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Pandemia impõe restrições hoje para garantir mais abraços e visitas amanhã

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Veja quais mudanças o novo coronavírus trouxe à rotina de quem trabalha pela saúde e pelo bem-estar das pessoas idosas

Por Leandro Gonçalves

Repleta de bares e de outras tantas lojas, a rua XV de Novembro é o principal endereço do comércio em Itapuí, uma pequena cidade do centro-oeste paulista. Quase deserta até pouco tempo atrás devido à quarentena, a via passa a ganhar movimento novamente com a retomada da atividade econômica. Mas, enquanto os negócios reabrem, há quem ainda permaneça em casa, como seu Antônio Pignatti, de 92 anos, cuja história até se confunde com a da vizinhança. 

Patriarca de uma família extensa e com sobrenome tradicional na cidade, o senhor descendente de italianos pertence ao grupo de maior risco da covid-19: os idosos. Isso porque, segundo o médico infectologista Caio Rosenthal, em entrevista ao G1, as pessoas idosas costumam apresentar deficiências no sistema imunológico devido à idade avançada, dentre outras fragilidades, que as tornam mais vulneráveis à infecções virais.

Com os filhos já criados e espalhados pelos quatro cantos do Brasil, seu Antônio conta com a ajuda de Eliane Gonçalves, empregada doméstica. Junto a outras duas profissionais contratadas pela família, ela cuida dos afazeres da casa e, de quebra, desempenha o papel de cuidadora. Há quase quatro anos no trabalho, Eliane também cuidou de dona Helena, a matriarca, que faleceu em decorrência de um câncer há dois anos.

A pandemia, portanto, trouxe preocupações que não eram sentidas por ela e pela família desde os dias finais de Helena. Afinal, a covid-19 representa um risco perigosíssimo à saúde de Antônio, mesmo sendo alguém cheio de disposição e vitalidade. Assim, uma série de cuidados tiveram de ser redobrados, ocasionando mudanças na rotina de trabalho de Eliane e no cotidiano do idoso.

As adaptações vieram assim que a doença virou notícia no país, antes mesmo dos primeiros diagnósticos positivos na cidade. Para se ter uma ideia, Itapuí notificou o primeiro caso de covid-19 no dia 06 de maio, mais de dois meses depois do primeiro caso do Brasil ser confirmado, na cidade de São Paulo. Desde então, o município, com aproximadamente 14 mil habitantes, acumula 326 casos, com quatro óbitos confirmados. 

As informações são do último boletim epidemiológico divulgado pela Prefeitura de Itapuí até o fechamento desta matéria. Mas, a administração municipal não divulgou, em nenhum momento, a idade ou outras informações da vítima. Assim, o pequeno município detém de uma taxa de 23 casos de covid-19 para cada um mil habitantes. 

Para evitar a contaminação, Eliane toma precauções a todo instante. A começar pela chegada na casa de seu Antônio. “Chego e já troco de roupa. Higienizo as mãos, passo álcool em gel… e só depois dou início aos trabalhos. Antes era só chegar e já começar”, conta. Mesmo morando a poucas quadras dali e tendo que caminhar só alguns metros até o trabalho, a doméstica evita entrar na casa com a mesma roupa que veio da rua. “O receio de contaminá-lo é constante. Todo cuidado é pouco”, reitera.

A precaução se repete com as visitas. “Quando o médico ou a fisioterapeuta vêm, peço que higienizem os pés com água sanitária, lavem as mãos e usem luvas e máscaras”, explica. O rigor se repete até mesmo com Francisco, único filho de Antônio que permanece na cidade. “Ele vem quando há algo para resolver, uma conta para pagar… peço para que ele tenha os mesmos cuidados e que não fique de abraços”, relata.

Chico, como é chamado o filho, é quem faz as compras da casa. “Limpo as embalagens com álcool e as guardo tomando cuidado redobrado com a limpeza”, revela. De acordo com ela, faxinas minuciosas tornaram-se ainda mais frequentes, enquanto as visitas triviais foram proibidas. “Tenho que ser a chata. Ninguém entra se não for algo realmente importante”, reforça.

As mudanças na rotina são uma mistura de iniciativas próprias de Eliane e de orientações da família. Seu Antônio, por sua vez, reagiu com apatia ao “novo normal”. De acordo com a doméstica, ele tem consciência do que estamos vivendo. “Ele já não gostava muito de visitas”, brinca. Lúcido, Antônio sente falta mesmo é de ir ao banco ou ao barbeiro, atividades que lhe davam uma sensação de autonomia.

Por isso, Eliane costuma estar sempre alerta, com olhos e ouvidos bem abertos. Apesar de saber sobre a pandemia, Antônio insiste em querer sair de casa para “dar uma volta”. “Às vezes tenho que tirar as chaves das portas”, revela a cuidadora. A “implicância” dela busca, contudo, garantir que, com a chegada de dias melhores, seu Antônio possa voltar a andar pela cidade onde, ao lado de Helena, constituiu família e vive há tantos anos.

Aos cuidados do padroeiro

A poucas quadras dali, na rua Campos Sales, em frente ao cruzamento com a Luís Teixeira, a Vila São Vicente de Paulo reúne outros 14 idosos. Diferentemente de seu Antônio, os moradores do simpático conjunto de casas não puderam continuar vivendo em seus próprios lares, por diversos motivos. Há quem perdeu a família, há quem não pôde ficar sob os cuidados dos filhos, dentre outras razões. 

Fundada em 1984 pela Sociedade São Vicente de Paulo, a Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) possui 21 moradias. Cada uma delas contém uma varanda, um quarto, uma copa-cozinha e um banheiro. Há ainda um salão para a realização de missas, atos religiosos, reuniões e festas. Além da infraestrutura, os moradores contam com uma atenciosa equipe de cuidadores da qual Ivete de Almeida faz parte.

Uma das cuidadoras da turma da noite, Ivete conta que a pandemia trouxe mudanças imediatas à rotina de trabalho. “Logo que a gente chega (à Vila), temos que higienizar as mãos, trocar de roupas, colocar o roupão, touca… é álcool em gel pra cá, álcool em gel pra lá… e passa álcool em gel para tudo quanto é lado”, conta, bem humorada. Além do cuidado redobrado com a higiene, as visitas aos internos foram suspensas. 

De acordo com ela, as medidas foram adotadas pela direção da instituição logo no início da quarentena, decretada pelo Governo do Estado em 22 de março. “Eles estão usando máscara. São bem resistentes a usar, não gostam… temos que ficar em cima”, acrescenta. “Assim que chego, já tiro a temperatura deles, para ver se está tudo bem. Depois, dou um lanche de acordo com a dieta de cada um e os arrumo para dormir”, detalha.

O refeitório, por sua vez, deixou de reunir os moradores, que passaram a fazer as refeições em suas respectivas casas. A mudança de hábito procurou diminuir o contato entre os residentes, para evitar ainda mais possíveis contaminações. Nesse sentido, os idosos foram orientados a não se visitarem. Outra medida de prevenção foram os rodízios de horários entre os funcionários. 

Em suma, as mudanças relatadas por Ivete são, na verdade, uma intensificação de cuidados comuns a quem trabalha com idosos. A pandemia, portanto, fez com que se redobrasse a atenção com quem está na terceira idade, mais suscetível à contaminação. O monitoramento frequente ajuda a identificar mais rapidamente qualquer sinal de que há algo errado – e isso agiliza o atendimento médico.

Antes da pandemia, por exemplo, a medição de temperatura dos internos era feita uma vez ao dia. Agora, é feita a cada troca de turno das equipes de cuidadores, orientadas pela direção da instituição. Os idosos passam ainda por consultas periódicas com médicos particulares custeados por parentes e, em caso de qualquer acidente ou necessidade, são prontamente encaminhados para o pronto-socorro local.

Os cuidados, no entanto, não acalentam totalmente o coração de quem sente a falta de ver alguém que ama. Com a suspensão das visitas, a saudade se torna outro sintoma deste momento febril. Cresce a sensação de abandono, ainda mais para aqueles que não entendem ao certo o que está acontecendo. Para amenizar a melancolia, voluntários fazem chamadas de vídeo que facilmente se tornam o ponto alto do dia dos idosos. 

Mas, há aqueles que não se rendem facilmente. Seu João, por exemplo, sente falta das filhas. “Ele reclama: ‘ai, num guento mais, quando que vai acabar isso…’ tadinho”, confidencia Ivete. Segundo ela, a maioria não entende ao certo o que é a pandemia do novo coronavírus e o porquê do isolamento social. “Às vezes, ficam bravos com os cuidados a mais. ‘Isso aí é frescura, eu não tenho nada’, eles reclamam”, conta. 

Sendo assim, o trabalho de Ivete, de Eliane e de tantos outros cuidadores torna-se ainda mais essencial. Afinal, são quem asseguram a saúde e o bem-estar daqueles mais ameaçados, mas sem total consciência sobre a gravidade do momento que estamos passando. Assim, o cuidado excessivo, às vezes incômodo, e a falta das visitas buscam garantir que, logo logo, seu Antônio, seu João e tantos outros possam abraçar quem amam.

Isolamento não inibiu luta por direitos

O novo coronavírus também trouxe mudanças à rotina de quem trabalha na defesa de políticas públicas. Em Bauru, a aproximadamente 50 km de Itapuí, a advogada Anna Carolina Mondillo preside o Conselho Municipal da Pessoa Idosa (Comupi), órgão colegiado que atua pelos direitos dos idosos. Ela conta que, com a pandemia, o trabalho tem se concentrado ainda mais na área da saúde.

Sendo assim, o Comupi tem cobrado da administração municipal por mais testes em pessoas idosas e agentes de saúde. Isso inclui a intensificação da testagem em asilos, casas de repouso e outras instituições dessa natureza em Bauru. Com o aumento da testagem, identificam-se mais casos e facilita-se o atendimento médico e o isolamento de quem teve o diagnóstico positivo para a covid-19.

Além de cobrar e acompanhar a execução de políticas e serviços públicos voltados aos idosos, o Comupi tem atuado na conscientização sobre os cuidados com quem está na melhor idade. Campanhas têm sido feitas nas redes sociais, com o apoio da Prefeitura de Bauru. Inclusive, lives com muita música têm arrecadado fundos para instituições que tiveram a renda comprometida pela suspensão de bazares e doações durante a pandemia.

Por outro lado, o isolamento social não atrapalhou a articulação do conselho. “Estamos trocando ideias com grupos do Brasil todo quase que diariamente, de forma voluntária”, conta Anna. “O Conselho, por sua vez, realiza reuniões mensais, para continuar atuante, intermediar denúncias, contribuir e cobrar o poder público mesmo durante a pandemia”, reitera. Dessa forma, o Comupi assemelha-se a tantos outros conselhos, que assumem ainda mais responsabilidade nos dias atuais.

Em Bauru, por exemplo, 164 dos 213 óbitos registrados eram pessoas com mais de 60 anos. Do total de 12.961 casos positivos registrados, 1.767 são idosos. As informações constam no último boletim epidemiológico divulgado pela prefeitura do município antes do fechamento desta matéria. Os dados reforçam que a população mais velha é mais suscetível ao agravamento da doença e, por isso, merecem ainda mais cuidados.

Quem ama, cuida

Fizemos uma enquete com usuários de uma rede social para saber quais mudanças a pandemia trouxe à rotina de quem convive com pessoas idosas. Dentre os entrevistados, 57% passou ou está passando a quarentena com os avós, enquanto 43%, com os pais, ambos com mais de 60 anos.

Ainda dentre os entrevistados, 85,7% disseram que adaptaram ou modificaram a rotina para preservar a saúde dessa pessoa mais velha. Confira alguns relatos:

“Evito encontros com pessoas de fora da família e sigo as orientações de prevenção (higienização com álcool 70% e uso de máscara).”

“Isolamento social ficando em casa e pedindo tudo que for preciso pelo telefone ou internet.”

“Só uma pessoa de quatro moradores sai de casa para fazer compras (mercado, farmácia), evitamos contato físico (como abraços) e intensificamos cuidados com limpeza/higiene.”

“Evitei ficar sempre em contato com minha avó, lavava suas compras de mercado que minha mãe fazia.”

“Preservei eles em casa e resolvo o que for necessário na rua.”

“Ficar mais distante, mesmo dentro de casa, pegar no pé para se alimentar melhor, incentivar a prática de alongamento diariamente.”

Metade dos entrevistados disse que o idoso reagiu com apatia e que viu as restrições como um “mal necessário”.  Por outro lado, 33,3% dos entrevistados alegaram que o idoso reagiu bem às adaptações ou mudanças, pois estava ciente da importância de se cumprir a quarentena. Por fim, 16,7% afirmaram que o idoso reagiu mal, mas que foi convencido a aderir.

Dentre quem alterou a rotina, 83,3% responderam que as adaptações ou mudanças foram suficientes para assegurar a saúde da pessoa idosa, pois ela não ficou doente. Mas, 16,7% alegaram que não foram suficientes, pois, infelizmente, o idoso acabou contaminado.

De qualquer forma, a covid-19 suscitou cuidados para proteger os mais velhos. Avós, pais, tios… que trocaram nossas fraldas e, que agora, vemos envelhecer e se tornarem mais vulneráveis. Um inimigo invisível, o novo coronavírus tornou ainda mais evidente que, muitas vezes, negligenciamos quem está na melhor idade. Dentre as lições que a pandemia nos ensina, está a de valorizar e cuidar dos idosos. Dar o devido retorno. 

Redação

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