Muito mais do que um simples cosmético, uma construção de identidade
Por Lucas Alonso
Embora a maquiagem faça sucesso entre quase todas as mulheres da atualidade, engana-se quem pensa que essa é uma característica exclusiva da sociedade contemporânea. Registros históricos comprovam que o ato de aplicar produtos com efeito cosmético, de embelezamento ou de disfarce, é um costume milenar e pertencente às mais diversas culturas. No Egito Antigo, por exemplo, descobertas arqueológicas demonstraram que há mais de 3000 anos antes de Cristo, homens e mulheres já utilizavam pigmentos pretos para sublinhar o contorno dos olhos e escurecer cílios e sobrancelhas. Inclusive os mortos eram maquiados, visto que os egípcios acreditavam na ressurreição e, portanto, zelavam pela aparência e conservação de seus corpos após a morte.
Karina Costa foi aluna do curso de Maquiagem no SENAC em Bauru. Para ela, aprender a maquiar, tanto os outros como a si própria, trouxe um sentido de autoafirmação que ela não possuía antes. “Talvez seja uma questão de gosto pessoal, mas eu não me sinto menos ‘eu’ quando estou maquiada. Eu sei que a beleza natural também tem que ser valorizada, mas eu me sinto muito melhor com uma make bonita, e pra mim, é só isso que importa!”, argumenta Karina.
O cinema já conhece essa propriedade quase mágica da maquiagem há muito tempo. Muitos atores e atrizes já falaram sobre como a maquiagem os ajuda a “entrar” no personagem. O Coringa, de Heath Ledger, o Chapeleiro Maluco, de Johnny Depp, e o Cisne Negro, de Natalie Portman, por exemplo, são personagens icônicos que certamente não nos marcariam tanto sem o trabalho completo de caracterização através da maquiagem. Não é a toa que a própria Academia do Oscar, o maior prêmio da indústria mundial do cinema, premia desde 1982 os filmes que apresentam o melhor trabalho de maquiagem artística.
Maquiador há quatro anos, o bauruense João DiCarvalho é um dos profissionais que sonha em entrar no universo da maquiagem artística, sendo reconhecido por diversos outros maquiadores do país. Um pouco resistente ao ramo da maquiagem no início, hoje ama a profissão: “Desde criança pegava as maquiagens das minhas irmãs e começava a maquiá-las, mas maquiar era uma coisa que eu não queria como profissão. Comecei a produzir ensaios e a gente não tinha dinheiro para contratar maquiador, pensei: ‘às vezes dou certo nisso’, aí comecei a maquiar e hoje não me vejo fazendo outra coisa”.
Talentoso na criação e construção de personagens por meio da maquiagem, João divulga seu trabalho em redes sociais para alcançar seu maior objetivo: uma carreira como maquiador artístico, missão ainda mais complicada para quem está em uma cidade do interior de São Paulo: “Aqui em Bauru, esse tipo de maquiagem não é muito conhecido. O pessoal costuma achar que maquiagem artística é um cílio muito grande ou muita cor na maquiagem, mas é muito além disso”.
Muito mais do que um produto de beleza, a maquiagem pode estabelecer diversas relações com os consumidores, principalmente com as mulheres. Para elas, a maquiagem pode ser um auxílio para a autoestima, parte do dia-a-dia ou também pode ser uma imposição estética, dependendo de como a mulher se sente em relação a esse cosmético. No entanto, o que não se imagina é que ela também pode ser ferramenta de luta e afirmação, como no caso da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transsexuais). Para as mulheres transsexuais ou para as drags, a maquiagem tem um papel importante na construção de uma identidade com a qual elas realmente se sintam bem e representadas. Maquiadas, essas pessoas resolvem enfrentar o preconceito de frente para poder também afirmar seu espaço em sociedade.
O próprio João DiCarvalho que sonha com a carreira de maquiador artístico é homossexual e possui sua drag, no entanto, ele demorou um pouco para praticar a automaquiagem: “Comecei a me maquiar faz um ano. Nunca tinha surgido a ideia ‘vou fazer em mim’ até pelo medo do preconceito das pessoas”. Junto com a vontade de se maquiar, João sentiu a necessidade de criar uma segunda identidade, assim, ele criou a Paola, sua drag. A personagem é uma forma que ele encontrou para ser mais divertido e menos tímido ao falar com as pessoas: “A Paola é bem diferente do João, criei ela para sair um pouco de mim. Parece mágica, quando me desmonto, sou uma pessoa, quando me monto, sou diferente; parece que encarnou alguém ali”. A maquiagem é ferramenta crucial nesse processo de transformação e a Paola acaba incentivando também a criação e teste de makes novas: “Realmente a maquiagem faz parte da personalidade da pessoa. Às vezes a pessoa é de um jeito e ela quer se vestir como tal, aí ela usa a maquiagem e as cores da maquiagem para identificar isso”.