“Taxa rosa” está presente em produtos que vão de canetas a peças de vestuário
Ao pensar em produtos voltados especificamente para as mulheres, é comum que certas peças de roupas, produtos de higiene e até mesmo itens de papelaria venham em mente. Contudo, não é sempre que uma característica destes produtos é considerada: a diferença de preço, por serem simplesmente voltados para o público feminino de consumidoras.
Este aumento tem um nome: “taxa rosa”, termo que diz respeito aos produtos que, por terem como público-alvo as mulheres, acabam atingindo o bolso do público feminino. De acordo com a pesquisa “Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino” no consumo, do Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor (MPCC-ESPM) e com apoio da InSearch, os preços sofrem um aumento de até 12% nos produtos destinados às mulheres em comparação àqueles aos voltados para os homens.
Mas como isso se dá na prática? Basta prestar atenção aos preços de itens básicos, como canetas ou lâminas de barbear. Em ambos os produtos, pode-se notar que há valores diferentes para itens que possuem a cor como único fator de diferenciação – geralmente rosa, por serem voltados para mulheres.
Supõe-se que a taxa surgiu a partir do esforço das marcas para promover seus artigos como voltados exclusivamente às mulheres. Assim, quando buscam por esses itens, há uma pequena diferença em relação ao que ocorreria com os itens voltados ao público masculino. As marcas têm buscado motivos que justifiquem o preço dos produtos e serviços femininos, acatando características que os “qualificam”, de modo que fosse “projetado especialmente para elas” quando na prática são usadas da mesma forma que o masculino – ainda que haja alguma diferença efetiva, isso não justificaria o valor elevado.
Segundo uma pesquisa realizada pelo The New York City Department of Consumer Affairs (DCA) em 2015, as mulheres, de fato, gastavam mais do que os homens em produtos iguais ou semelhantes para os gêneros – e sequer tinham consciência disso antes de o estudo ser realizado. O Brasil não fica atrás: a Escola Superior de Publicidade e Marketing (ESPM) realizou um estudo semelhante no ano de 2017 que revelou que as mulheres brasileiras têm um gasto até 12,3% maior do que os homens.
Entretanto, essa diferença nos valores dos produtos pode ter uma causa que vai além das meras regras de mercado: a Psicologia. Para a psicóloga Ellen Moraes Senra, atuante na linha da Psicologia Cognitiva-Comportamental, fica claro que os homens e mulheres se portam de formas diferentes quando o assunto é o consumo.
Segundo a psicóloga, ao verem um objeto de desejo, os homens costumam se questionar se realmente precisam daquilo, enquanto as mulheres passam a se imaginar vestindo aquela roupa ou utilizando aquele objeto – o que pode acontecer até mesmo de forma idealizada, como nos casos em que elas compram roupas que nunca usam. Assim, as consumidoras acabam agindo mais impulsivamente, acreditando na necessidade de algo que, na verdade, não precisam tanto assim.
A Publicidade e o Marketing perceberam estas diferenças e passaram a criar suas estratégias visando esse público consumidor. Por isso, ainda segundo a psicóloga, é natural que as propagandas utilizam elementos específicos voltados às mulheres: tons de rosa, flores, palavras específicas e outros aspectos estão presentes em quase todos os anúncios publicitários. O modo como se utiliza estes aspectos gráficos atrai essas mulheres.
Segundo a pesquisa do MPCC-ESPM, há categorias em que a diferença de custo é visível, chegando a subir para 17% em vestuário adulto, 23% no vestuário infantil, 23% em cortes de cabelo e 26% em brinquedos.
Ou seja, a diferença nos preços de itens destinados ao público feminino e masculino é maior na infância, mas continua na adolescência e na vida adulta. Uma calça jeans feminina, por exemplo, pode custar R$ 30 a mais. Camisetas básicas ou estampadas para mulheres têm diferença de, no mínimo, R$ 10, mesmo fabricadas com o mesmo material e em cores iguais às masculinas.
Nem os acessórios escapam da alta de preços. Um cinto feminino fabricado com o mesmo material que o masculino sai por cerca de R$ 10 a mais. Contudo, é nos produtos de higiene e beleza que a diferença é mais visível: de acordo com dados de 2013 da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), as mulheres gastam, em média, R$ 150 com cosméticos todos os meses. Apesar disso, essa diferença nos preços pode ser encontrada também em produtos que têm versões tanto para uso feminino quanto masculino, como barbeadores, desodorantes e perfumes.
A “taxa rosa” está tão presente no consumo que, em 2015, um estudo realizado na cidade de Nova York apontou a diferença de 7% no preço dos produtos para homens e mulheres. Julie Manin, coautora do estudo, sugere uma forma de posicionamento contra a taxa: as mulheres podem passar a comprar alguns produtos das prateleiras masculinas, abandonando as versões femininas e, consequentemente, mais caras – algo que ela mesma faz. Lâminas de barbear, por exemplo, podem custar até 20% a mais se forem vendidas para mulheres.
De acordo com Dori Boucault, advogado especialista em direitos do consumidor e do fornecedor do LTSA Advogados, a questão da diferenciação dos preços precisa ser avaliada em relação aos produtos. Se há itens para o público feminino masculino – ambos distintos -, a diferenciação do preço é possível em função da composição e do custo operacional administrativo destes itens. Porém, esse quadro muda quando se trata de produtos semelhantes ou idênticos: “Se você vai comprar um celular, por exemplo, o preço do mesmo aparelho não deve mudar para homens e mulheres”, aponta.
“O que existe de interessante é o Decreto Federal 5093, de 2006, que regulamenta a Lei Federal 10.962, de 2004. A lei dispõe sobre as condições de oferta e a fixação de preços em bens e serviços para o consumidor em que veda ‘expressamente’ a atribuição de preços diferentes para o mesmo item no seu artigo 9º inciso 7º, aí, sim, classificando tal conduta como infração ao direito básico do consumidor tão note-se que nós estamos falando de preços diferentes para o mesmo item’, ressalta Boucault.
Em relação ao lazer e entretenimento, a decisão tomada em agosto de 2017 pelo juiz federal Paulo Cézar Duran, da 17ª Vara Cível de São Paulo, manteve a liminar que proíbe o PROCON de aplicar multas em locais de entretenimento que cobrem valores diferentes para homens e mulheres. Existem outras decisões no âmbito da Justiça que também favorecem bares e restaurantes a manter preços diferenciados, como é o caso de São Paulo, também, proibindo que o PROCON atue em locais de entretenimento que cobrem valores diferentes para homens e mulheres. Nesse sentido, a Justiça de São Paulo também autoriza preços diferentes para homens e mulheres em casas noturnas, por meio de liminar.
Num sistema capitalista, o que vale é a lei de mercado, da oferta e da procura. Dessa forma, se um estabelecimento coloca um preço abusivo em determinado produto, os clientes deixarão de comprá-lo. “O limite de preços é estabelecido pelo valor de mercado, imputando-se a ele diversos itens que vão fazer a formatação do preço. Só que esse preço tem que estar de acordo com a área em que é ele oferecido, com o chamado do ambiente socioeconômico. Tudo isso tem que ser feito dentro de uma realidade. Você pode colocar um preço alto em um bairro de classe alta, mas o valor será impraticável em locais mais humildes, onde moram pessoas de menor poder aquisitivo”, lembra o advogado.
A dona de casa Flávia Caroline, de 27 anos, é mãe de Pedro, de 4 anos, e de Lorena, de 10 meses. Ela conta que quando Pedro era bebê tendia a comprar menos produtos e com preços mais baixos. Flávia até entende que os sapatinhos que a filha usa custem mais que do que os que Pedro usava. Isso porque, segundo ela, as roupinhas de menino tendem a ser mais básicas, enquanto as de menina são mais elaboradas, o que geralmente a leva a gastar o triplo.
Na idade em que os dois se encontram, Lorena já usa shampoo de princesas, por exemplo, que custam sempre a mais do que o shampoo de super herói do irmão mais velho. E os brinquedos também não ficam atrás. “Brinquedos e roupas para ela são sempre mais caros. Hoje ele tem quatro anos e mesmo com ela tão novinha, já sinto que os gastos são maiores do que foram com ele nessa mesma idade”, relata Flávia.
O que se vê é uma via de mão dupla: a Publicidade reflete valores sociais que ecoam em determinadas comunidades. Ao mesmo tempo em que o discurso do mercado reforça esses valores, ele vai trazer um ideal: a Publicidade cria necessidades, ao mesmo tempo em que reflete necessidades pré-existentes. Essa linguagem pode colocar a mulher em um lugar que tende a ser estereotipado, o que reverbera em produtos culturais e até mesmo nas conversas do dia a dia.
Flávia acredita que a diferença entre o consumo feminino e o masculino existe, mas não tem a ver com o fato de as mulheres gostarem mais de gastar dinheiro. “Acho que as mulheres são mais responsáveis por compras ‘básicas’, como supermercado, roupas para os filhos, presentes, etc. Quando a gente compra algo para si própria, é ‘picado’: uma blusa aqui, outra saia ali, um batom em outro dia, e assim vai”. Isso, para ela, é impulsionado pelo fato de não existir o hábito de pesquisar os preços antes de comprar, o que pode evitar que as mulheres caiam em armadilhas.
Em outras palavras, o próprio posicionamento do consumidor pode ser mais efetivo do que uma possível ferramenta legal. “A pressão do consumidor vale muito nessa indústria, ninguém quer deixar de vender”, complementa.