Beber livremente pode ser um avanço, mas o problema é como e quanto elas estão bebendo
Larissa Roncon
M.J.G, de 40 anos é moradora de Itapuí, pequena cidade do interior de São Paulo, e durante 3 anos vivenciou o drama do alcoolismo. Tendo a doença se manifestado quando ela tinha apenas 21 anos, há 16 aprendeu a como conviver com ela.
“Meu primeiro porre foi no meu aniversário de 18 anos. Fiquei feliz de saber que a partir dali não seria crime beber, mas bebi demais. Entrei em coma e por isso fiquei três anos sem tomar uma gota de álcool. Aquilo tinha me assustado: meu pai morreu por causa do alcoolismo. Mas em qualquer lugar que eu ia, a bebida era sempre presente. Todo mundo bebe – embora em mim subisse mais do que nos outros. Comecei a beber todo final de semana e meu final de semana começava na quinta, as vezes na quarta. Transava com estranhos sem camisinha e sem medo de engravidar ou pegar doenças. Mas engravidei de alguém que eu não sabia. Minha mãe me colocou para fora de casa por isso. Bebi durante a gravidez inteira, mas por um presente de Deus, meu filho nasceu saudável, perfeito. Demorei três anos para perceber toda essa perfeição dele. Uma vez bebi tanto que, me sentindo depressiva, tomei 50 comprimidos de fluoxetina*. Tive de fazer lavagem estomacal. As ressacas foram ficando fortes, tinha dor de cabeça, vômito, tremedeira, frio – e, aí, não saía de casa, chorava desesperada. Bebia com meu filho no colo. Morava de favor no fundo da casa de uma família maravilhosa. Não conseguia ficar no emprego por que é muito difícil trabalhar de ressaca ou fedendo a bebida. O ponto crucial para eu pedir ajuda foi quando meu filho, já com três anos, enquanto brincava e eu bebia com ele no chão do quarto, veio pegando a garrafa da minha mão por que também queria experimentar. Tenho dificuldade até hoje, mais de 16 anos depois, para aceitar minha vida como ela é, acho que as coisas poderiam ser diferentes, ter sido diferentes. Fico remoendo o passado e nesses momentos, sinto vontade de beber. Minha luta, porém, não é apenas com a garrafa. Quando conto que não bebo mais parece que sou um ET. Não faz mal. Olho para mim e vejo que já consegui avanços. Desinchei tanto que calçava 36 e agora uso 35. A minha forma de falar mudou, estou mais calma e tolerante. Quero ter o direito de escolher o que fazer da minha vida. Para isso, no entanto, preciso estar sóbria”
* Fluoxetina é um medicamento antidepressivo e seu uso é maior em casos de depressão moderada a grave, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno alimentar, transtorno do pânico e de ansiedade.
O alcoolismo entre mulheres é uma realidade pouco comentada que afeta cerca de 18,5% da população feminina no país e 1 em cada 4 mulheres da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E é entre as mulheres que a doença mais cresce, cerca de 140% a mais que os homens.
Invariavelmente a história muda e o caminho para o alcoolismo costuma quase sempre ser o mesmo. Segundo entrevista do coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Arthur Guerra, ao jornal Estado de São Paulo, as mulheres chegam até a bebida para ter autoafirmação, ficarem desinibidas e, principalmente, se sentirem em pé de igualdade com os homens. Até a década de 1980, elas começavam a beber com 17 anos e hoje, a média é de 13 anos para o primeiro copo.
O grande problema é que o álcool acaba afetando muito mais o organismo da mulher do que o homem. Segundo a OMS, o metabolismo do álcool nas mulheres não é igual ao dos homens. Se dois indivíduos de sexos opostos ingerirem a mesma dose de álcool, proporcional ao peso, a mulher apresentará níveis alcoólicos maiores no sangue. E ficam embriagadas com doses mais baixas e progridem mais rapidamente para o alcoolismo crônico. Além disso, para os mesmos níveis de consumo de álcool, a mulher apresenta primeiro problemas hepáticos, tem três vezes mais chance de desenvolver cirrose e problemas cardiovasculares.
Outro problema intimamente ligado ao alcoolismo feminino é a depressão. Cerca de 35% das mulheres que desenvolvem o alcoolismo tem uma relação com a doença. O que muda é se a depressão foi a porta de entrada para o alcoolismo ou se é uma consequência.
Mas a pior dificuldade do alcoolismo na mulher e justamente em ser uma mulher alcoólatra. Segundo o psiquiatra, professor da UNIFESP, Ronaldo Laranjeira, as mulheres sofrem ainda mais preconceito ao se assumirem alcoólatras. “Por serem as mães de famílias e por terem um postura a seguir determinada pela sociedade patriarcal em que vivemos, as mulheres normalmente sofrem mais para assumir que são alcoólatras. Para a própria família, é mais fácil entender quando essa doença afeta o pai do que quando é com a mãe e tudo isso pesa para elas também na hora de buscar um tratamento”, explica o médico.
Alcoólicos Anônimos e Clinicas de Reabilitação
Uma das associações mais procuradas para quem deseja aprender a controlar o problema com a bebida é o Alcoólicos Anônimos (A.A). As reuniões são baseadas em trocas de experiências e a pessoa não precisa revelar o nome. Apesar disso, as reuniões ainda são extremamente marcadas pela presença dos homens e em algumas cidades há reuniões separadas para que as mulheres possam se sentir mais a vontade. Como o A.A. não mantém registros de seus participantes, não é possível saber hoje, quantas mulheres fazem parte da associação. Suas diretrizes se baseiam em 12 promessas que são renovadas a cada encontro e na luta dia-a-dia pela sobriedade.
Outra alternativa para as mulheres que tem problemas com o alcoolismo são as clínicas de reabilitação. Os preços variam entre R$ 1 mil e até R$ 5 mil e tem tempo médio de internação de 6 meses. Os métodos usados dependem de cada clínica e as regulamentadas pelos órgãos de saúde federal e estadual oferecem tratamento psicológico, médico e muitas vezes químico.