Projeto de lei que insere a gastronomia como uma das áreas atendidas pela lei de incentivo à cultura, no entanto, permanece sem movimentação na Câmara Federal.
Ihanna Barbosa e Jonas Lírio
A Lei Rouanet (Lei 8.313/91), que oferece mecanismos de captação de recursos para o setor cultural brasileiro, pode acrescentar mais um prato a seu cardápio. Tal prato, porém, pode chegar frio: o projeto de lei (PL 6562/13), que inclui a gastronomia e a cultura alimentar aos setores que se beneficiam da política de incentivo fiscal, depois da aprovação pela Comissão de Cultura, precisa, agora, do parecer da Comissão de Finanças e Tributação e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, mas está parado desde novembro de 2015.
Escrito pelo deputado Gabriel Guimarães (PT-MG), com contribuição do relator deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), o projeto foi aprovado pela Comissão de Cultura na Câmara Federal em 15 de julho de 2015 e enviado para a Comissão de Finanças e Tributação em 20 de novembro, com prazo de cinco sessões para ser votado. No entanto, ele não consta na pauta de nenhuma reunião da comissão até agora. Em entrevista à Agência Câmara Notícias, Guimarães afirma que “a gastronomia é parte integrante da história e da cultura de um povo. Assim, o nosso modo de comer e de preparar o alimento é característica essencial que nos distingue e nos define como brasileiros, (…), é um dos alicerces da identidade nacional, devendo, portanto, ser apoiada, estudada, preservada e difundida como qualquer outra manifestação da nossa cultura”.
História
A gastronomia, que envolve não só a culinária (a preparação dos alimentos) de um povo, mas também suas bebidas, os materiais que utilizam e todos os aspectos culturais a esses associados, começou ainda na pré-história, quando o homem primitivo descobria como se alimentar. Desde então, se fez presente por toda a história do homem. Conhecendo a gastronomia, pode-se entender os hábitos, costumes e crenças de povos antigos, bem como as relações políticas de sociedades inteiras. Durante a Idade Média, ela passou por um período de aprimoramento, onde queijo e vinho tornam-se importantes elementos da gastronomia europeia. Já na Idade Moderna, as especiarias deram início à era dos Descobrimentos, quando o comércio da Europa atravessa oceanos à procura de novos sabores.
Foi durante esse período que a culinária brasileira passou a integrar a história da gastronomia e a ganhar o formato pela qual é conhecida hoje. Quando chegam à “Terra de Vera Cruz”, os portugueses encontram um povo de culinária “exótica”: os índios que aqui moravam comiam mandioca, milho, feijão, palmito, carnes e peixes, entre outros alimentos. A colonização portuguesa trouxe, além de sua cultura, os hábitos alimentares de povos africanos, que vieram para o Brasil escravizados, e é mistura dessas três culinárias a base da cozinha brasileira até hoje. Com o ciclo do café a partir de 1800, imigrantes – especialmente os italianos – trazem novos costumes alimentares para o país.
Os hábitos do brasileiro na cozinha ainda recebem influências de vários outros povos. A região sul é conhecida pelos costumes de imigrantes europeus, como a cerveja alemã, e de seus vizinhos de fronteira, como o churrasco argentino. Já no nordeste, a presença da cozinha afro-brasileira domina os cardápios, do bobó de camarão e do caruru (um cozido de quiabos) ao famoso acarajé.
O Acarajé da Bahia
As vestimentas, o modo de fazer e a religiosidade também fazem parte da gastronomia de cada região e carregam consigo pedaços importantes da história de um povo, e é assim com o ofício da Baiana de Acarajé, que caracteriza-se pela venda de comida de azeite, em tabuleiros, no qual se destaca o acarajé – um bolinho de feijão fradinho, frito no azeite de dendê. Em dezembro de 2004, o ofício foi inscrito no Livro dos Saberes como patrimônio cultural brasileiro, de natureza imaterial. Esta é uma prática enraizada na história da Bahia, principalmente em Salvador, trazida com as escravas negras da África Ocidental.
Nos terreiros de candomblé, o acarajé é comida sagrada ofertada aos orixás em seus cultos. As baianas carregam em seus trajes colares com as cores de seus orixás pessoais, além da tradicional saia rodada, bata, panos e turbantes. Elas são facilmente identificadas pelas ruas de Salvador. A preservação dos saberes das baianas é fundamental para o resgate e a reafirmação da história e origem do Brasil. O patrimônio cultural é a herança herdada a cada geração e assim conserva a memória e a identidade de um povo. “Elemento do sistema culinário baiano, importante marca identitária e referência cultural, o acarajé, vindo das mãos de uma baiana, articula universos simbólicos relacionados à esfera da culinária votiva e às chamadas comidas de rua, onde se apresenta como meio de vida e fonte de renda para uma parcela da população”, diz o relatório da IPHAN (Instituto Do Património Histórico e Artístico Nacional) sobre o ofício das Baianas de Acarajé.
Gastronomia é Cultura
E foi pensando na preservação dessa história que o chef Alex Atala, em parceria com profissionais de diversas áreas, como antropologia, engenharia do alimento, publicidade e jornalismo, fundou o Instituto ATÁ, que busca a reaproximação dos saberes às atividades da culinária, fortalecendo sua história e preservando o meio ambiente. “Agir em toda a cadeia de valor, com o propósito de fortalecer os territórios a partir de sua biodiversidade, agrodiversidade e sociodiversidade, para garantir alimento bom para todos e para o ambiente”, afirma o manifesto apresentado pelo o instituto, que também trabalha em parceria com os índios Baniwa, através da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI).
O Instituo ATÁ é o responsável pelo movimento “Gastronomia É Cultura”, que busca a aprovação do projeto de lei para a inclusão da gastronomia na Lei Rouanet. O instituto defende que, como parte dos costumes de um povo, a gastronomia torna-se um aspecto identificador de uma cultura, sendo os incentivos necessários para apoiar sua propagação e preservação. Para os apoiadores do projeto, a inclusão da gastronomia na Lei Rouanet é o seu reconhecimento como manifestação cultural e uma reafirmação da ligação entre a origem brasileira e seu alimento.
A Lei Rouanet oferece mecanismos de captação de recursos para o setor cultural brasileiro através do PRONAC (Programa Nacional de Apoio à Cultura), que proporciona incentivos fiscais a quem apoia projetos relacionados a alguns segmentos culturais, como artes cênicas, música erudita e exposições de artes visuais, entre outros. A gastronomia ainda não é um dos segmentos apoiados pela lei, mas o projeto de lei PL 6562/13 pretende incluir a cultura gastronômica e alimentar tradicional e popular brasileira. Se aprovada, a modificação na Lei permitirá que empresas e pessoas físicas patrocinem pesquisas, acervos e publicações ligadas à gastronomia nacional com dedução no Imposto de Renda.
Difícil separar as regiões do Brasil por suas comidas típicas. Cada estado do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste possui um prato especial, seja o acarajé da Bahia, a feijoada de São Paulo, o pão-de-queijo de Minas, arroz com pequi em Goiás ou bolo de rolo do Pernambuco, todos eles carregam um pedaço da história e origem de cada estado brasileiro e muito deste conhecimento está preservado apenas linguagem oral, correndo o risco de se perder em algum momento da história, pois não são só as receitas que precisam ser conservadas, mas toda a história de origem, preparação e utensílios que envolve aquele prato típico e, consequentemente, compõe a cultura nacional.