Há 20 anos, Sérgio Sartori resgata e cultiva plantas frutíferas dos cinco continentes em Rio Claro
Por Paulo Palma Beraldo
Mal sabia um tratorista em um dia normal de trabalho em Rio Claro (SP), que, ao arrancar sem querer um pé de tangerina raro, daria origem a uma coleção única em todo o País e a um negócio para lá de inovador. A planta era a preferida do proprietário do sítio, o médico Sérgio Sartori, que fez uma verdadeira peregrinação por viveiros, institutos, associações e centros de pesquisa do estado de São Paulo para encontrar essa variedade novamente. Não achou. Mas descobriu a imensa gama de frutas raras e exóticas existentes. E passou a ir comprando algumas nessas viagens.
Um dos principais locais que despertou a atenção de Sérgio foi um centro de citricultura em Cordeirópolis (SP), onde descobriu que havia mais de 800 tipos de frutas cítricas. Mas não a que buscava. Em seus caminhos, Sérgio passou a matutar sobre a possibilidade de passar a cultivar essas frutas diferentes e pouco conhecidas. A ideia era contribuir com a preservação e divulgação delas.
Ele define as frutas raras como desconhecidas da população, populares apenas entre colecionadores ou amantes da fruticultura. “Podem ser brasileiras ou exóticas, ganhando esse nome quando são de outros países”, explica o médico, que, graças ao hobby, já publicou mais de 20 livros sobre frutas raras e dá palestras ao redor do Brasil sobre o assunto.
Goiabas de cor amarela e roxa. São mais de 60 variedades. (Divulgação/Estância das Frutas)
O trabalho na Estância das Frutas começou há 20 anos. Hoje, o sítio de 20 hectares, a 179 km da capital paulista, abriga espécies frutíferas dos cinco continentes, de países como Argentina, Estados Unidos, México, Espanha, Israel, Tailândia, Índia, China, Japão, Austrália e, claro, Brasil. São 190 variedades de frutas cítricas, cerca de 130 de mangas, 100 de bananas, 60 de goiabas, 50 de jabuticabas, 45 de pitangas, 35 de uvas e 30 de pêssegos. Cada uma de uma região do planeta e devidamente catalogada por Sérgio.
E o manejo? Segundo ele, não há muita diferença no cuidado com as plantas raras. Mas cada uma tem sua particularidade. É necessário fazer a adubação, corrigir a acidez do solo e irrigar, como com outras variedades. “Porém, cuidando cada uma de acordo com o clima, água, proteção do frio ou calor excessivo”, frisa. O processo para a criação de novas cultivares de frutas se dá pela polinização manual, diz.
Visibilidade
Sérgio quer que as frutas raras sejam mais acessíveis e conhecidas. “Alimentar-se bem aumenta a expectativa de vida. Temos que mostrar para a população o benefício das frutas”, diz. Para isso, criou a Associação Brasileira de Frutas Raras em 2008. A entidade promove diversos eventos gratuitos sobre o tema para interessados e sócios, que aproveitam a ocasião para adquirir ou trocar mudas e sementes, encontrar novas informações e conhecer cultivares diferentes.
“Qualquer pessoa pode se tornar sócio. Trocamos experiências com professores, engenheiros agrônomos, colecionadores e estudantes, fazendo novos contatos e descobrindo novas frutas”, convida Sérgio.
Fruta do Milagre, que torna doce qualquer alimento consumido após sua ingestão. (Divulgação/Estância das Frutas)
Há ainda parcerias com universidades para desenvolver pesquisas e ampliar o conhecimento sobre as frutas raras. “Estamos com um projeto com a USP voltado para a caracterização das frutas da Amazônia. O objetivo é tratar desde o sabor da fruta, a multiplicação via assexuada e, posteriormente, a pós-colheita. Projetos como esse viabilizam o acesso mais rápido às frutas até então pouco conhecidas”, afirma.
Há algumas variedades curiosas, como a fruta do milagre, que dá sabor doce a qualquer alimento ingerido em seguida. Isso ocorre porque ela tem um componente químico que fica nas papilas gustativas inibidor do sabor azedo. Maracujá preto, goiaba amarela e bananas de formas e colorações distintas são algumas das raridades na propriedade.
Novo ramo
A Estância das Frutas já apareceu diversas vezes na mídia. Por isso, Sartori acabou ganhando fama na região e a procura pelas mudas cresceu. “Demos início à criação de um viveiro para vendê-las e para que as pessoas pudessem encontrá-las com mais facilidade”, recorda o médico.
Ele diz a palavra “demos” porque tem a ajuda da filha, Sabrina Sartori, do ramo de ciências da computação, que entrou no negócio também. Sim, negócio. “Devido à grande quantidade de frutas disponíveis, para não perdê-las, começamos a produção artesanal de licores e criamos uma marca de cosméticos”, relata Sérgio. A linha é feita apenas com produtos derivados das frutas raras.
E aí entra o protagonismo de Sabrina, que decidiu abandonar a carreira na multinacional IBM para dedicar-se ao novo ramo. Ela diz ter como “missão” continuar o trabalho de preservação e divulgação das frutas raras iniciado pelo pai. Por isso, decidiu especializar-se em cosmetologia, ramo da ciência farmacêutica focado nos aspectos dos produtos cosméticos, desde pesquisas, desenvolvimento e comercialização.
Uvaia, originária da Mata Atlântica, é uma das três frutas raras usadas para a produção dos cosméticos. (Divulgação/Estância das Frutas)
Tudo começou em uma visita de fim de semana à propriedade, enquanto ainda trabalhava com tecnologia da informação. Sabrina se questionou: por que não aproveitar as frutas e produzir cosméticos com elas? Era uma forma de custear parte dos gastos com a colheita e, de quebra, ampliar a visibilidade das frutas raras.
A partir daí, foram analisados os potenciais das frutas, com base em informações sobre vitaminas, perfumes, propriedades químicas e características peculiares de cada variedade. Devido ao elevado investimento e à complexidade do processo, era necessário cautela.
São em média dois anos desde o início das pesquisas, a colheita das frutas e o processamento delas em laboratório, explica Sabrina. Sem falar dos testes para gerar os primeiros cosméticos. Foram escolhidas inicialmente três frutas para a produção: a pitaia, do México, o sapoti, das ilhas da América Central, e a uvaia, brasileira. Os primeiros produtos foram lançados em abril de 2013. Devido à procura, no final do ano, já havia uma loja on-line.
Pitaia, do México, também é usada para a produção de sabonetes líquidos e loções. (Estância das Frutas/Divulgação)
Com a polpa e a essência dessas espécies raras, o Empório Sartori produz loções hidratantes e sabonetes líquidos, que custam entre 30 e 40 reais.
A média de venda em 2016 é de 1.500 unidades por mês. Para o futuro, há projetos para produzir shampoos, condicionadores, perfumes e óleos, revela Sabrina. Os cosméticos já estão presentes em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Neste ano, o Empório Sartori tem participado de diversas feiras e eventos do setor para divulgar a marca e atrair novos revendedores.
A próxima meta é provar que a Estância possui a maior coleção diversificada de frutas raras do mundo. A família está em contato com o
Guiness Book (Livro dos Recordes) para conseguir obter o título. Existe algum outro objetivo? Com serenidade, Sérgio pensa e responde: “A coleção de árvores frutíferas é uma coleção viva, repleta de surpresa e prazeres. O objetivo vai sendo alcançado com o aumento do pomar”.