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Internet reinventa a produção literária atual

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Plataformas digitais permitem interação entre autor e público
Por Ângelo Cherubini e Marina Kaiser
Modernidade, diferença, cultura alternativa, novos tempos… essas são opiniões de leitores, em pesquisa realizada pela reportagem, das narrativas literárias produzidas para internet. Esse movimento tem suas raízes históricas no século XIX com os folhetins e nos anos de 1960 com os zines, produções impressas independentes. Tais publicações se estruturam com dois fenômenos atuais: leitura rápida e produções independentes.
De lá para cá surgiu uma nova ecologia criativa, composta pela internet, as redes sociais e um rearranjo do modo de se produzir literatura no mundo. Novas histórias são escritas no estilo de fanfics, gênero que surgiu na internet e é produzido por fãs de produções culturais utilizando personagens, artistas e pessoas reais.
Uma das plataformas digitais usadas como meio de divulgação destas fanfics é o Wattpad, aplicativo que reúne milhares de livros e contos gratuitos e possui uma das maiores comunidades de leitores do mundo para usuários de Android. Outro exemplo é o Kindle, um leitor de livros digitais que permite aos usuários comprar, baixar e ler livros digitais, jornais e revistas via rede sem fio.
O diferencial destas produções é serem compartilhadas com o maior número de pessoas. Para isso, existem sites colaborativos como hitRECord, cujo objetivo é aproximar artistas das diversas áreas em um espaço de exposição e incentivo de produção e as redes sociais, com movimentos como o InstaPoet de compartilhamento de poemas breves no Instagram e a utilização do próprio Facebook como modo de divulgação.
E, ao que indicam as mesas redondas das últimas bienais dos livros, o prêmio literário criado pela Amazon para escritores de plataformas digitais e os últimos lançamentos editoriais, esse é só o começo das histórias produzidas online. O Wattpad tem cerca de um novo livro ou capítulo postado a cada 25 minutos e 40 milhões de visitantes mensais. No Brasil ainda encontram-se as plataformas Amazon KDP, Bookess e o Publique-se, com a mesma finalidade.
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Como começou
A fórmula de preencher lacunas editoriais e poder interagir com a história lida tem sido usada por muitos escritores da nova geração. Carol Ito, quadrinista do blog Salsicha em Conserva, diz que “as pessoas sempre tentaram alternativas. Mesmo no impresso nunca se abordou todos os temas e formatos. Desde a década de 80 temos o movimento forte de fanzine e publicações independentes. A internet veio para complementar esse mercado alternativo de autopublicações”.
As origens das fanzines, uma revista editada por fãs, não são delimitadas, mas podem ser traçadas remotamente aos grupos literários do século XIX nos Estados Unidos. As revistas publicavam coleções de histórias, poesia e comentários amadores. Os primeiros fanzines do Brasil surgiram em 1965 e, com o decorrer dos tempos, essas revistas permitiram trocas de correspondências entre os leitores — o pontapé da era do compartilhamento.
O texto, ao contrário do vídeo ou da fotografia, segue sendo o que é independentemente da plataforma em que se está inserido. A recepção do público, no entanto, muda, como argumenta César Rota, da página do Facebook SP Invisível. “A acessibilidade fica mais fácil e todas as pessoas conseguem ter acesso à literatura. A partir deste ponto, penso: será que as pessoas teriam o mesmo interesse pelas histórias se eles não estivessem na internet, ou seja, se a acessibilidade fosse difícil? A minha resposta é ‘não’”, diz ele. O SP Invisível é um movimento de conscientização e humanização através de histórias de populações marginalizadas da cidade de São Paulo.
“As redes sociais são interessantes porque elas unem pessoas com interesse em comum”, afirma Carol Ito. “Eu, por exemplo, sempre procuro conhecer outras mulheres que fazem quadrinhos e pela internet conseguimos nos conhecer, trocar ideia e experiência”, completa. Dessa aproximação surgiu um movimento articulado em 2011 nas redes sociais para discutir a produção feminina na área e divulgar os trabalhos dessas autoras, sendo o Lady Comics e o ZineXXX dois grupos de referência nesta área, de acordo com Carol Ito.
João Varella, sócio-fundador da editora independente Lote 42, vê o mercado editorial brasileiro controlado por grandes editoras cujas publicações se baseiam em traduções de livros estrangeiros. “Há um movimento redirecionado para o consumo local e de nicho, uma vez que a comunicação e o consumo de massa, hoje, perdem grande parte da sua relevância. Há um público que tem uma necessidade e uma demanda de cores locais em detrimento de histórias escritas em outros locais do mundo que não aqui”, relata.
Bruna Morgan, quadrinista e criadora da página Universo em Bolha de Tinta do Facebook, pensa de forma semelhante. “O mundo editorial é bastante concorrido e grandes editoras não estão focadas na cena atual dos quadrinhos e da literatura que está ocorrendo em território nacional. Muitos artistas estão publicando seus trabalhos, mesmo que de maneira independente ou por crowdfunding (financiamento coletivo), e também tem uma porcentagem significativa de feiras impressas surgindo, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia”, afirma Morgan.
As publicações independentes encontram espaço nas editoras, também independentes, pelo conceito do business to commerce, isto é, chegar direto ao consumidor. Os modelos de negócios da editoras tradicionais, por sua vez, baseiam-se no business to business que requer mediações. De acordo com Varella, “há uma questão estratégica hoje de uma publicação impressa possuir conteúdo próprio online. As pessoas pesquisam sobre o livro e o autor na internet e nós produzimos esse conteúdo extra para o leitor. É possível mais informações e estamos produzindo conteúdo audiovisual cada vez mais”.
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Quem lê
Carol Ito diz que “a internet acaba esfregando na cara algumas coisas que poderiam ser invisíveis no mercado editorial”. De fato, a internet tem “esfregado na cara algumas coisas”. O Itaú Cultural tem mapeado o movimento da arte digital através do projeto Rumos. Como resultado desse projeto, o livro “Leituras de Nós: Ciberespaço e Literatura” (2012) de Alckmar Luiz dos Santos explora dois conceitos para explicar a produção literária online: a  fragmentação e a pluralidade.
A fragmentação se origina do cotidiano atribulado das cidades e a constante interpretação de papéis. Um desses é o de alguém sozinho escrevendo diante de uma tela uma história para o maior número de pessoas ler. De um sozinho fragmentado busca-se a pluralidade, “reunindo em si cada vez mais presenças e ausências de outros”, a fim de atingir o público.
Em pesquisa realizada pela reportagem em um fórum online com 241 leitores destas publicações, a maioria aponta que o diferencial das narrativas de internet é a fácil identificação com os personagens. Argumenta uma das entrevistadas: “A parte mais legal é o fato de que você pode se sentir dentro da história”. Outra diz: “você incorpora totalmente aquilo”. Os leitores entrevistados também apontam as falhas: “A pior parte é quando o autor desiste da sua história”, “os erros de ortografia e concordância” e o “clichês”.
Quanto aos aparelhos eletrônicos, para alguns parece a maior vantagem: menor e mais leve que um livro, acessível em qualquer lugar e de graça. Para outros, essa dependência de aparelhos eletrônicos, a luz que estes aparelhos produzem e a possibilidade das histórias serem abandonadas pelos escritores é uma desvantagem.
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De onde vêm as ideias
O trabalho criativo autônomo requer de seus artistas gestão da produção, lidar com a autocrítica, planejamento do conteúdo e organização financeira. Quando perguntados “De onde vêm as ideias?”, a maioria afirma: vem e vai para a internet. “Eu estar na internet acaba sendo uma fonte de criatividade, uma fonte de assuntos para abordar, não posso estar alheia ao momento”, é o sentimento de Carol Ito. Para César, a internet é uma fonte de novas ideias, onde é possível inovar o próprio produto.
Carol Bataier, autora do blog Dislexicamente e escritora no site Interior Cultural, conta que por ter começado seu blog em 2007 como um meio de exercitar a escrita criativa e falar sobre o que gosta, “não existe um processo criativo pré-estabelecido, os assuntos vão surgindo. Eu só tento manter a frequência de, pelo menos, dois posts por mês e mantenho formatos livres”. Agora no seu site, gerenciado em conjunto com Gabriel Duarte, jornalista e mestrando em Mídia e Tecnologia, as coisas são mais sérias. “Temos contato com as prefeituras da região, que nos enviam releases. Além disso, estamos em contato com alguns grupos produtores de arte e cultura, acompanhando eventos. Estamos tentando, além de fazer os posts de agenda com datas de eventos, produzir regularmente matérias sobre esses agentes culturais”, relata ela.
Para Bruna Morgan, as coisas foram um pouco diferentes. “Meus primeiros temas se baseavam em dinossauros e ficção científica. Com o tempo, passei a fazer histórias sobre minhas experiências como mulher na sociedade atual e meus conhecimentos sobre feminismo e direitos igualitários”, diz ela. “Atualmente, meus desenhos têm foco nos sentimentos e distúrbios humanos que são pouco falados, como depressão e ansiedade, acabei encontrando um grande público que se identifica e encontra voz na minha arte”, finaliza.
Antônio Júnior, mais conhecido como Junião, chargista da Ponte Jornalismo e da página do Facebook Dona Isaura, conta que nunca se preocupou em ter uma técnica de desenho definida – apesar de ter uma linha definida de traço para as charges e tiras, ele diz que sempre procura outras maneiras de explorar as formas que desenha. “Meu traço ganhou uma personalidade e os veículos que me procuravam estavam atrás do meu traço e da minha personalidade também. Então, dificilmente eu desenhava coisas com as quais eu não concordava”, afirma Junião.
Para Gabriel Picolo, quadrinista e desenhista na página de mesmo nome no Facebook, suas ideias foram as responsáveis por ele chegar onde está agora. Em 2014, quando trabalhava num hostel, ele se lançou o desafio 365 Days of Doodles (365 Dias de Desenho), para se forçar a desenhar e criar com frequência, no caso um desenho por dia durante um ano todo, e isso acabou sendo o ponta-pé inicial de sua carreira.
Ele conta que as críticas positivas e/ou negativas acabam sendo um guia para conhecer seu próprio trabalho e o que agrada ao público. Há dois anos, quando seu trabalho profissional e pessoal se interligavam, essa proximidade gerava uma confusão: “Às vezes eu mesmo acabava me confundindo: eu estou fazendo isso porque eu realmente gosto ou pra agradar? Hoje em dia já tem uma separação muito clara entre o que posto na internet e o que faço a trabalho, então é mais fácil de lidar com isso”, conta ele.
E a grana
O que vem acontecendo frequentemente nas redes sociais são os crowdfundings ou o baixo preço das assinaturas mensais, principalmente em relação ao jornalismo independente. A prática permite aos jornalistas terem a liberdade de montar sua própria pauta, uma vez que não existe mais o vínculo com os grandes grupos.
Para Carol Bataier, “a literatura, aos poucos, segue o mesmo caminho. Os e-books, vendidos a baixo custo na internet, são uma saída. Eu ainda não recebo pelo conteúdo que produzo na internet, porque até então fazia como diversão, tinha minha profissão independente do que faço na internet. Agora, para o Interior Cultural, que vem se tornando um trabalho, estamos considerando procurar financiamento coletivo ou alguma outra forma de torná-lo rentável para que possamos nos dedicar cada vez mais a ele”, afirma ela.
Carol Ito não tem a intenção de monetizar o seu trabalho no Salsicha em Conserva, mas diz que é deste portfólio que vem muitas outras oportunidades profissionais, como palestra, oficinas e freelancers de ilustração. O mesmo acontece com Gabriel Picolo, que disponibiliza grande parte do seu trabalho pessoal na internet e por causa disso acaba recebendo várias oportunidades de trabalho como freelancer, principalmente devido à sua série de quadrinhos – ainda não finalizada – Icarus and the Sun, fazendo ilustrações em livros e editoriais e criação de personagens.
Picolo tem uma loja online no Redbubble, um espaço onde ele publica sua arte e as pessoas responsáveis se encarregam de fazer essa produção se converter em poster, canecas, entre outros, e recentemente lançou seu primeiro livro. Ele possui planos de abrir uma loja própria quando tiver mais tempo disponível, para ter controle maior das vendas e lucros e também por ser um projeto pessoal. Para os seus quadrinhos a ideia é diferente: Picolo pretende acabar a série Icarus and the Sun e avaliar o que vale mais a pena – levar para uma editora ou então custear o projeto através do Kickstarter, o maior site de financiamento coletivo do mundo.
O trabalho do SP Invisível é voluntário. César Rota conta que todo o dinheiro ganho é direcionado para a população de rua, a fim de preparar novos programas e recursos para servir a essa população. A recompensa para eles é simbólica, conta Rota. “Pudemos perceber com o lançamento do livro impresso que o pessoal curtiu o material e compartilhou as histórias com outras pessoas, o que é o nosso principal objetivo desde o início. Dessa forma, o SP Invisível conseguiu contribuir um pouco com a extinção da invisibilidade das histórias das pessoas em situação de rua”, relata.
Futuro do meio impresso
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“Os livros impressos com qualidade gráfica na forma e conteúdo sempre vão ter seu lugar garantido, porém o mesmo não se aplica a jornais ou revistas”, introduz Antônio Júnior, Junião. “Ainda é muito ruim ler histórias longas de forma prazerosa na tela do computador, tablet ou celular”. Ele ainda conta que na era digital seu trabalho começou a ficar mais livre e conquistou mais espaço devido às redes sociais e veículos independentes e sérios, como a própria Ponte Jornalismo.
Veronica Stigger é  professora e crítica de arte brasileira e não vê problema na literatura absorver os mais diferentes formatos. “Pelo contrário, acho que a grande tarefa do escritor deveria ser justamente testar sempre e incansavelmente os limites da literatura. O impresso e o digital são formatos diferentes com especificidades diferentes. Acho apenas que o digital poderia explorar mais as suas possibilidades”, diz ela.
Junião opina que livros ainda têm muita procura e que foi isso que o levou a publicar, depois de ter ilustrado vários outros, o seu próprio, com histórias dele e seu filho, “pra ele aprender a ler com um livro que, além de ter sido eu que fiz, é cheio de referências, história e personagem com que ele se identifique, tanto no universo retratado quanto na cor da pele, pois é raro livros infantis com personagens negros como protagonista”.
Bruna Morgan concorda com essa visão, afirmando que a internet deve sim ser usada como ferramenta importante, uma vez que é lá que as novidades aparecem, mas que o impresso continuará existindo. Ela explica que, por ser introspectiva, a internet foi o meio que encontrou para compartilhar suas histórias e desenhos.
Ela conta que fez parte de duas coletâneas de HQ o primeiro volume de Mulheres nos Quadrinhos e Antologia MÊS, ambas bem recepcionadas pelo público e financiadas através do crowdfunding e que isso fez com que seus leitores pedissem para ela publicar seu primeiro livro solo. “Antigamente eu tinha o pensamento errôneo de que não seria possível publicar, já que meu conteúdo está disponível na internet, porém, a experiência que venho adquirindo tem me deixado mais otimista”, finaliza Morgan.
Gabriel Picolo, por sua vez, relatou que não tem muita experiência com o mercado editorial por ter entrado nele apenas recentemente, mas acredita que as editoras estão prestando mais atenção nos artistas que estão surgindo nas redes sociais. Já para Carol Bataier, tudo é válido se existir demanda. “A gente vive um momento de transição e de novas possibilidades”, conta ela.
Bataier comenta que “ainda tem o pessoal que segue o modelo antigo (escreve para impresso, divulga nas redes e vende) e tem o pessoal que vem fazendo o caminho contrário, de produzir conteúdo na internet e depois levar para o meio físico. Os youtubers, por exemplo, usam a fama da internet para garantir a venda de livros”. Bataier finaliza dizendo que se esse meio de divulgação acabasse, “eu teria uns poeminhas manuscritos perdidos por aí, e só. Mas sempre acredito na nossa capacidade de reinvenção”.
Para César Rota e o pessoal do SP Invisível, a internet foi uma ferramenta estratégica para transitar para o impresso: “disponibilizamos o produto impresso (o livro) para as pessoas e tivemos que despertar o interesse nelas pela qualidade do produto oferecido. Mas, de certa forma, foi um caso atípico. Antes de lançarmos o livro, fizemos um financiamento na internet. Portanto, tivemos que fazer o marketing e atiçar o público antes da produção”.
Verônica Stigger argumenta que, em certa medida, a internet ajuda a difundir mais a literatura, mas tem dúvidas se chega a mudar os rumos do mercado editorial. “Não é a plataforma, o suporte, que determina o que é bom ou ruim em literatura. Esta talvez seja a única certeza”.

Redação

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