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O suicídio e suas faces

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Entenda os grupos de risco e saiba como combater

Por Ana Carolina M. Alves, Beatriz Akane Kuroki e Isabella Marão

O suicídio é responsável por uma morte a cada quarenta segundos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de um milhão de pessoas morrem anualmente por conta do suicídio, o que equivale a 1,4% das mortes totais. Mesmo com esse número significativo, apenas 28 países adotam estratégias nacionais para combatê-lo.
Por isso, o mês de setembro é marcado pela campanha mundial do ‘’Setembro Amarelo’’, que luta pela valorização da vida e a prevenção ao suicídio. O mês de setembro foi escolhido por conta do dia 10 de setembro, que é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.
Entender o que é o suicídio, como ele acontece, com quem mais acontece e suas causas é um dos primeiro passos para seu combate.

O suicídio afeta milhões de pessoas todos os anos. Fonte: Minutos Psíquicos 
Idosos e adolescentes ainda são um grupo muito vulnerável
De acordo com o Relatório Global para Prevenção do Suicídio da Organização Mundial da Saúde, de 2014, a faixa etária que mais cometeu suicídio está entre pessoas acima dos 65 anos de idade, sendo que 80% dessas pessoas são do sexo masculino. O Mapa da Violência do mesmo ano, que foi organizado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, mostra que há  8 suicídios a cada 100 mil habitantes com mais de 60 anos no Brasil. O estudo mostra também que entre os anos de 1980 e 2012, o número de casos de suicídios entre idosos aumentou em 215,7%.
Mas as estatísticas não aumentaram apenas para a terceira idade. Ainda de acordo com o Mapa da Violência, a taxa de suicídios entre pessoas de 15 a 29 anos teve um aumento de 27,2% de 1980 a 2014. Ou seja, a fase da adolescência também é uma época da vida conturbada e com altos índices de pensamentos suicidas, especialmente por conta de bullying na escola, depressão, uso de drogas e pressão social.
A gerontóloga Gislaine Gil, da Sociedade Brasileira Geriatria Gerontologia do Estado de São Paulo, explica que ‘’a relação de tentativas de suicídio é maior nos jovens do que nos idosos.’’ Isto significa que os jovens tentam se matar mais vezes e falham mais, mas também que os idosos conseguem cometer o suicídio em menos tentativas. Em geral, um adolescente realiza vinte tentativas até conseguir cometer o suicídio, e o idoso 4.

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Jovens e idosos fazem parte das faixas etárias que mais cometem suicídios no Brasil (Foto: Jovem Aprendiz Gastro)


Essa situação se dá porque o idoso procura usar métodos mais definitivos para cometer o suicídio e não ter a chance de pensar novamente na ideia. Outro fator a ser levado em consideração é que também, muitas vezes, o adolescente usa a tentativa de suicídio como forma de enviar uma mensagem, e não como busca pela morte. Já o idoso busca a segunda opção de forma imediata.
Apesar dos números elevados, a publicação afirma que o Brasil ainda apresenta um baixo número de suicídios em comparação a outros países, mas em números absolutos, é o oitavo país com as maiores taxas de suicídios do mundo.
A gerontóloga ressalta a importância de perceber os sinais de uma pessoa com comportamentos suicidas. ‘’O hábito de se machucar, como mutilações no corpo e as tentativas de suicídio sem a consumação são preditores de eventual suicídio das pessoas idosas’’, explica Gil.
Quando se trata da população da terceira idade, é importante notar que fatores como aposentadoria, isolamento da família, viuvez, diagnóstico de doenças e privação de espaço em sua própria casa podem levar um idoso a cometer suicídio. “Participação na vida comunitária, na família, definir novos objetivos de vida após a aposentadoria são fatores protetivos contra o suicídio’’, esclarece Gil.
Em questão de gênero, os homens são os que mais cometem suicídio. ‘’Mulheres idosas pensam mais em suicídio, mas quem mais efetiva são os homens idosos’’, explica a médica.
Neste caso, Gil aconselha tomar cuidado com alguns comportamentos como ‘’descuido com a tomada da medicação, colocar em ordem todos os seus pertences, desinteresse pelas coisas da vida, busca súbita de alguma religião, desinteresse em se cuidar e procura por médicos com sintomas vagos.’’
No caso dos adolescentes, falar sobre o suicídio pode ser um assunto complicado. Por isso, é importante apostar em métodos alternativos, como livros e séries, para abordar o tema de uma maneira mais leve. Em 2017, a Netflix lançou a série13 Reasons Why’’, que procura abordar o tema em uma linguagem jovem.
Depois do lançamento da série, a busca de informação sobre suicídio aumentou em 19%, sendo 1,5 milhões a mais de acessos em números absolutos e 20% das buscas sobre prevenção ao suicídio.
Fadiga por compaixão: as profissões e o suicídio
Ainda pouco considerado como fator principal de alguns casos, certas profissões são mais propensas ao suicídio do que outras. Um estudo feito entre 2003 e 2010 mostrou que o local de trabalho pode influenciar pessoas na hora de decidir se querem, realmente, tirar a própria vida. O resultado de uma pesquisa publicada pelo American Journal of Preventive Medicine afirmou que agentes de lei, profissionais ligados à saúde, agricultores e soldados são os trabalhos que mais possuem conexão com o suicídio.
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Pesquisadores descobriram que existe um número de fatores pragmáticos que contribuem para o suicídio entre os médicos, entre eles os fatores psicossociais e características particulares de personalidade. (Foto: Pixabay)


Esse estudo teve como objetivo descrever e comparar suicídios que ocorreram dentro e fora do espaço de trabalho, entre os anos de 2003 e 2010 e os dados colhidos também foram analisados juntamente com os acidentes fatais de trabalho do Bureau of Labor Statictics (BLS). Durante os sete anos, 1719 pessoas suicidaram-se dentro do próprio trabalho. Nos primeiros quatro anos, observou-se que a taxa de suicídios diminuía, mas a partir de 2008, ela aumentou drasticamente.
Na pesquisa, foi descoberto que homens tiveram uma maior porcentagem. Mais ou menos 2,7 a cada um milhão, com a idade média entre 65-74 anos e os que apresentaram maior taxa de suicídio foram os que trabalhavam com algum tipo de trabalho de proteção. Descobriu-se também que cada um milhão de trabalhadores suicidas, 5,3 se encontravam nessa área, fazendo com que ela seja considerada uma das mais arriscadas, seguidos por fazendeiros, pescadores e silvicultores. Todas essas informações foram retiradas de pesquisas feitas no exterior, mais especificamente nos Estados Unidos.
Esses números dentro das profissões citadas acima podem ter a ver com o que a psicóloga, psicoterapeuta e pós-doutoranda pelo Instituto de Psicologia da USP, Karina Okajima Fukumitsu, chama de fadiga por compaixão, ou Burnout. Essa síndrome ficou conhecida após a Revolução Industrial, em que a principal causa é a exaustão profissional. A fadiga por compaixão não é um problema do próprio ser humano, mas sim do ambiente social onde trabalha, o qual pode afetar negativamente a saúde mental, física e o bem-estar da pessoa. As chances de afetar profissionais são maiores quando estes estão relacionados a um alto grau de exposição a eventos traumáticos sofridos por eles mesmos ou terceiros.
Os médicos são um grande exemplo de como a Fadiga por Compaixão pode afetar seu trabalho e sua vida pessoal. De acordo com uma pesquisa realizada em 2006, mais de dois terços desses profissionais da saúde reportaram a Fadiga e quase um terço reconheceu estar com depressão. Isso ocorre devido à inúmeros fatores, um deles é a personalidade que caracteriza uma boa parte dos médicos, pois normalmente são conscientes, introvertidos e ansiosos. Eles evitam pedir ajuda, pois se consideram autossuficientes, criando altas expectativas em si mesmos e tendem a negar a angústia pessoal e qualquer tipo de auxílio.
O American College of Physicians aplicou uma pesquisa em médicos e quase 60% deles afirmou ter pensado deixar a medicina em algum momento da vida. E uma estimativa da American Foundation for Suicide Prevention indica que, em média, 300 a 400 médicos cometem suicídio por ano em todo o mundo.
“Eles precisam aprender a cuidar de si mesmos, ser congruentes com aquilo que eles acreditam. Se é a saúde, então precisam manter a sua própria primeiro”, completou a psicóloga Fukumitsu.
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Kurt Cobain, cantor, compositor e vocalista do Nirvana, suicidou-se em 1994. (Foto: Itapemafm)


Profissões como cantores, atores e performers sofrem a pressão de precisarem o tempo todo satisfazer pessoas, manter suas aparências, ser exemplo, além de não possuírem a devida privacidade. O diretor do Center for Suicide Research e professor da Universidade Estadual de Wayne, Steve Stack, um dos maiores pesquisadores sobre profissionais e suicídios, afirmou que a taxa de músicos que tiram a própria vida é três vezes maior que a média, através uma pesquisa que cobriu oito anos de certidões de óbito de profissionais relacionados com sua área de trabalho.
A pressão por ser diferente
A população LGBT também é uma das mais afetadas quando se fala em suicídio. Em um estudo realizado em 2012, pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, concluiu-se que um jovem LGBT tem cinco vezes mais chances de se suicidar do que um jovem heterossexual.
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Cena do filme “Orações para Bobby”, em que Bobby revela ser homossexual e sua mãe passa a submetê-lo a terapias e ritos religiosos com o intuito de “curá-lo”, mas ele não suporta a pressão e se atira de uma ponte, cometendo suicídio aos vinte anos de idade. (Foto: overdosedeamor.tumblr.com).


O estudo foi realizado a partir de uma pesquisa promovida anualmente pela Oregon Healthy Teens Survey, com trinta e dois mil alunos de escolas públicas entre 13 e 17 anos e foi descoberto também a importância de se criar ambientes abertos e não opressivos para esses jovens, que têm 25% menos chances de se suicidar se bem acolhidos pela família e pela escola.
A falta de apoio e aceitação dentro de casa, aliada à confusão pessoal da adolescência e a descoberta da identidade, são alguns dos principais pontos que podem levar um jovem LGBT a desenvolver uma depressão ou então cometer suicídio. “Eu demorei a entender o que eu sou e isso acabou me causando uma depressão não só por mim, mas por pensar em quem estava em minha volta, em como as pessoas iriam lidar, em ficar sozinho e sem ninguém, em perder o apoio de todos”, contou M., transsexual homem que pediu para não ser identificado.
Em uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Alagoas (UFAL), em 2013, 78% dos entrevistados afirmaram que já quiseram “sumir” e 49% admitiu que já desejou não estar mais vivo, sendo que 15% revelou ter coragem de cometer suicídio e 10% já tentou se matar. O estudo foi feito com mil e seiscentas pessoas, entre 12 e 60 anos, com 72% de homossexuais e 28% bissexuais, sendo 59% homens e 41% mulheres. De acordo com os entrevistados, a falta de apoio espiritual, a indiferença e o preconceito são fatores marcantes dentro da depressão e do suicídio.
“O sentimento vem de quando somos diminuídos e rejeitados perante a sociedade. Muitas vezes deixamos de conseguir emprego por isso e desde pequenos sofremos bullying na escola ou até mesmo dentro de casa”, disse M. “Na maioria das vezes somos rejeitados apenas por sermos nós mesmos e não podemos ir na igreja em paz, não podemos andar na rua sem medo e isso tudo gera um sentimento muito ruim, de inferioridade, de diferença. Numa situação assim, sem apoio, sem nada além de medo e um sentimento de fracasso, é amargo”, explicou ele.
Como lidar com o comportamento suicida?
Lidar com uma pessoa com comportamentos suicidas requer uma atenção especial. O sentimento da pessoa precisa ser legitimado. “Cada vez que a gente abre espaço para essa vulnerabilidade humana, para essa dificuldade, aquilo que nos faz sofrer, a gente não pode deixar essa dor ser silenciada.” conta a psicóloga Karina Fukumitsu.
Outra recomendação da psicóloga é que quando verbalizar que quer se matar, a abordagem correta é perguntar o porquê e entender de onde vem a dor da pessoa, não simplesmente pedir para que a pessoa não se mate. Manter o foco naquilo que acredita e não se cobrar tanto também é importante. E caso o cansaço, a falta de vontade de realizar coisas apareça, o primeiro passo é abrir espaço para que esse sentimento seja compartilhado e falado.

Redação

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