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Os 100 anos do fim da Primeira Guerra Mundial: pode um conflito do século passado inspirar a atual Guerra na Síria?

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Marcada pela presença do imperialismo, a Primeira Guerra Mundial foi o estopim da busca por novos terrenos e aliados comerciais, muito semelhante à briga do petróleo na Síria

 

Por Gabriel Oliveira
O início do século XX foi marcado por várias disputas ideológicas e econômicas na Europa e na África. Os países dominantes, como Alemanha e Áustria-Hungria, acreditavam, dentro de uma campanha de superioridade racial, que o mundo poderia ser deles e por isso passaram a invadir países vizinhos e até mesmo de outros continentes, o que foi chamado de imperialismo. O objetivo era expandir: o capital, o poderio econômico e territorial, além do domínio cultural – seja dentro do seu próprio país ou também em outras nações.

Foi pensando em expandir os horizontes que a Áustria-Hungria invadiu e enfraqueceu o Império Otomano, enquanto a Alemanha varreu a Bélgica e chegou a entrar em choque com a França – o que ficou conhecido como Guerra de Trincheiras. Enquanto a França contava com a Inglaterra e com a venda de armamentos dos Estados Unidos para lutar contra os alemães, a Rússia batia de frente com a Áustria-Hungria, que ao contrário do que se esperava não demonstrou tanta força bélica a ponto de resistir.

O fim, decretado em 11 de novembro de 1918, ou seja, há quase 100 anos, foi marcante para a derrotada Alemanha: ela perdeu todas as regiões que conseguiu conquistar, tornou-se uma república quebrada, caduca e sem qualquer apoio militar, uma vez que tinha sido proibida de produzir armamentos e ter uma frente de exército. Além disso, teve que ver as principais concorrentes europeias fortalecidas com novos territórios na África e na própria Europa, bem como ser um país sem qualquer influência na recém-criada Liga das Nações.

Um século depois, a Guerra na Síria, ainda que não de forma mundial, mas já bastante internacionalizada, tem efervescido e tomado um espaço contundente na imprensa mundial. Enquanto os exércitos de Bashar Al Assad lutam contra rebeldes – ou podemos dizer contrários à sua permanência na presidência da Síria por conta de denúncias de corrupção dos WikiLeaks –, os curdos, apoiados pelos norte-americanos e pelas principais forças da União Européia, também entraram na guerra, pelo lado dos rebeldes, contra o regime de Assad. Já o Estado Islâmico, em uma outra frente de batalha, mas esta mais fragilizada, tenta entrar na região para estabelecer um califado.

Cada um tem o seu objetivo neste conflito: as forças de Assad para estabelecer o domínio político da região; o exército de rebeldes para tomar o poder hoje ocupado por Assad; os Estados Unidos e a União Europeia, muito possivelmente, pelo interesse nas jazidas de petróleo da região; e o Estado Islâmico, a sua expansão ideológico-religiosa. Princípios muito semelhantes aos que foram vistos há 100 anos, na Primeira Guerra Mundial, com o imperialismo.

João Gilberto Walmsley Melato, 22, está no último ano do bacharelado com licenciatura em História pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e possui um projeto pessoal de estudo das grandes guerras. Ele conversou com nossa reportagem e comentou desde a essência da Primeira Guerra Mundial até o interminável confronto no Oriente Médio. Afinal, pode um conflito do século passado inspirar a atual Guerra na Síria?

GP – Qual a verdadeira importância das políticas imperialistas para o estopim da Primeira Guerra Mundial? Porque é de senso comum que este foi um dos pontos principais do início do conflito, mas qual a relevância do que podemos chamar de uma ideologia imperialista para o início da Primeira Guerra Mundial?
JG – A questão da Primeira Guerra Mundial e do imperialismo caminham lado a lado. Veja, nos 30 anos que antecederam a guerra, nós tivemos o maior número, desde a Antiguidade, de governantes e chefes de Estado que se autodenominavam imperadores. Reivindicavam esse título os governantes da Alemanha, Áustria, Turquia, Reino Unido, Rússia, China, Pérsia e, até 1889, também do Brasil. Havia também o caso de Etiópia e Marrocos, que os governantes não eram imperadores, mas os diplomatas ocidentais chamavam eles assim em sinal de respeito e cortesia. O historiador Eric Hobsbawm argumenta que isso mostra que as pessoas estavam buscando explicar com um termo antigo, o de Império, um fenômeno que era novo: o imperialismo.

GP – Mas o que consistia, de fato, este fenômeno novo que era o imperialismo?
JG – Então, diferente dos impérios de outros tempos, os impérios do final do século XIX não queriam apenas exportar suas mercadorias, eles queriam exportar o próprio capital. Isso significa dizer que, conforme a livre-concorrência ia dando lugar ao aparecimento de monopólios industriais e bancários, esses capitalistas se fundiam – em trustes, associações etc. – e passavam a buscar novas oportunidades de investimento e acumulação em vastos territórios ainda não explorados, com uma força de trabalho barata, etc. Os capitalistas alemães e ingleses investiram em ferrovias no Brasil entre meados e final do século XIX e, ao contrário do que diz a lenda, nem sempre tinham grandes objeções a fazer uso mesmo do trabalho escravo. Essa fusão entre o capital industrial e o capital bancário é o que alguns economistas da época, como John Hobson, chamaram de capital financeiro.

Isso eventualmente levava à organização de instituições financeiras ou políticas de capitalistas, interessadas em partilhar o mundo. E de fato, se você pegar o mapa de 1914, verá que não havia nenhum território que não estivesse sob a dominação política direta ou indireta de um pequeno punhado de potências, principalmente Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, Estados Unidos e Japão. A exceção era um punhado de repúblicas independentes na América do Sul e Central, mas que eram economicamente dependentes dos países desenvolvidos. Com o tempo, a partilha do mundo foi completa e, impossibilitadas de buscar novos territórios, as potências imperialistas começaram a disputá-los entre si. Assim, deu-se início à Primeira Guerra Mundial.

GP – Mas então por que o assassinato de Francisco Ferdinando é considerado o acontecimento que iniciou a Primeira Guerra Mundial?
JG – Basicamente, porque os governos viram nisso uma desculpa vantajosa. Quando Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria-Hungria, foi assassinado pelo nacionalista iugoslavo Gavrilo Princip, o Império Austro-Húngaro respondeu com uma invasão ao Reino da Sérvia. Mas é possível afirmar que a guerra não teria acontecido, não fosse esse evento em particular? Me parece muito difícil. A quantidade de países que entraram na guerra, com base em alianças entre impérios formadas justamente no período anterior, mostra que o conflito envolveu questões muito maiores do que a sucessão austro-húngara.

Veja, a indústria bélica teve um grande crescimento entre o século XIX e o XX. Os Estados promoviam políticas protecionistas para fortalecer esse setor de sua economia, o que lhes era vantajoso, tanto do ponto de vista econômico quanto do político, como forma de fortalecer o aparato repressivo do Estado em caso de convulsões sociais internas, bem como para armar-se contra possíveis investidas de potências concorrentes. A “corrida armamentista” começou bem antes da Guerra Fria.

Também não é possível dizer que o que existiu entre 1870 e 1914 foi uma situação mundial pacífica. A colonização belga do Congo, por exemplo, envolveu a mobilização forçada de nativos para trabalhar na extração do marfim – e os soldados belgas tinham ordens para não hesitar em empregar a força bruta para manter os homens trabalhando, bem como para recrutar à força em aldeias locais novos trabalhadores sempre que a força de trabalho se tornasse escassa – fosse porque fugiram, porque morreram, ou porque tornaram-se inválidos ao trabalho pelos castigos físicos que os soldados belgas aplicavam, que incluíam mesmo o decepamento das mãos. O historiador Adam Hochschild calcula que cerca de 10 milhões de congolenses morreram. Ou seja, estamos diante de um holocausto negro que aconteceu a apenas algumas décadas de distância do holocausto judeu.

GP – Então, podemos concluir, o assassinato de Francisco Ferdinando não foi o que verdadeiramente deu início à Primeira Guerra Mundial?
JG – Não devemos negar a importância que teve a morte de Ferdinando, especificamente em conquistar o apoio popular à deflagração da guerra. Esse foi um período em que diversos tipos de interações culturais foram experimentados. A propaganda estatal atuava para relacionar a identidade das massas da população à do império a que faziam parte – de forma que, no momento em que Francisco Ferdinando fora assassinado, não poucos habitantes dos territórios austro-húngaros devem ter encarado aquilo como uma ofensa a eles mesmos.

GP – Por meio de alianças das frentes de batalhas da Primeira Guerra, mais especificamente com França e Inglaterra, os Estados Unidos se firmaram como a grande potência mundial. Qual o interesse dos Estados Unidos no conflito? Por que eles saíram tão fortalecidos?
JG – Na verdade, não acredito que tenham saído tão fortalecidos da Primeira Guerra Mundial. De fato, foram vencedores, e o desmembramento do império alemão pode ter sido de importância fundamental na sua futura ascensão. Também é verdade que o recrutamento de soldados aumentou, passando a incluir mesmo os portorriquenhos, mas dos pontos de vista econômico e militar, a maior potência mundial ao fim da Primeira Guerra era a Inglaterra.

Os Estados Unidos se consolidariam como potência mundial ao final da Segunda Guerra Mundial. Primeiro, porque seu governo conseguiu encontrar, através da política do New Deal, uma saída favorável para a crise econômica de 1929 antes dos demais. Isso permitiu que a concentração de capital e a formação de uma poderosa oligarquia financeira se intensificasse nos EUA. Além disso, a participação “moderada” na Segunda Guerra Mundial, intervindo nos momentos finais do conflito e, portanto, sem sofrer as mesmas baixas, permitiu aos EUA ascender à posição de maior potência mundial e a de participar na reconstrução de seus aliados ocidentais – o que fortaleceu sua hegemonia mundial.

GP – Um dos resultados da guerra foi o total enfraquecimento da Alemanha, o que deu início, basicamente, à República de Weimar. Um país caduco, totalmente destruído, com a sua população desiludida diante da derrota na Primeira Guerra. O quanto isso influenciou na ascensão de Adolf Hitler ao poder – sendo ele o grande personagem da Segunda Guerra Mundial?
JG – Essa é uma questão, até certo ponto, complexa. Como eu mencionei acima, a propaganda imperialista promovia a identidade racial dos brancos europeus. Essa identidade era, evidentemente, voltada contra os povos que eles buscavam dominar – os “bárbaros” da Ásia, América e África. No entanto, em determinadas condições, essas identidades poderiam voltar-se contra outros povos brancos. O caso mais evidente é o da Rússia, que era representada ora como uma pulsante potência europeia, ora como um reino despótico típico do barbarismo oriental – representação esta que se intensificou com a revolução bolchevique em 1917.

Mas é também o caso da Alemanha: em 1914, o historiador francês Émile Boutroux publicou um texto chamado A Alemanha e a Guerra, no qual afirmava que os alemães eram descendentes dos godos e dos vândalos, que por sua vez seriam descendentes dos hunos. Para Boutroux, isso explicava a inferioridade cultural dos alemães em relação aos franceses e ingleses – e explicava também porque eles deveriam ser vencidos na guerra. Trata-se de um panfleto racista, mera propaganda de guerra, mas que ilustra bem meu ponto: a identidade racial poderia ser a ideologia do extermínio ou da conquista de um povo branco por outro.

É preciso considerar que os alemães perderam muito na guerra. Além das perdas humanas, coisa que compartilhavam com os outros participantes, eles também foram desmembrados enquanto império – além de seu sistema de governo ter sido transformado em uma república, suas colônias foram transferidas a outras potências. Isso soou como uma humilhação para muitos alemães, se considerarmos que a identidade nacional das pessoas era, nesse momento, fortemente baseada em critérios raciais e de pertença a um império.

Assim, podemos explicar o apoio da população alemã – e principalmente da sua classe dominante – como uma tentativa de refundar o imperialismo germânico, submetendo outras etnias a ele, verdadeiramente escravizando ou mesmo exterminando outros povos. Não à toa, Hannah Arendt, em seus primeiros estudos sobre o totalitarismo, chamou o nazismo de “imperialismo racial”. Só é uma pena que ela tenha abandonado o termo depois. Mas esse é só um aspecto da história do nazismo. Seria preciso analisar muitos outros para explicá-lo corretamente.

GP – Um dos resultados da guerra foi a criação da Liga das Nações que é, praticamente, a atual ONU (Organização das Nações Unidas). Qual foi a importância da criação da Liga das Nações para época? E qual a importância da ONU no cenário atual nos conflitos mundiais?
JG – Faz-se necessário entender quais nações estavam excluídas da Liga das Nações: a Turquia, a Alemanha e a Rússia soviética. A paz desejada pela Liga das Nações era uma paz baseada no domínio das nações vencedoras da Entente. Na prática, muitas dessas nações haviam, em plena guerra, enviado seus soldados para a Rússia, em apoio ao Exército Branco, na tentativa de parar a Revolução de Outubro. Sua principal função era manter, não a paz em geral, mas a paz dos vencedores. Para isso, baseava-se numa concepção de equilíbrio de poder entre as potências que datava da época do Antigo Regime. Ao não conseguir manter a paz, a Liga deixou de existir e entregou suas funções e estruturas à ONU.

Em relação a ONU, acredito que ela segue em termos gerais a mesma concepção de equilíbrio de poderes – por isso conta, em seu Conselho de Segurança, com cinco nações que podem exercer poder de veto. Isso não é necessariamente ruim, uma vez que em 2013 a Rússia e a China vetaram o que seria o primeiro bombardeio norte-americano na Síria. Mas só isso não basta, é preciso entender que, ao invés de um equilíbrio entre superpotências, o que precisamos é enfrentar a desigualdade mesmo no terreno das relações entre Estados nacionais.

Prova disso é que a ONU parece ser cada vez menos relevante. Ela não conseguiu arbitrar a guerra civil ucraniana, e tampouco foi consultada pelos EUA antes do último ataque à Síria, decidido aliás em tempo extremamente curto.

GP – Atualmente, vivemos um conflito na Síria, com várias frentes de batalha. De um lado, as forças Sírias defendendo a permanência de Bashar Al Assad no poder mesmo com as denúncias de corrupção – esta frente com o apoio da Rússia, do Iraque, do Irã e do Líbano. Do outro lado, os “rebeldes” – ou podemos chamar de contrários à permanência de Assad no poder – e os curdos, todos com o apoio dos Estados Unidos, da União Europeia e da Austrália. E temos também uma terceira frente de batalha, que é o Estado Islâmico, em busca de um califado na região. Apesar de não ser uma Guerra Mundial se aproxima muito disso pela internacionalização do conflito. Podemos dizer que há uma política, de certa forma, imperialista – apesar de não oficial – neste conflito? Porque há, claramente, um interesse econômico na região – envolvendo, por exemplo, a extração de petróleo.
JG – É importante adicionar também a participação das monarquias árabes – como Arábia Saudita e Qatar – na coalizão rebelde. Os veículos de comunicação mainstream normalmente nos vendem a imagem de que essa coalizão é, de alguma forma, a representante da democracia, lutando tanto contra a ditadura corrupta que seria representada pelas forças que defendem Assad, quanto contra o fundamentalismo islâmico que seria representado exclusivamente pelo Estado Islâmico. A própria coalizão chama a si mesmo de Forças Democráticas Sírias, mas as coisas não são bem assim.

A Arábia Saudita e o Qatar são ambos países governados por monarquias fundamentalistas altamente centralizadas. Além disso, antes da adesão dos curdos, a principal força militar da coalizão, então conhecida como Exército Livre Sírio, era a Frente Al-Nusra, uma organização fundamentalista cujo objetivo é estabelecer um califado islâmico – ou seja, exatamente o mesmo objetivo do Estado Islâmico. Em 2013, a Al-Nusra jurou fidelidade à Al-Qaeda e, em 2014, seu líder teve o nome retirado da lista de procurados do departamento de Estado norte-americano. Assim, é necessário afastar o mito de que o interesse dos Estados Unidos seja o de promover a democracia na região. Tampouco estão sequer preocupados com a situação dos curdos: recentemente, Trump permitiu tacitamente que Erdogan, o presidente turco, atacar a guerrilha curda de quem os EUA eram aliados desde 2015. E os curdos foram, paradoxalmente, apoiados pelo Exército Árabe Sírio, com quem estavam em guerra.

Apesar de julgar que a questão do petróleo é uma explicação importante, também acho que há outros interesses fundamentais do imperialismo na região. Por exemplo, enfraquecer os grupos guerrilheiros que se proclamam anti-imperialistas que atuam no Líbano e na Palestina. Na visão do departamento de Estado norte-americano, o Hezbollah libanês é fomentado pelos seus patrões Síria e Irã. Separar territorialmente o Hezbollah de seus supostos patrões é objetivo confesso dos estrategistas norte-americanos desde a segunda Guerra do Iraque. Com a queda de Saddam Hussein, eles pareciam haver conseguido separar o Irã da Síria, e agora seria o momento de derrubar Assad, deixando o Irã e o Líbano isolados territorialmente. Com isso, a vida dos políticos sentados nos prédios do governo de Israel se tornaria muito mais tranquila – e o Estado de Israel é uma testa-de-ponte fundamental para a inserção militar norte-americana no Oriente Médio.

Me arrisco a dizer que o que assusta mais os estrategistas norte-americanos não é a participação russa ou chinesa, mas a de grupos guerrilheiros como o mencionado Hezbollah e a Frente Popular pela Libertação da Palestina. Embora um exército regular seja um inimigo dotado de amplo arsenal, os grupos irregulares podem ser uma pedra no sapato ainda maior, por fazerem a guerra de uma maneira diferente. Devido à atuação de diversas facções, milícias e organizações guerrilheiras no Iraque, os Estados Unidos nunca conseguiram colocar totalmente em prática seu plano para um governo de transição. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais têm evitado enviar tropas terrestres e navais para a Síria, apoiando-se ao contrário em grupos irregulares que conseguem cooptar, como a Al-Nusra e, até pouco tempo, a guerrilha curda.

Há ainda um terceiro fator que tenho visto alguns analistas apontarem e acredito que faça sentido. A guerra, em si mesma, gera lucro. Quando um país faz a guerra contra outro, ele consegue ao mesmo tempo consumir e destruir mercadorias – duas ações que estão inscritas nas leis da economia capitalista. A guerra gera empregos, e evita as crises de superprodução porque ela destrói as mercadorias – e muito mais – ao mesmo tempo que as consome. Como já deve ter ficado claro, mercadorias nesse caso são os próprios armamentos. Segundo esses analistas, se fosse possível uma guerra eterna, não existiriam mais crises no capitalismo.

E depois da guerra, há a necessidade de reconstruir um país. Quem o fará? O Estado sírio poderia tentá-lo, mas com certeza terá sido deixado com uma infraestrutura muito precária para tal empreitada. O jeito será apelar para a ajuda de empresas privadas. Mesmo que Assad não caia, a chance de essas empresas serem norte-americanas não é pequena, se considerarmos o alto nível de internacionalização do capital norte-americano (em outras palavras, a burguesia norte-americana tem ações na maior parte das empresas do mundo). E mesmo se imaginarmos que Donald Trump resolva sancionar qualquer empresário americano que negocie com a Síria, as empresas alemãs ficariam felizes em fazer negócio, como aliás já fazem com o Irã. Isso também ajuda a explicar porque os alemães, embora não se envolvam tão diretamente na guerra como fazem Estados Unidos e França, também não fazem nenhum esforço substancial para pará-la.

GP – Mas como você vê este confronto na Síria? Você acha que está próximo de acabar? Qual a sua posição diante do conflito?
JG – Virtualmente, a guerra civil síria poderia ter se encerrado no final de 2017. Não só as principais cidades gradualmente passavam ao controle do governo, como a ofensiva do Exército Árabe Sírio contra o Estado Islâmico havia-o obrigado a recuar. Ao ver a organização terrorista aproximando-se perigosamente de seu território, o governo iraquiano – ao lado de milícias iranianas que atuam no país – lançou-se à ofensiva, cercando os terroristas. Na prática, ao travar essa batalha, as forças sírias e iraquianas ocuparam também importantes territórios que antes estavam sob controle das FDS. Virtualmente, portanto, a guerra estava terminada. Mas não potencialmente, devido à presença de diversos grupos armados tanto dentro da Síria quanto em seu entorno. Os Estados Unidos se viram, então, diante de uma derrota militar verdadeiramente desmoralizante: afinal, se haviam participado da guerra para enfraquecer as ligações e redes de apoio material entre os grupos irregulares hostis, o que conseguiram foi forjar uma sólida aliança entre eles.

As hostilidades militares recomeçaram quando a Turquia atacou os curdos. Não pouco depois, os Estados Unidos lançaram contra Assad a acusação de ter utilizado armas químicas contra civis em Douma. Acusação, no mínimo, curiosa: por que haveria o lado vencedor da guerra de praticar tamanha crueldade contra uma região na qual se encontram muitos de seus apoiadores? Se esse delírio já soou ridículo nas páginas ficcionais do terceiro livro de Jogos Vorazes, não há palavras para descrever o desprazer que foi encontrá-lo na acusação oficial lançada pelos EUA contra a Síria. Se o ataque químico aconteceu, ele não foi realizado pelo governo – a não ser que o alto escalão desse tenha sido tomado por uma tendência suicida, o que precisará ser provado com base em diagnósticos psicológicos realizados por uma equipe internacionalmente avaliada e profissionalmente qualificada.

Em relação às acusações de corrupção, é necessário ter clareza de algumas coisas. Uma das figuras que foram o alvo das manifestações de 2011 na Síria foi a do bilionário Rami Makhlouf, primo materno de Assad. Ora, não é possível explicar a riqueza de Makhlouf sem olhar para o processo de privatização que Assad levou a cabo a pedido do FMI, nem sem analisar as relações íntimas de sua empresa, a Syriatel, com os investimentos norte-americanos. Não é possível que os protestantes contra a corrupção de Makhlouf – me refiro aqui aos “civis indignados”, não aos terroristas ativos – chegassem à conclusão que deveriam aliar-se militarmente com os EUA se houvessem estudado a fundo a genealogia de sua riqueza. Não se alia com o patrono para caçar o cliente, se seu objetivo é acabar com o clientelismo.

Não me arrisco a sugerir uma saída para o imbróglio político que vive a Síria – deixo essa questão para os próprios sírios resolverem. Entretanto, sou da convicção de que em todo o mundo devemos nos opor às guerras imperialistas e isso passa por repudiar a agressão contínua contra a Síria e trabalhar, de alguma forma, para reduzir o poder a influência da máquina de guerra do imperialismo. Acredito estar agora entrando num tema que é mais familiar aos brasileiros – movimentações “contra a corrupção” com interesses escusos por trás e a ocupação militar de vastos territórios do solo nacional com motivações igualmente obscuras são temas que nós, infelizmente, conhecemos bem.

Redação

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