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O Dress Code na NBA: Um ataque a individualidade ou uma busca pela imagem profissional?

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Com mais de uma década medida ainda suscita polêmica

Por Felipe Ruan e Heitor Facini

No dia 17 de outubro de 2005, David Stern, na época comissário da Liga Nacional de Basquete, a NBA, introduziu uma nova regra em toda a liga. A partir da temporada seguinte todos os jogadores deveriam seguir um código de vestimenta único em todos os pré-jogos, entrevistas coletivas, eventos da liga, enfim, em tudo que envolvesse a NBA de alguma forma.

Os jogadores estavam proibidos de usar: camisetas regatas, bermudas, camisetas, camisas de times e acessórios esportivos (a não ser que seja apropriado ao evento, como clínicas de basquete), nenhum tipo de acessório para a cabeça (como bandanas, gorros, bonés), correntes, pingentes, medalhões, óculos escuros em locais fechados e fones de ouvido. Tudo isso, pode ser conferido no próprio site da NBA.

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Mesmo superastros como LeBron James tiveram que se adaptar à medida (Foto: Getty Images/Divulgação)

David Stern, na época, deu entrevista ao The Boston Globe explicando os motivos por ter criado o código de vestimenta. “É uma pequena coisa que contribui para o aumento do profissionalismo da liga. É o que o trabalho implica”, disse ele. “Nossos árbitros sempre estão bem vestidos de certa forma, nossos técnicos também. Chegou a hora dos jogadores”, afirmou.

Para o New York Times, Stern disse que tinha de mudar a forma como os jogadores eram vistos. “Nós percebemos que a reputação de nossos atletas não eram tão boas quanto eles são, e poderíamos fazer pequenas coisas para melhorar”. A verdade é que na época, a NBA tinha alguns problemas de tratar sua imagem. E isso por causa de um incidente que aconteceu na temporada anterior.

Os eventos catalisadores

No dia 19 de Novembro de 2004, houve uma enorme confusão na partida entre Detroit Pistons e Indiana Pacers. Há menos de um minuto para terminar a partida uma confusão iniciou em quadra, envolvendo vários jogadores de ambas as equipes. Em certo momento, um fã  arremessou um copo com bebida em Ron Artest (hoje conhecido como Metta World Peace). Artest foi atrás do torcedor, levando a briga também para o meio do público.

O episódio ficou conhecido como Malice at the Palace, ou numa tradução literal, “Malícia no Palácio”, em alusão ao nome do então ginásio do Detroit Pistons, The Palace of Auburn Hills. Ao todo 9 jogadores foram suspensos após o episódio num total de 146 jogos perdidos. Artest perdeu a temporada inteira e 5 milhões de dólares em salário.

No fim, este evento se juntou a outras ocasiões catalisadoras, como nas Olimpíadas de 2004. Quando o treinador da seleção estadunidense, Larry Brown, afirmou ter sentido vergonha num jantar oferecido em homenagem aos atletas, na cidade de Belgrado. Segundo ele, enquanto os jogadores sérvios, que também estavam lá, vestiam-se com os mesmos uniformes e jaquetas padrões, seus comandados usavam “roupas de treino, jeans enormes, brincos de diamantes cintilantes e correntes de platina”. Dentre eles superestrelas como Allen Iverson, Carmelo Anthony e LeBron James.

O Dress Code e o profissionalismo

Para tentar dar um jeito na imagem ferida da liga, houveram diversas ações. Uma delas foi a criação do NBA Cares. É um programa de responsabilidade social que visa fazer ações em todo o mundo com o intuito de apoiar a educação, desenvolvimento humano e causas relacionadas a saúde.

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Mas, o mais impactante e polêmico foi o caso do código de vestimento da liga. A consultora de estilo Jaqueline Damasceno acredita que o Dress Code tinha um intuito simples: deixar a liga mais profissional depois dos casos retratados. “Obviamente que, se o intuito do comissário da liga era tornar a liga mais profissional, criar um novo Dress Code mais limpo e menos despojado, contribuiria para elevar o conceito dos jogadores perante seu público”, opinou Jaqueline. “O escritor irlandês Oscar Wilde dizia que ‘só os tolos não julgam pela aparência’.  Mesmo não tendo a chance de falar com palavras, estamos sempre nos expressando na forma que nos vestimos. Em trabalhos de equipe, não pode haver um interesse individual; nestas situações de competições, funcionários ou esportistas devem ter por objetivo um foco coletivo. E atender a eventos, entrevistas ou reuniões, também faz parte do ‘trabalho’ da NBA”.

Quem concorda é Caroline Amaral, consultora  de imagem pessoal e corporativa. Segundo ela a padronização da vestimenta passa uma ideia de unidade sobre o time, além de conferir uma imagem de credibilidade, comprometimento e profissionalismo. “O Dress Code dá um ar profissional a qualquer empresa. Um time é uma empresa e possui seus valores e missão e isso é representado pelo tipo de vestimenta e comportados adotados e expostos pela sua equipe. O Dress Code do time é sua marca registrada e será através disto que será lembrado”, afirma Caroline.

Resistência, individualidade e Hip Hop

Mas, no geral, o código foi longe de ser bem recebido pelos outros .As principais críticas sofridas pela liga foram que o código de vestimenta era racista e criminaliza o movimento Hip Hop. Erick Jay é DJ do programa da TV Cultura Manos e Minas e também é atual campeão do DMC World 2016. Ele acredita que não podem impor o que alguém quer usar. “As roupas, expressões e comportamentos dizem muito sobre uma pessoa, seja no esporte ou no Hip Hop. É preciso ser livre para escolher o que quer ou não usar”, opinou o DJ. “Como a maioria dos jogadores da NBA vêm do gueto eles acabam optando por usar roupas largas, bonés etc. Esta atitude é uma forma de se expressar e de mostrar orgulho de onde vieram”.

Jason Richardson, na época ala-armador do Golden State Warriors disse que a medida tirava toda a expressão de um jogador. “Alguns têm significados até religiosos usando as suas correntes, outros tem mensagens pessoais. Eu acho que foi indiretamente racial”, afirmou. Ele ainda completou dizendo que “você pode ser um PhD e usar calças largas e ao mesmo tempo ser um criminoso vestindo um terno. Sua roupa não muda seu caráter”, disse a ESPN.

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Stephen Jackson, na época membro do Indiana Pacers, foi outro grande afetado pela medida (Foto: Domínio Público)

Stephen Jackson, ala do Indiana Pacers, que tinha se envolvido no caso do Malícia no Palácio, tinha certeza de que era uma atitude racista. “A proibição tem uma direção certa. A maioria das pessoas que usam corrente são negras e tem minha idade. Eu estou muito chateado com isso tudo”, afirmou à ESPN.

Vince Carter, na época jogador do New Jersey Nets, não concordava com o Dress Code e achava absurdo.  “Eu acho que as pessoas deveriam poder se expressar”, disse ele em entrevista ao Bergen Record. “Enquanto os caras usarem e vestirem aquilo que quiserem, estou com eles. Quem liga para o que eles vestem entre o ônibus e o vestiário?”.

Paul Pierce, na época, ala do Boston Celtics, não concordava com tudo aquilo. “ Nós não somos homens de negócios, somos da área do entretenimento. Eu acho que você deve vestir como se sente. Essa é a nossa beleza, que nós temos o tipo de criatividade de por nos expressar”, afirmou ao Boston Herald.

Marquinhos, ala do Flamengo, jogou na NBA entre os anos de 2006 e 2008. Segundo ele, quando ele chegou lá, por não saber muito inglês, sempre tinha alguém para orientá-lo quanto a como se vestir e como se portar. Mas, mesmo assim, ele acredita que os jogadores devem ter sua expressão. “Eu acho bem legal a ideia do jogador poder se vestir como quiser para ir ao jogo, aos eventos. Afinal, eles são os centro das atenções, a NBA só existe por causa deles. Cada um deve ter a liberdade de expressar seu estilo da forma como entender”, afirmou o jogador.

Allen Iverson em foco

E, o grande símbolo disso tudo era com certeza Allen Iverson. O armador do Philadelphia 76ers era uma das grandes estrelas da liga naquela época. Premiado como melhor da temporada de 2000-01 (a mesma que ele chegou as finais), a verdade (como ele era apelidado) era mais do que um ícone dentro das quadras, era um ícone cultural. Ele é considerado um marco por ter trazido não apenas o estilo de jogo do streetball (basquete de rua) mas sim toda a sua cultura – e com isso toda a cultura Hip Hop ao redor. Ele usava correntes, calças largas, bandanas, bonés, e tudo aquilo que a liga proibiu.

Além disso, vinha junto com ele uma bagagem maior do que simplesmente a forma de se vestir. Allen Iverson, quando era um jogador de basquete universitário havia sido preso de forma inafiançável por conta de uma confusão num boliche. De acordo com o documentário Iverson, de 2014 de Zatella Beatty, não havia nenhuma prova que culpasse  o jogador com o envolvimento. Mesmo assim, ele foi condenado a 5 anos de prisão. 

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Allen Iverson, grande expoente do estilo Hip Hop na liga foi o mais perseguido (Foto: Michael Wa/Flickr)

Aparentemente, Iverson era tudo o que David Stern não queria que fizesse sucesso na liga. E era o contrário que acontecia, o ala-armador era extremamente popular. No ano anterior a implantação do Dress Code, Allen Iverson era a 6ª camisa mais vendida de toda a NBA, de acordo com informações da própria liga. No ano do Dress Code, Iverson tinha a segunda camisa mais vendida da NBA. Além disso, ele tinha na época o quarto salário anual mais bem pago, recebendo $16,453,125. Ou seja, Allen, vestindo da forma que se vestia, tendo o passado que tinha, conseguiu o sucesso na liga que Stern comandava.

Isso mostrava que o Dress Code, se era direcionado a uma pessoa, com certeza era a Iverson. E o atleta percebeu que se tratava dele. “Eles estão atacando a minha geração – a geração Hip-Hop. Você pode colocar um assassino num terno, ele continua sendo um assassino”, afirmou o atleta em entrevista para o Washington Post.

Ao Philadelphia Inquirer, Iverson afirmou que não achava que era bom para a liga. “Eu acho meio falso. Você tem esses caras com diferentes personalidades, Tracy McGrady e diferente de Kobe. Kevin Garnett é diferente de Tim Duncan. E eu sou diferente deles. Cada um tem seu estilo e é injusto querer tirar isso das pessoas”, afirmou o armador.

De dentro não vêm apenas vaias

Mas, não foram apenas reclamações de atletas que aconteceram em relação ao Dress Code. LeBron James, ala do Cleveland Cavaliers, na época indo para a sua terceira temporada na NBA, não via problema. “Às vezes você não quer colocar as roupas adequadas, mas isso é um trabalho. A gente se diverte muito jogando basquete, mas isso é um trabalho e nós devemos nos vestir como se estivéssemos trabalhando”, disse ele ao Cleveland Plain Dealer.

Phil Jackson, técnico do Los Angeles Lakers na época, via como positiva a implantação do código. “Os jogadores estão se vestindo como prisioneiros tem uns 5, 6 anos. Tudo que se relaciona a gangsters, bandidos eles estão usando”, opinou em entrevista à ESPN.

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Jogadores em destaque da liga, como LeBron James e Dwyane Wade se posicionaram indiferentes ou à favor do Dress Code. (Foto: Alberto E. Rodriguez/Getty Images/Divulgação)

Charles Barkley, ex-ala pivô e comentarista de TV sabia que tinha o contexto racial envolvido com a criação do código. Mas, mesmo assim, ele era a favor. “Jovens negros se vestem como jogadores da NBA, mas, infelizmente eles não são pagos como jogadores da NBA. Quando eles forem para o mundo real o que eles vestem será usado contra eles”, disse ele em entrevista ao jornal The Guardian. “Se uma criança branca bem vestida e uma criança negra vestindo uma bandana e uma camisa regata larga vem a mim numa entrevista de emprego, eu contrataria a criança branca. Essa é a realidade”.

Jaqueline Damasceno, consultora de estilo acredita que por estarem nesse mundo corporativo, os jogadores têm de aprender a jogar aquele jogo. “Quando estes jogadores atendem ao mundo corporativo que os envolve, uma das principais regras é respeitar os códigos empresariais, sendo que a forma de se vestir pode ser uma dessas regras. E quem orquestra isso são os dirigentes de cada empresa. Se os jogadores estão em compromissos que os ligam diretamente à organização, devem se vestir de acordo com as regras”, opinou.

Parafraseando o pesquisador iraniano Albert Mehrabian, Isadora Dantas, diretora de projetos e fundadora da Id Comunicação Empresarial, afirma que 55% da comunicação pessoal se dá através do não-verbal, o que inclui a imagem e aparência. Posto isso, Isadora lembra que a liga norte-americana como empresa quer passar uma posição profissional ao resto do mundo e que aqueles que a representam devem estar cientes de seus papeis na exposição da marca. “Não se trata de ser ruim ou não, limitar o que as pessoas querem vestir ou não, trata-se do posicionamento da NBA frente ao mundo. Sim, na Era da globalização e do compartilhamento há bastante espaço para a exposição de nossa imagem pessoal, mas em momento empresarial devemos sim levar em consideração nosso papel naquele momento”, pondera Isadora.

As falas de Charles Barkley mostram que inicialmente o código em si pode não ter cunho racista, mas a sociedade que a NBA vive e a implantou tem. Ou seja, para conseguir melhorar sua imagem, para conseguir que tudo seja bem visto pelo público e população vestimentas de Hip Hop teriam de ser banidos da liga.

Dress Code para quem?

Mas, mesmo com toda essa divisão de opiniões o código em si, não aparenta ter sido extremamente seguido a risca por jogadores e penalizado da forma como foi anunciado pela liga. Marquinhos, ala do Flamengo, disse que não viu muita coisa acontecer no tempo que estava lá. “Eu nunca cheguei a ver alguém receber alguma multa lá. Sempre via eles usando roupas mais confortáveis”, lembrou o jogador. “Eu acho que no início até deu uma afetada, mas com o passar do tempo os jogadores começaram a dar um jeito de irem mostrando seu estilo dentro de quadra e dar uma revolucionada”.

Um dos claros exemplos de que o Dress Code não ter sido cumprido é Russell Westbrook, armador do Oklahoma City Thunder. Ele usa diversas vezes roupas extravagantes e chamativas. Já usou óculos escuros, camisas regatas, jeans, etc. E nunca foi punido por isso. Allen Iverson, agora ex-armador do Philadelphia 76ers, disse em entrevista a Complex que aquilo era com certeza um ataque direto a ele. “Se eles tinham um problema com o que eu vestia, eu não sei como eles não tem um problema com o que eles vestem hoje em dia”, afirmou o ex-jogador. “Eu sinto que a NBA estava apenas querendo me atacar”.

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Uma das grades críticas a David Stern é como ele enfatizou Allen Iverson, enquanto a medida não é mais tão bem cumprida. (Foto: Joel Jacob e Riccardo/Flickr, USAToday/Divulgação)

Porém, da mesma forma, Iverson não acha que a NBA deveria ditar o que eles usam ou não. “A NBA não pode vestir um homem crescido de forma alguma. Cada um tem seu próprio estilo, sua própria originalidade e sua própria maneira de se vestir. Eu seria injusto se achar que eles não devem se vestir assim”, opinou o ex-armador.

Erick Jay acredita que com o tempo foram vencendo essa barreira. “Antigamente era uma forma de preconceito, sim. Mas depois que a cultura Hip Hop cresceu tudo mudou. Fica difícil associar o basquete com outro estilo musical que não seja o Hip Hop. Sendo assim, o talento dos jogadores passou por cima disso tudo e o estilo Hip Hop continua caminhando lado a lado com a NBA”, opinou.   

Jaqueline Damasceno acredita que o Dress Code conseguiu seu objetivo com o passar dos anos, afinal. “Ele tornou os jogadores referência fashion. Mas, reforço, o equilíbrio é fundamental para não descaracterizar a imagem da liga e não se distanciar do conceito do perfil do esporte”.

Os próximos passos

A questão do momento, no entanto, é que o código de vestimenta pode estar com os dias contados. O novo Acordo Coletivo de Barganha, o CBA, tende a dar mais poderes nas mãos dos jogadores. O último acordo assinado, no ano de 2011, acabou resultando em 2 meses de greve. Mas deu um ganho tremendo para os donos das franquias. Para evitar isso, o novo acordo acaba dando mais poder aos jogadores. Eles poderão discutir regras, reavaliar punições, entre outras coisas. Isso significa o quê? Uma possível revisão em normas como o Dress Code, se assim os jogadores desejarem. Mas isso será avaliado só a partir de 2017, quando o novo acordo entra em vigor.

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Redação

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