Os movimentos sentem que é preciso lutar dobrado para proteger as conquistas, principalmente as recentes
Em 1969, no bar Stonewall Inn, na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos, ocorreu nas primeiras horas da manhã do dia 28 de junho uma invasão policial. O motivo por trás de tal violência eram as pessoas que frequentavam o ambiente: homens e mulheres homossexuais, bissexuais, travestis, drag queens. A violência policial era a faísca que faltava. Começava ali o que seria chamado de “Rebeliões de Stonewall”, que foram lideradas por membros da comunidade Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis) (Primeiro nome depois a sigla (LGBT). Foram esses movimentos que deram origem ao que hoje os Estados Unidos e o mundo conhecem como Pride Month (“mês do orgulho”) – junho -, sendo dia 28 o dia oficial do orgulho LGBT.
Entretanto, o caminho para chegar até o “mês do orgulho” foi, e ainda é, árduo para a comunidade LGBT norte-americana. Esse movimento ganhou um líder não muito tempo depois das rebeliões de Stonewall. Harvey Milk foi o primeiro político abertamente gay no cenário estadunidense, inclusive sendo o fundador do Clube Gay Democrático de São Francisco, que mais tarde honraria Milk com uma mudança de nome do Clube. Harvey Milk crescia e levava a causa LGBT com ele. Além das paradas do orgulho LGBT que começavam a ganhar força na costa oeste, ele foi eleito Supervisor do Conselho de São Francisco em 1978, e levou à votação a medida que tornava ilegal a discriminação por orientação sexual na cidade. Ganhou. No mesmo ano, foi assassinado. Até hoje, Harvey Milk é um símbolo não só do movimento na cidade de São Francisco, mas de todo o país.
Altos e baixos constantes
Os passos para a comunidade LGBT se tornaram um pouco mais largos depois da grande década que foi a de 1970. Tanto é que de 1979 até 1984, registros mostram que as conquistas estavam em vantagem: 75 mil pessoas participaram da Marcha Nacional de Washington a favor dos direitos de Lésbicas e Gays, a maior até então; em 1980 o Partido Democrata declarou em sua Convenção Nacional apoio aos direitos LGBT; em 1982 Wisconsin se torna o primeiro estado norte-americano a proibir a discriminação com base na orientação sexual; dois anos mais tarde, em 1984, a cidade de Berkeley, na Califórnia, é a primeira a oferecer benefícios para parceiros do mesmo sexo.
Algo recorrente para os LGBT na política norte-americana, é que, na maioria das vezes, um passo para a frente significava também alguns para trás. Isso aconteceu logo em 1993, ano em que o programa “Don’t Ask, Don’t Tell” (em tradução livre: “Não pergunte, Não conte”), foi instaurado no exército americano. A medida proibia que homens e mulheres abertamente homossexuais fossem soldados. Foi um grande “chute” levando todos de volta ao “armário”.
É na virada do milênio, no ano de 2000, que a grande saga pela legalização da união entre casais do mesmo sexo começa oficialmente. Nesse mesmo ano, Vermont se torna o primeiro estado a permitir essa união. A partir disso, diversos outros estados legalizam a união e, até mesmo, o casamento. No entanto, tanto por seus estados serem extremamente autônomos, como pelo jogo político, diversos desses direitos conquistados foram muitas vezes revogados. Um verdadeiro jogo das cadeiras pelo país inteiro.
Da Proposition 8 até o “Legal in all 50 states”
Uma das revogações mais conturbadas e contestadas aconteceu na Califórnia. Famosa pelos artistas e pelo estilo progressista, a Suprema Corte da “golden coast” declarou em 2008 que casais do mesmo sexo tinham o “direito legal em se casar”. Isso aconteceu em maio daquele ano. Em novembro, mais de 18 mil casais já haviam realizado o casamento. Foi nesse mês que a reviravolta começou: os eleitores californianos votaram pela Proposition 8, a qual bania o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foram inúmeras campanhas e protestos até 2010, quando o juíz Vaughn Walker decretou que a Proposition 8 violava a 14ª emenda norte-americana, que rege “proteção igual a todos”.
Em 2015, a maior vitória que o movimento LGBT norte-americano conquista até então: a Suprema Corte dos Estados Unidos decreta – por 5 votos a 4 -, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser legal em todos os 50 estados.
A campanha de Donald Trump
Depois de 8 anos do governo Obama, muitos viam as eleições de 2016 com olhos desconfiados, sem certeza alguma. A eleição final foi disputada pela democrata Hilary Clinton e pelo republicano Donald Trump. Durante toda sua campanha, Trump foi claro em muitas coisas, ao mesmo tempo que era uma incógnita. Em questões LGBT, o magnata americano era crítico de uma lei aprovada na Carolina do Norte sobre o uso do banheiro de pessoas transsexuais. Ele também já havia afirmado mais de uma vez que era “a favor do casamento tradicional”. “As pessoas deram crédito a ele por mencionar causas LGBT durante sua campanha, mas ele nunca fez nenhuma promessa direcionada à comunidade”, afirma Zack Ford, editor do ThinkProgress.org e militante LGBT. “Ele só instigou as pessoas a serem islamofóbicas junto com ele. Agora, muitos se preocupam com as regressões desse governo”, continua Zack.
Outra questão para a comunidade LGBT com a campanha de Trump, era Mark Pence, seu candidato a vice. Pence era centro de uma controvérsia envolvendo uma lei de liberdade religiosa que todos acreditavam permitir discriminação contra LGBT. Além disso, quando membro do Congresso e governador de Indiana ele também criticava o governo Obama e a medida para pessoas transsexuais terem acesso ao banheiro desejado e era apoiador da “Don’t Ask, Don’t Tell”. O que mais incomodava, era a ligação que Mark Pence tinha com a terapia de conversão, também conhecida como “cura gay”. “Eu acho que a maioria das pessoas LGBT veem o governo Trump como uma ameaça, apesar de um grupo pequeno de homens gays privilegiados que são contra o movimento Trans acharem ele ótimo”, critica o editor do ThinkProgress.
Zack ainda afirma que “algumas regressões contra a igualdade LGBT já foram feitas”. “São elas as muitas promessas feitas para as pessoas religiosas e conservativas”, explica ele. A “caça às bruxas” começou de maneira quieta: as opções sobre orientação sexual e identidade de gênero haviam sido excluídas de pelo menos três pesquisas oficiais do governo. Chad Griffin, presidente do Human Rights Campaign (HRC) disse ao The Guardian que isso é “claramente uma tática para apagar as pessoas LGBT dos dados federais usados para informar orçamento e medidas do governo”. Outra decisão do governo que também causou alarde é a de liberdade religiosa, aquela apoiada pelo vice-presidente Pence. O risco dessa liberdade religiosa, é que ela protegeria patrões que se recusassem a garantir os benefícios de parceiros do mesmo sexo.
Mas o que o futuro ainda reserva? Para Fernando Quaresma, advogado e militante LGBT com grande envolvimento no cenário paulistano, “todos os avanços sociais correm riscos diante de um líder retrógrado como Trump, inclusive no Brasil”. Quaresma finaliza dizendo que “é uma liderança política negativa que prega contra o direito de igualdade”.
Pride Month e o silêncio de Trump
Dia 1º de junho marca o começo do “mês do orgulho”. Bill Clinton foi o primeiro presidente a proclamar na abertura do mês. George W. Bush, que sempre deixou claro ser contra a união de pessoas do mesmo sexo, não teve a mesma postura. Durante os 8 anos de governo, Obama fez questão não só de discursar, como também de oferecer uma recepção na Casa Branca para celebrar o movimento LGBT. Trump poderia ter sido o primeiro presidente republicano a reconhecer o mês comemorativo com uma pronúncia à nação, mas ele escolheu o silêncio.
O atual presidente se classifica como aliado da causa LGBT, mas ao mesmo tempo deixa rastros de ações que dizem o contrário. Por esse motivo, o silêncio de Trump foi ao mesmo tempo esclarecedor e ensurdecedor, mobilizando militantes e imprensa. O BuzzFeed, por exemplo, tentaram contato durante os 30 dias de junho sobre o porquê o presidente do país não ter mencionado o mês do orgulho. As únicas três respostas recebidas? “Deixaremos vocês cientes se algo oficial for publicado”, segundo o próprio BuzzFeed.
Pelo conservadorismo aflorado no mundo inteiro, o Pride Month norte-americano criou uma expectativa de novos climas. Um que seria muito mais político, crítico e que lembrasse as rebeliões de Stonewall, ocorridas 48 anos antes, no começo da ascensão da luta LGBT. O ciclo completo. “O Pride Month foi impactado com um tom mais político na maioria das cidades”, relata Zack Ford. “Em Washington, DC, nós organizamos a ‘Marcha para Equalidade’, que foi separada da parada. Movimento que aconteceu em muitas outras cidades também”, explica.
Apesar dos 48 anos passados e alguns direitos conquistados, os Estados Unidos do bar Stonewall ainda carrega pesadas semelhanças com o país que agora estampa em sua vitrine Donald Trump como presidente. O mês do orgulho de 2017 é só uma prova desse espelho. “Nós reconhecemos que estamos correndo riscos novamente”, lamenta Zack. A luta LGBT norte-americana é também um reflexo do que é a mundial: constante progresso, constante retrocesso.
Militantes do movimento LGBT, como Fernando Quaresma, acreditam que o cenário mais provável é o de retrocesso para a comunidade, mas a estagnação também é uma opção possível. A reação para esses cenários parece ser só uma – que aliás já acontece há incontáveis anos: lutar. “Precisamos lutar por nós mesmos”, reage Zack.