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Joana, Cíntia e Ishtar contra o preconceito

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Conheça as personagens de livros que trazem a tona a luta contra a homofobia e a transfobia

Por Aressa Joel e Luis Negrelli
Foi em 2009 que Janaína Leslão escreveu sua primeira história infantil. Como tantos outros autores, teve certa dificuldade em publicar seu livro. Mas as questões que impediam sua publicação eram outras. Janaína, em seu livro de estreia, “A Princesa e a Costureira”, trata de um tema um tanto incomum no universo infantil: a homossexualidade. E, por tratar de um tema ainda polêmico no Brasil, sua obra foi recusada por quase 20 editoras antes de ser finalmente publicada. Foi uma luta de 5 anos, até que a editora Metanóia aceitou o projeto.
É claro que os desafios de Janaína não pararam por ai: a editora exigia no contrato que as ilustrações ficassem por conta da autora.  Janaína teria que buscar um ilustrador e pagar pelo trabalho. Foi ai que ela começou um financiamento coletivo para conseguir custear os gastos. E a resposta ao financiamento não poderia ter sido mais otimista: em menos de uma semana a meta foi atingida com um extra de R$ 11 mil que permitiu o financiamento de seu segundo livro, Joana Princesa.
Os três livros da autora trabalham com temas que trazem a tona a questão da representatividade. Neles saímos dessa história de que o príncipe se apaixona pela princesa e eles vivem felizes para sempre. A autora busca representar as pessoas que não se identificam com as histórias comuns. Em seu primeiro livro, a autora trata da homossexualidade, com a história de uma princesa que se apaixona pela sua costureira. E em seu segundo livro, a autora traz uma princesa que nasceu João, mas se considera Joana.
Segundo a autora, o retorno em relação aos seus livros têm sido positivos em sua maioria: “eu tenho justamente recebido um retorno das pessoas dizendo que finalmente eles puderam ter um conto de fadas que os representassem. E outros adultos ainda dizem que queriam ter lido histórias assim quando eram mais jovens. Talvez isso acalentasse o coração deles que naquele momento estava sofrendo pelas descobertas de uma sexualidade talvez não hegemônica.”
 

A Princesa, a costureira e a luta pelo amor

O livro A Princesa e a Costureira começa como tantos outros: era uma vez uma linda princesa que deveria se casar com o príncipe de um reino aliado. Porém, conforme as páginas vão sendo viradas, uma reviravolta acontece. A princesa, Cíntia,  recebe um encantamento de sua fada madrinha que a obriga a se casar apenas com o seu verdadeiro amor. Cíntia se apaixona então pela sua costureira, Isthar. Com a ajuda da irmã, do príncipe prometido e da fada madrinha, a princesa luta contra a tradição para ficar com sua amada.

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O livro “A Princesa e a Costureira” chegou a ser adaptado para o teatro, em peça que está rodando o interior paulista. Foto: Divulgação.


Todos os personagens do livro são extremamente trabalhados para que a criança e o adolescente vejam de forma natural o que os livros tradicionais não tratam. “Ishtar é uma mulher bisexual com uma história de casamento anterior. Ela é viúva e tem um filho. Além disso, está está sempre em busca de paz e harmonia por isso ela migra de um reino para o outro em busca de um lugar onde não houvesse guerras, pois foi na guerra que ela perdeu o marido”.  Já o princípe é construído como um homem compreensivo, que não é machista. Quando a princesa se recusa a casar com ele, mesmo querendo casar com a princesa ele não demonstra aquele orgulho ferido e procura compreender e ajudar a amiga.
Essa história discute a diversidade e apresenta alguns questionamentos. Em certa passagem, o narrador descreve os sentimentos da protagonista: “Cíntia começou a chorar porque temia pelo futuro incerto de todos. Disse à irmã que os reis e as rainhas não a perdoariam por descumprir um compromisso assumido por eles já muito tempo. Pensava que o povo de EntreRios deixaria de amá-la. Que magoaria Febo, seu melhor amigo. Para piorar, a tradição dizia que uma mulher tinha que amar um homem. E agora, seria jogada na rua por amar uma mulher? Seria condenada a um casamento forçado apenas para cumprir o que era esperado pela tradição? Como faria para que todos entendessem que esse amor era tão amor quanto outros amores? Seria melhor fugir do reino?”
 

Joana e a descoberta de si mesma

O segundo livro de Janaína, Joana Princesa, trata da transexualidade. Nessa história, a autora apresenta João, uma princesa da ilha Anã. João nasce com uma marca vermelha no alto da testa, o que indica que ele é um menino. As meninas do reino nascem com uma marca marrom nas palmas das mãos. No entanto, conforme o tempo vai passando, João passa a querer ser chamado de Joana. Em seu aniversário de sete anos, ela pede de aniversário: “que me chamem de Joana para sempre. Eu sou uma menina!” Para realizar seu sonho, ela parte em uma grande aventura em busca do Arco-Íris Mágico que, segundo a lenda, pode transformar rapazes em garotas.
No livro conhecemos também Júlio, o melhor amigo de Joana. É ele quem ajuda a princesa em toda a sua aventura. Mesmo o casal sendo o protagonista da história não existe entre eles nenhum amor romântico. “Júlio é um rapaz da escola que não tem preconceitos e ele se interessa muito pela Joana porque ela é esperta inteligente e não se dobra frente aos preconceitos que ela vive”, conta a autora
Existe ainda outra personagem de extrema importância para a trama: a bruxa Valderez. É ela quem aconselha a princesa durante toda a história, é uma pessoa sábia e inteligente. Nesse sentido, segundo a autora, ela representa aquela pessoa que os pais e os professores buscam para “concertar” as pessoas que não se encaixam no gênero que a sociedade determina para elas.  A bruxa, na história, seria uma espécie de psicólogo psiquiatra, médico ou pedagogo.
O livro de janaína fala sobre uma jovem que luta para ser uma menina igual a todas as outras “O foco da obra é o público adolescente e a princesa em si é uma adolescente, tentando descobrir na verdade quem é ela no mundo”, comenta autora.
 

Um tema para adultos e crianças

Janaína Leslão é psicóloga e trabalhou questões ligadas à sexualidade, gênero e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) com adolescentes no ano de 2007. Foi desse contato que veio a inspiração para os livros. “Muitos deles tinham como referencia de final feliz para os romances heterosexuais, os contos de fadas. E não havia nenhum correspondente pra quando a gente falava de rapazes que gostavam de rapazes, moças que gostavam de moças. Não tinham nenhum referencial na literatura, muito menos nos contos de fadas. Fui pesquisar e não tinha nada nesse gênero de literatura, com essas temáticas trabalhadas em uma linguagem mais leve e acessível”, afirma a autora.

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Janaína Leslão é militante dos direitos LGBT`S. Foto: Divulgação


Janaína Leslão diz que faltam assuntos com essa temática no mercado editorial. O pré-adolescente, ao qual seu livro é destinado, é exposto constantemente ao ideal de relacionamento imposto como bem sucedido.
A autora, que é feminista, militante LGBT, e psicóloga usou como inspiração muito do seu dia a dia com as pessoas que sofreram com a homofobia e a transfobia. O conteúdo do livro traz muitos desses casos. “Cada um no seu espaço e à sua maneira pode contribuir para uma sociedade menos intolerante. Acho que este livro é um tipo de contribuição. Eu espero que isso faça diferença na vida de algumas pessoas. É óbvio que eu não vou mudar o mundo com os livros que eu escrevo, mas espero que eles façam sentido na vida de algumas pessoas e que também acolham algumas pessoas”, declara a autora.
 

A origens da intolerância

De acordo com as autoras Rachel Pinho e Rachel Pulcino, autoras do artigo “Desfazendo os nós heteronormativos da escola: contribuições dos estudos culturais e dos movimentos LGBTTT”, as sociedades possuem algumas características que as definem que vão desde localização e história até as tradições artísticas, científicas, religiosas, filosóficas e diversos outros aspectos que caracterizam a vida cotidiana. Dentro desse cenário, a coletividade atua de modo a manter e transmitir os hábitos culturais para as novas gerações. É nesse modelo que funciona a cultura, de acordo com “regras” específicas que possuem a tendência de não se modificarem.
No entanto, com o contato entre diversas culturas, surgem novos modos de pensar e de agir que passam a querer modificar estruturas vigentes. Esses novos discursos, que compõem vozes de discursos minoritários, são desqualificados e excluídos como não verdadeiros por uma maioria que detém o poder.
Nesse contexto, outro ponto que integra essas dinâmica é a questão da identidade. De uma perspectiva sociológica, a identidade corresponde a um conjunto de percepções que indicam quem nós somos em relação a nós mesmos, baseando-se, também, em ideias culturais sobre os status sociais que ocupamos. Junto com a identificação, vêm o sentimento de integração a um determinado grupo que possui características semelhantes. Dessa forma, entram em contato os sentimentos de afiliação ou exclusão, ou seja, quem pode ou não pertencer a determinado grupo.
Segundo as autoras,O que ocorre nas sociedades é que apenas alguns grupos ganham visibilidade, e outros são negados. Os indivíduos passam a ver as características dos grupos visibilizados como verdadeiras. É o que acontece com as diferenças sexuais: elas são hierarquizadas  a partir da rotulação das outras práticas, que não as heterosexuais, como desviantes ou doentes. Segundo Leacir Franca, professora do departamento de educação da Universidade de Londrina, um dos grandes desafios para desconstruir a homofobia e a tranfobia é a intolerância. “Boa parte das pessoas que detém este tipo de postura apresenta dificuldade em compreender o outro, bem como aceitá-lo na sua singularidade, na sua especificidade.”

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A escritora acredita que seus livros sejam uma contribuição para uma sociedade menos intolerante. Foto: Divulgação


A maior parte da sociedade brasileira,  aceita a existência de dois gêneros: mulher e homem. Eles são baseados em dois sexos separados de acordo com características como aparelho reprodutor, voz, pelos, seios e a forma do corpo. Já a sexualidade é entendida como as práticas e os costumes associados ao prazer e as relações amorosas. Ambos, sexo e gênero, são construídos historicamente e colocam homens e mulheres em um padrão idealizado.
Existem algumas instituições que validam essa idealização: a religião, a família, a ciência e a educação. A educação molda nossas referências e tem a função de fazer com que a sociedade estude e pense. No entanto, não se vê nela referência que incluam toda diversidade que existe na sociedade. A presença de livros tanto em sala de aula quanto fora dela, implica não somente no debate em si, como no direito da criança de ter contato com esses conhecimentos. “ A escola é o espaço, por excelência, da transmissão do conhecimento sistematizado. Logo, conhecimentos acerca desta temática, trabalhados de forma adequada podem contribuir para o combate à homofobia.”, afirma Leacir Franca
Sandra Rezende Dalmaso é psicóloga e mãe de duas crianças (Ana, 7 anos e Vicente, 3). Ela fala que sempre quis trazer para seus filhos diversos temas de forma natural. “Minha cunhada é lésbica e para os meus filhos o fato de ter duas tias sempre foi muito tranquilo. Quando tive conhecimento do livro a Princesa e a Costureira (que à época ainda estava para ser lançado), fiz questão de presentear minha família com essa história. E como eu imaginava, ao ler para meus filhos, não houve qualquer estranhamento e isso foi um retorno muito gratificante de que estamos no caminho certo”.
Segundo a professora Leacir, tanto o adultos quanto as crianças podem combater a transfobia e a homofobia  através de esclarecimento acerca do que é a homossexualidade sob o ponto de vista biológico, social, cultural e humano. Também com um apelo à tolerância e ao respeito ao outro. Os livros de Janaína entram nesse cenário de luta contra a naturalização do preconceito.

Redação

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