GR-RI), esse perfil das novas diretrizes faz com que as diferentes dimensões que compõem uma política externa do país sejam reduzidas a orientação comercial e econômica. “O tom de ameaça em relação à OMC indica um redirecionamento para o bilateralismo, em prejuízo dos fóruns multilaterais, posição também histórica defendida pelo Brasil”, comenta Maureen.

No governo de Lula e Dilma, a política externa privilegiou as relações Sul-Sul, como no caso dos BRICS, e o protagonismo brasileiro em vários assuntos internacionais, o que transformou o país em um dos grandes atores emergentes no cenário internacional. No governo Temer, as declarações vão em direção à defesa do livre-comércio e realinhamento com os Estados Unidos. Há também indícios de mudança na posição política histórica brasileira em relação a Palestina, quando publica nota em que mostra a possível alteração de seu voto na Unesco, que desfavoreceria a autoridade Palestina em relação ao conflito que envolve a conquista de territórios palestinos.

new-piktochart_836_aaf6bf6191cb2856ea68b938c0c4940beae7f0aa

 

Para Analúcia Danilevicz Pereira, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a intenção de retomar as posições dos países mais alinhados aos Estados Unidos é ultraliberal. “É a ideia de um bloco dos pobres que vão receber a ajuda dos ricos”, diz Analúcia. Ela avalia que essa visão é extremamente atrasada e cega em relação às últimas mudanças internacionais.

Outra nova diretriz fala sobre “responsabilidade ambiental e desenvolvimento sustentável”. Seu texto traz equívocos em sua formulação. Aponta o Brasil como único dono da Amazônia  (omitindo a existência da Pan-Amazônia, que abrange outros países da América do Sul) e fala sobre a matriz energética brasileira ser limpa e renovável (sendo que é baseada em energia fóssil, e a matriz elétrica, em hidrelétricas quase que em sua totalidade, priorizadas em detrimento de opções de menor impacto socioambiental).

EXTINÇÃO DA CGFOME

A Coordenação Geral de Cooperação Humanitária e Combate à Fome (CGFOME) foi extinta no dia 13 de setembro, mostrando que a nova política internacional do Brasil vai ter menos cooperação e menos protagonismo. A CGFome foi criada em janeiro de 2004, pelo Ministério das Relações Exteriores, para coordenar a área de segurança alimentar e nutricional, o desenvolvimento rural e política de cooperação humanitária internacional.

O Brasil tornou-se referência mundial no que se diz respeito ao combate à fome e à erradicação da pobreza. O país saiu do Mapa Mundial da Fome das Nações Unidas em 2014 e, isso não foi fruto do acaso, mas sim de uma vontade política materializada em políticas públicas inovadoras. O crescimento real da renda dos mais pobres cresceu em 71,5%; o aumento da disponibilidade de calorias em 10%; a cobertura de quase 14 milhões de famílias pelo Programa Bolsa Família; a reestruturação e fortalecimento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) são algumas medidas que contribuiram para a superação da fome no Brasil.

Em suas iniciativas de cooperação humanitária, o Brasil optou pela busca da sustentabilidade socioeconômica e ambiental, voltadas para o desenvolvimento socioeconômico da população e do local afetado pelas crises sociais e ambientais. Além disso, de 2006 a 2015, o país empreendeu 682 ações internacionais de cooperação humanitária, das quais 392 priorizaram projetos estruturantes que beneficiaram mais de 96 países na América Latina e Caribe, África, Ásia e Oriente Médio. Devido à atuação da CGFome, Senegal, Níger, Malaui, Etiópia e Moçambique desenvolveram os seus respectivos Programas de Aquisição de Alimentos (PAA África), com base no PAA brasileiro, beneficiando comunidades, agricultores e especialmente as crianças, com ações até mesmo em escolas.

Em artigo publicado na revista Carta Capital, Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à fome diz que a atuação da CGFome contribuiu para uma inserção estratégica do Brasil no cenário internacional e que, com sua extinção, o Brasil perde uma oportunidade de apoiar países a erradicar a fome, a estruturarem sistemas públicos e estratégias nacionais de desenvolvimento sustentável.

DESAVENÇA

O ministro José Serra vem demonstrando desconhecimento em vários aspectos do ministério das Relações Exteriores. Confira no infográfico abaixo sua carreira política e as principais falas de desconhecimento do chanceler:

serra_16943215_018685bd25566a0ab8fd32fc0614ef59c967ffd8

Em viagem a Nova York, no final de setembro, o chanceler atuou num papel figurante: foi ignorado na elaboração do discurso presidencial proferido no dia 20 daquele mês na Assembleia Geral das Nações Unidas, viu Temer adotar posições que conflitavam com as suas, quis se hospedar em um hotel diferente do Presidente e dos ministros da comitiva, atrasou uma hora para um jantar com o Presidente no dia 18 e ausentou-se de uma histórica reunião global sobre refugiados.

foto-afp

José Serra e Michel Temer em desavença (Foto: AFP)

Ao discursar que “a integração latino-americana é uma prioridade permanente do Brasil, não importa que haja em nossa região governos de diferentes inclinações políticas”, Temer foi de encontro com a postura adotada por Serra até então. André Barrocal, repórter da Carta Capital em Brasília, analisa que essas exposições “soaram como puxões de orelha no subordinado [Serra]”. Nesse contexto, afirmou também: “não é difícil entender por que o ministro foi um ator secundário na viagem de Temer a Nova York. Serra não escuta diplomatas, não estuda assuntos de sua área”, disse, em relação ao vídeo em que desconhece os integrantes do BRICS.

Tags::
Redação

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nam quis venenatis ligula, a venenatis ex. In ut ante vel eros rhoncus sollicitudin. Quisque tristique odio ipsum, id accumsan nisi faucibus at. Suspendisse fermentum, felis sed suscipit aliquet, quam massa aliquam nibh, vitae cursus magna metus a odio. Vestibulum convallis cursus leo, non dictum ipsum condimentum et. Duis rutrum felis nec faucibus feugiat. Nam dapibus quam magna, vel blandit purus dapibus in. Donec consequat eleifend porta. Etiam suscipit dolor non leo ullamcorper elementum. Orci varius natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Mauris imperdiet arcu lacus, sit amet congue enim finibus eu. Morbi pharetra sodales maximus. Integer vitae risus vitae arcu mattis varius. Pellentesque massa nisl, blandit non leo eu, molestie auctor sapien.

    1

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *