Eventos ocorridos no âmbito político geram interesse, mas falta compreensão
Por Danielle Cassita
Em 2016, a presidente em exercício passou por um intenso processo político: o impeachment. Dilma Rousseff fora acusada de estar envolvida em pedaladas fiscais e edição de decretos de créditos suplementares, termos que dizem respeito a, respectivamente, atrasos em repasses a bancos da União para cobrir gastos governamentais e autorização de aumento dos gastos públicos sendo que o governo não sabia ainda se a meta fiscal seria atingida.
Por se tratar de um processo político envolvendo a presidente da República, a maior figura de autoridade do Estado, é natural que o ocorrido chamasse a atenção da população e até do exterior. De acordo com o portal Uol, o impeachment de Dilma Rousseff foi acompanhado por 82 milhões de telespectadores que viam a transmissão veiculada pela Rede Globo, emissora que possui posição de destaque nos índices de audiência.
Imagem: G1
Na Grande São Paulo, a transmissão atingiu a marca de 18 pontos, sendo que a média para os domingos é de apenas 16. O pico de audiência representou a marca dos 37 pontos, os quais foram registrados às 23:10 da noite.
Dois anos depois, uma situação semelhante surgiu no cenário político brasileiro: no início de 2018, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva foi condenado após o escândalo conhecido como “petrolão”. Sérgio Moro, juiz federal, condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão no ano passado, como pena pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em janeiro de 2018, o Tribunal Regional Federal da 4º Região confirmou a sentença e, por fim, aumentou-a para 12 anos e 1 mês.
O julgamento foi transmitido nos mais diversos veículos midiáticos: foi possível acompanhar o processo por meio de transmissões online no YouTube e redes sociais como o Twitter. Os membros do MBL (Movimento Brasil Livre) estudaram a possibilidade de instalar um telão na avenida Paulista, em São Paulo, para que fosse mais fácil de acompanhar a transmissão em tempo real. As emissoras de televisão também buscaram exibir o julgamento para seus telespectadores.
Em ambos os processos, é possível perceber que há um fenômeno novo ocorrendo: a espetacularização de processos políticos.
A sociedade do espetáculo
Em 1967, o escritor francês Guy Debord publicava o livro “A Sociedade do Espetáculo”. A obra traz a definição do termo que a nomeia como “o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens”. Neste contexto, faz sentido o motivo de tantos processos políticos serem tratados pelos meios de comunicação mais como um objeto do que como um fato propriamente dito.
Segundo o professor João Carlos Zuin, doutor em Ciências Sociais e atual professor da Unesp, “a espetacularização da política nasce com a generalização da televisão na segunda metade do século XX. A televisão transformou profundamente a política e o modo de fazer política: deslocou a atenção política dos comícios nas praças e das festas sindicais e políticas para os debates televisivos.”
A espetacularização das notícias políticas coloca o papel dos meios de comunicação em xeque (Imagem: Pexels)
Neste contexto, a televisão não age mais apenas como um meio de comunicação, uma vez que este veículo também adquiriu a capacidade de transformar a política em um espetáculo como qualquer outro; “é preciso encenação, antagonismo e discursos rápidos, em que os candidatos se transformam numa espécie de “gladiadores” que tentam vencer seus adversários”, aponta ele.
Trata-se de um processo que ocorreria de qualquer forma em função do rápido desenvolvimento dos meios de comunicação e da velocidade com que a informação é propagada atualmente. Contudo, Zuin ressalta que as classes dominantes, que têm o controle dos meios de produção, também são responsáveis pela dominação da construção social das palavras e das emoções – e é aí que entram também o cinema, a internet e o rádio, meios de divulgação de informação capazes de produzir indignações morais nos cidadãos.
Desvios na comunicação
Outro fenômeno que tem chamado a atenção é a ascensão de discursos de extrema-direita junto de adoração a representantes políticos que defendem tais ideais, como a defesa da pena de morte e armamento civil. Ainda de acordo com o estudioso, a espetacularização da política tem grande influência neste processo, uma vez que tal fenômeno reduz a capacidade de discernimento político entre os iguais e os diversos, os bons e os maus. Assim, abre-se campo para a proliferação de discursos agressivos e comportamentos sádicos.
Alguns meses antes, não parecia cabível que candidatos com discursos da extrema-direita pudessem vencer eleições. Este cenário é causado pela fomentação de tais discursos. Segundo o prof. dr. Maximiliano Martin Vicente, doutor em História Especial e atual docente da Unesp, o radicalismo encontrou formas de eliminar o posicionamento crítico da população.
As redes sociais têm papel fundamental na disseminação dos discursos (Imagem: Pexels)
Isso fez com que parte dos cidadãos esquecesse os períodos prósperos pelos quais o país havia passado, “já que esse discurso não interessa mais. O que interessa é o discurso conservador, que é fácil de ser divulgado: basta que você defenda a família, a moral e os bons costumes, e que a polícia tem que matar os bandidos à vontade – mas quem é o bandido? O outro.”, aponta ele.
Neste contexto, as redes sociais têm atuação que gera influência na parcialidade do público, uma vez que o conteúdo ali veiculado é recortado, conforme aponta Vicente. De acordo com o professor, o que vai para as redes sociais é a informação recebida pelos usuários, algo que se torna problemático a partir do momento em que tais informações são produzidas considerando apenas um ponto de vista; “Você discute o fato, não a causa”, conclui ele.