Lei ainda não foi implementada por prezar pela construção democrática de sua regulamentação
Por Letícia Ferreira, João Pedro Ferreira e Julia Bacelar
O Marco Civil da internet, sancionado no dia 23 de abril de 2014 e em vigência desde junho de 2014 não teve aspectos importantes implementados. A justificativa para a demora é muito razoável: o Ministério da Justiça (MJ) promoveu debates e consultas públicas sobre a lei por quase um ano após a sanção da lei, que se destaca pelo amplo processo democrático no qual foi forjada.
Esse processo é necessário para garantir que a lei seja acessível e que sua aplicação seja clara, bem como assegura que exceções às normas sejam demarcadas. Enquanto a lei não é totalmente implementada, alguns de seus aspectos mais decisivos permanecem sem regulamentação, como a neutralidade de rede e a privacidade do usuário.
Considerada um progresso no sentido de garantir a proteção dos dados do usuário, a questão da privacidade ainda está em aberto. Segundo o Marco Civil, a utilização de informações pessoais para qualquer fim (inclusive a publicidade) só pode ser feita se for autorizada expressamente pela pessoa. Por enquanto, a questão será resolvida por cada site individualmente. Por isso, ler os termos de uso e contrato de usuário nunca foi tão importante.
O principal conflito no que tange à privacidade é a obrigação de empresas guardarem dados dos usuários por 6 meses, o que dificultaria a operação de start-ups, que precisariam investir mais dinheiro do que o previsto em armazenamento. As informações, porém, devem estar em regime de sigilo a não ser em caso ordem judicial.
A neutralidade é o ponto mais importante do Marco Civil, que afeta diretamente os provedores de internet e consumidores. De acordo com a lei, as empresas de telecomunicações, que atualmente oferecem serviços de conexão, não poderão oferecer pacotes de serviços online ou delimitar o conteúdo acessado mediante pagamento.
A internet, segundo a redação do Marco Civil, é neutra e livre e todo o conteúdo lá disponível deve estar ao alcance de todos. Ou seja, a possibillidade de as operadoras oferecerem serviços somente para alguns sites ou aplicativos (por exemplo, um pacote com acesso ao Facebook e Skype, mas sem acesso ao internet banking ou determinados sites).
Com a medida aprovada, a oferta de internet permanece nos moldes atuais: as empresas podem oferecer pacotes apenas com velocidades de conexão variadas, sem restringir acesso à sites ou aplicativos. No caso dos smartphones, permanece as franquias de dados, ou seja, o limite de trocas e recebimentos de informações on-line pelo celular.
O atraso na implementação permite que operadoras de telefonia e internet continuem a oferecer pacotes de acesso, rompendo com as regras da neutralidade. É o caso da TIM, que oferece o pacote de acesso ao Whatsapp separado do pacote de dados para internet. O caso chegou até o Ministério Público da Bahia, que notificou a empresa, mas sem resultados.
A prática da TIM é chamada de zero rating, que consiste na não cobrança pelo tráfego de dados de um determinado site, aplicativo ou serviço. O recurso é uma estratégia usada pelo Facebook através do internet.org. A iniciativa da empresa é levar a internet gratuita para regiões pobres no mundo utilizando a infraestrutura de telecomunicação disponível nos locais. O acesso, porém, é limitado a poucos sites, como o Google e a Wikipédia e ao próprio Facebook. Os usuários não pagam nada e em troca a empresa aumenta sua carteira de usuários e o valor de seus espaços publicitários.
Essa prática pode ser interpretada como uma violação da neutralidade da rede. O próprio governo federal firmou uma parceria com o Facebook para levar internet gratuita (porém limitada) à regiões carentes. O projeto piloto está em execução na favela de Heliópolis, que receberá wi-fi e outras ações da empresa.
Críticos da demora do Ministério da Justiça em regulamentar a lei afirmam que a lentidão do processo torna a situação complicada a longo prazo, apesar de consolidar o modelo participativo da lei. Em artigo publicado na Carta Capital, a cientista social Laura Tresca e Luiz Alberto Perin Filho, ambos colaboradores do site Artigo 19, afirmam: “O efeito perverso, porém, é que as boas regras previstas na lei – apesar de estarem vigentes – vão se tornando exceções à espera da regulamentação. Os exemplos mais marcantes durante esse um ano referem-se às práticas de zero rating que efetivamente ferem a neutralidade de rede”.