Prefeitura de Bauru planeja uma revitalização que já ocorre sem investimento do poder público
Por Ana Carolina Moraes, Giovana Amorim, Laura Botosso e Yuri Ferreira
10 mil metros quadrados, paredes brancas altíssimas; pelas frestas da porta é possível ver o mármore do chão e o balcão feito de uma madeira tão boa que, mesmo depois de 80 anos, parece intacta. A construção salta aos olhos pelo simbolismo e imponência. No fundo de vale que margeia o Rio Bauru está a antiga estação ferroviária da cidade. A partir dela, o centro de Bauru se expande até a Avenida Nações Unidas. 
A principal área comercial do município é feita de contrastes. As lojas de eletrodomésticos, vestuário, os pontos de alimentação, tão presentes no coração do centro, ficam mais escassos quanto mais perto da antiga estação ferroviária, ali nas primeiras quadras do Calçadão da Batista de Carvalho e da Avenida Rodrigues Alves.
 Neste trecho, a memória do apogeu da linha férrea na cidade paira sobre uma praça com uma base policial, o prédio imenso da estação ferroviária, hotéis velhos, comércios fechados, pessoas em situação de rua e a linha do trem. O perecimento do local é externado em  conversas que se repetem:  “hoje aqui está cada vez mais decadente”.

A Noroeste do Brasil foi responsável pelo desenvolvimento de Bauru / Foto: Ana Carolina Moraes
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Cinco décadas depois, o epicentro desenvolvimentista da cidade conheceu o abandono por causa da desativação do transporte de passageiros pelos trens. “Até então, quem mantinha a ferrovia era o governo do estado. Quando veio a privatização, o governo passou tudo para as mãos da iniciativa privada. Então foi preciso fazer uma adequação de tudo que eles tinham pegado. Depois começaram a desativar aquilo que não era operacional e as linhas tidas como supérfluas; foram diminuindo a quantidade de trens ao longo do tempo porque não entendiam o centro oeste como atrativo,” elucida o diretor do museu.  
 Sem o fluxo de pessoas que viajam pelos trilhos, o comércio na região central caiu e a área ficou cada vez mais esvaziada. O espaço passou a ser ocupado por pessoas em situação de rua; a marginalização destes, somada a decadência do local por falta de investimentos, afastou o interesse do capital para investir na recuperação da área por quase duas décadas.
 Apesar deste cenário, Sanches insiste que a ferrovia ainda é um símbolo para a cidade. “Quando se fala em ferrovia, fala-se do passado. Mas na verdade a ferrovia ainda é um meio de transporte atual, que tende a crescer. O que não tem mais é o transporte de passageiros por trem”, conclui.
Trilhos
Não diferente das outras cidades brasileiras, Bauru é repleta de edifícios que, com o passar do tempo, foram esvaziados de funcionamento e pessoas; caíram no esquecimento. Muitos servem de  teto para moradores de rua e abrigo para usuários de drogas, passando de solução à  um problema que as  políticas públicas existentes não conseguem dar conta, já que abandonam essas pessoas à sua própria sorte. O antigo e enorme prédio do INSS, erguendo-se ainda imponente no centro da cidade, é um exemplo disso. Ao mesmo tempo, uma verdadeira aula de cidadania são as ocupações culturais destes  espaços. A Estação Ferroviária bauruense atualmente abriga em seu prédio 10 entidades e coletivos, como a Casa do Hip Hop, iniciativa do Instituto Acesso Popular, que oferece ao seu entorno oficinas de formação dos quatro elementos do Hip Hop – DJ, rap, breaking e graffiti – e um cursinho pré-vestibular popular. 
Os trilhos de ferro da Noroeste do Brasil fizeram parte da história de Carlos Renato Moreira, ou Magu, militante da cultura Hip Hop e presidente do ponto de acesso à cultura Casa do Hip Hop de Bauru. Ele conheceu o movimento através da cultura vinda nos vagões com aqueles que se aventuravam a buscar, na capital paulista, as produções da cena na época. De fato, o Hip Hop é um movimento cultural filho da norte americana Nova Iorque dos anos 1970 e, no Brasil, seu berço adotivo foi São Paulo. “Naquela época, sem essa facilidade de informação que a gente tem, a galera precisava ir para São Paulo pra tá buscando esse conhecimento. E a maioria dessas pessoas iam de trem pra lá. Pegavam esse trem aqui, de manhãzinha, ia até São Paulo, comprava um disco, trocavam ideias com a galera de lá e voltavam no mesmo dia”, explica Magu a respeito da importância da Noroeste do Brasil – NOB – para esse primeiro contato bauruense com o hip hop. 
Os trilhos bauruenses foram construídos sobre o sangue dos indígenas Kaygangs, nativos da região que foram dizimados e tiveram sua cultura desconsiderada em nome do progresso econômico de Bauru. “A gente sabe que essa ocupação da estação na cidade foi uma parada meio zoada, né? Porque os caras mataram índio para caralho aqui, então isso aqui foi um local de muito sofrimento, né?” enfatiza o militante da cultura Hip Hop. 
O  sofrimento fluía também onde atualmente é a sala de dança da Casa do Hip Hop, local da antiga   chefia da estação. Um antigo ferroviário contou para o presidente do projeto que os trabalhadores que ali entravam geralmente eram demitidos. Magu ressalta que o marcante foi o funcionário expressar a transformação do espaço ao dizer que muita gente fora infeliz ali, diferente de  hoje, já que muitas pessoas são felizes por conta do projeto. “Você muda até a questão da energia do local. Então, a gente poder mobilizar tanta gente em torno da ideia de ter a cultura como fomentadora de sonhos, é especial”.
Mesmo  oferecendo 900 vagas para atividades culturais, esportivas e profissionalizantes, a Casa do Hip Hop é alvo do descaso do poder público municipal, funcionando exclusivamente pelo  trabalho de voluntários dedicados. Magu  relata  que “não existe subsídio da iniciativa privada, muito menos do poder público. A gestão financeira do espaço é a mais fácil de fazer, porque não existe nada financeiro aqui. A maioria das coisas é colaboração direta dos participantes da direção e de quem usufrui do espaço”.
A Casa do Hip Hop foi o primeiro coletivo a ocupar o prédio. Apesar da prefeitura ter feito a concessão, Magu conta que os voluntários do projeto foram os responsáveis por remover aproximadamente 2 toneladas de lixo do andar por eles utilizado, e que as paredes possuem cores diferentes pois foram pintadas com restos de tintas doadas. O espaço carece de estrutura de acessibilidade, a fiação elétrica existente foi improvisada e custeada com dinheiro de eventos realizados no local, e não há banheiros para atender as pessoas que circulam por ali. O poder público só financiou a reforma da área onde pretendem instalar a Estação das Artes, com novo relógio e sineta, demonstrando negligência e descaso com entidades como a Orquestra Sinfônica Municipal e a ARACI Cultura Indígena. 

Nelson Triunfo visita a Casa do Hip Hop e dá oficina de Funk e Soul, Novembro 2017 / Foto: Reprodução/Semana do Hip Hop Bauru

Foto: Mateus Cussioli

Foto: Ana Carolina Moraes