A importância e dificuldades de mudar de alimentação.
por Ana Beatriz Ferreira, Bianca Landi e Maria Victoria
Legenda: De acordo com o Instituto Biodinâmico, IBD, a venda de produtos
orgânicos cresce à medida de 20% no Brasil #alimentacaosaudavel
#alimentosdequalidade
Comer infere, no espaço da transitividade do verbo, práticas, escolhas e hábitos culturais arraigados de formas diversas em todas as sociedades. Da opção por alimentos in natura ao aumento do consumo de industrializados e, consequentemente, das doenças ligadas à sua ingestão, a abordagem do conceito de alimentação saudável tem se ampliado, o que também dá espaço a debates sobre fome, produção alimentar e incentivo de órgãos que detêm poder.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO, é necessário que sejam produzidos mundialmente 70% a mais de alimentos a fim de que em 2050, com a estimativa de crescimento da população a 9 bilhões de pessoas, não haja fome. Para que todos possam comer com saúde, o desafio se mostra ainda maior.
No Guia Alimentar da População Brasileira, um documento produzido pela Secretaria de Atenção à Saúde – Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, em 2014, consta que “a ingestão de nutrientes, propiciada pela alimentação, é essencial para a boa saúde. Igualmente importantes para nutrientes, as inúmeras possíveis combinações entre eles e suas formas de preparo, as características do modo de comer e as dimensões sociais e culturais das práticas alimentares. ”
Refletir sobre uma alimentação sadia implica diretamente em refletir sobre a simplicidade de alimentos nutritivos, in natura, um espaço que tem sido ofuscado pela tendência da indústria alimentar a criar grupos de “superalimentos” e ingredientes de custos elevados que reúnem tudo o que há de melhor em nutrientes e promessas que vão de emagrecimento a cura e longevidade. A alimentação saudável, que representa uma importante política pública, virou tendência de mercado. De acordo com o estudo Brasil Food Trends – 2020, realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, com o Instituto de Tecnologia de Alimentos, ITAL, uma das principais apostas para empresas nos próximos anos está atrelada ao conceito de “saudabilidade e bem-estar”.
No mercado, quem inova é rei?
Em São Paulo, de acordo com a Associação Paulista de Supermercados, APAS, itens “saudáveis”, como opções light, diet, sem conservantes, sem glúten e sem lactose já representam 5% das variedades de produtos nos supermercados. Uma porcentagem que tende a crescer. Nos últimos anos, o comércio de alimentos e bebidas tradicionais cresceu 67%, enquanto que o dos alimentos considerados saudáveis aumentou 98% no mesmo período.
Redução de calorias, diet e light, aceleração do metabolismo, queima de gordura corporal se sobressaem, frequentemente, à preocupação real com a saúde. E os alimentos que deveriam ser simples se tornam versões industrializadas melhores, porém muito mais caras, de itens que podem ser obtidos facilmente no dia a dia da população brasileira. Os produtos desse setor estão custando de 30 a 40% mais caros do que suas versões comuns.
Assim como em todo o país, em Bauru também sempre há novas empresas sendo criadas com o intuito de atender o público consumidor que busca por uma alimentação mais saudável. A tendência, no entanto, são empreendimentos com produtos que prometem emagrecimento ou pouca retenção de calorias. As opções que de fato se preocupam com a saúde e bem-estar do consumidor são raras. Prova disso é a não existência, ainda, de uma associação estadual que atenda estabelecimentos com produção de alimentos sem glúten, sem lactose e sem açúcar.
Gustavo Negrini, diretor do evento anual Gluten Free Brasil, relatou em entrevista para a Folha de S. Paulo que o mercado para produtos sem glúten cresceu entre 30% e 40% no ano de 2015, tanto pela procura de celíacos quanto pela busca de pessoas que procuram dietas mais saudáveis. Estima-se que haja cerca de dois milhões de pessoas intolerantes ao glúten no Brasil. Quanto à lactose, os números são ainda maiores. Segundo o médico Dráuzio Varela, “pesquisas mostram que 70% dos brasileiros apresentam algum grau de intolerância à lactose, que pode ser leve, moderado ou grave, segundo o tipo de deficiência apresentada”.
Atualmente o Brasil é o 5º maior mercado do setor de alimentos e bebidas saudáveis, com vendas que alcançaram o marco de US$ 27,5 bilhões em 2015, segundo levantamento da agência americana Euromonitor. É o líder em crescimento nesse segmento na América Latina e representa, sozinho, 17% do mercado mundial de alimentos e bebidas do setor.
Legenda: Frutas, verdures e legumes cresceram em 60% no consumo da
população brasileira, de acordo com Pesquisa Ibope. #alimentacaosaudavel
#frutas
Enquanto isso, em Bauru…
Ainda assim, empresários como Marivaldo Campos Britto acabam por filiar suas empresas a entidades como à Associação de Panificação do Estado de São Paulo (que tratam apenas questões acerca de produtos com glúten) por falta de opções. Marivaldo é proprietário da Empório Diet e Orgânicos, que oferece produtos de confeitaria sem glúten, sem lactose e zero açúcar. A empresa hoje é referência regional dentro do setor. Ele acredita que foi um ato ousado abrir a empresa em 2014, quando esse tipo de produto ainda estava começando a conquistar o consumidor: “quando comecei a empresa não existiam quase alimentos nessa área pra se comprar, mas hoje a procura é grande e as empresas têm investido muito nesse segmento”. Outra dificuldade encontrada foi perante a Prefeitura de Bauru, que na época não tinha nem mesmo referências desse tipo de produto ou estabelecimento para fazer a vistoria da vigilância sanitária.
O empresário afirma também que a receptividade da cidade foi muito grande, bem como de outras cidades da região. Além disso, relata que a empresa está solidificada e os clientes estão muito satisfeitos com os produtos fornecidos, além de serem muito fiéis por fornecerem artigos bastante específicos. “O mercado tem se mostrado bastante receptivo, mas o momento econômico que estamos atravessando é bastante marcante, haja vista a quantidade de empresas que têm sido fechadas dia-a-dia. Devido a se tratar de um alimento bastante específico, as pessoas não ficam sem buscar”, ele declara.
A falta de um estabelecimento como esse na grande São Paulo, que forneçam doces de confeitaria sem glúten e zero açúcar ao mesmo tempo, faz com que pessoas da capital sejam atraídas até o interior para comprar na Empório. Para Marivaldo, a satisfação do cliente ao encontrar um produto difícil de achar é um dos pontos altos de se trabalhar nesse setor. Como pontos negativos, cita a dificuldade em trabalhar com produtos sem glúten, uma vez que toma tempo e muita matéria-prima. Relata que o único jeito é optar por receitas empíricas com o intuito de acertar tanto o visual quanto a qualidade do produto.
A comida de verdade parece ser mais descomplicada
Para Elaine de Azevedo, professora da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora das áreas de Sociologia da Alimentação e Segurança Alimentar e Nutricional, é necessário dar atenção à “importância da construção de um processo de sensibilização dos consumidores e dos profissionais das diferentes áreas – de saúde, agricultura e abastecimento, trabalho, meio ambiente, assistência social, educação, entre outras – para segurança alimentar e nutricional.” Segundo ela, trata-se de algo estrutural em um país. “Tal questão é entendida como um processo de formação para a cidadania, considerando-se o direito humano a uma alimentação adequada e de promoção da saúde para os indivíduos, as famílias e as comunidades. A consolidação de estratégias intersetoriais deve possibilitar à população acesso a uma alimentação de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e para todos”, afirma.
A nutricionista Ana Lúcia Fittipaldi, do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Fiocruz, afirma que é imprescindível “incentivar o movimento contrário: voltar aos hábitos antigos, do ‘tempo da vovó’, do arroz e feijão, quando a família se reunia à mesa nas refeições, saboreando uma saudável comida caseira, conversando sobre o seu dia, enfim, fazendo da refeição um momento de interação e integração familiar”.
A alimentação saudável, por excelência
Conforme o Guia Alimentar da População Brasileira, há alguns fatores que devem nortear os bons hábitos da população, relacionados diretamente à questão social, à saúde e à educação.
Respeitar a cultura popular e valorizar o alimento in natura, ou seja, priorizar a diversidade que se cultiva em cada região. Incentivar feiras livres e auxiliar o pequeno produtor rural, o que tira a concentração econômica da grande indústria e permite às famílias o consumo de alimentos frescos.
Acima da ingestão de nutrientes, entretanto, valorizam-se, no processo, o modo de comer, as dimensões culturais e sociais no ato de compartilhar uma refeição. Para Elaine de Azevedo, “se além de aprender sobre valores energéticos padronizados e abordagens nutricionais quantitativas baseados no nutricionismo (foco no nutriente), o/a nutricionista aprendesse mais sobre patrimônios culturais e respeito à diversidade e identidade culturais, estaríamos bem mais saudáveis. ”
Legenda: Nas indústrias, a preocupação com a oferta de produtos naturais,
com menos conservantes, tem sido uma promessa e uma tendência de vendas
#alimentacaosaudavel #naturais
Alimentação saudável: por que o hábito?
Muito se questiona sobre o que vem a ser manter um hábito alimentar saudável e, já de primeira, causa certo incômodo em quem mais resiste a ele. O estereótipo de nunca mais levar um “docinho” e outras delícias à boca assusta quando se fala em comer de maneira melhor.
Mas o que, afinal, pode ser considerado se alimentar bem? O Guia Alimentar para a População Brasileira indica a preferência por alimentos in natura aos processados ou ultraprocessados, uma vez que eles vão de acordo com “os aspectos biológicos e socioculturais do indivíduo”, de acordo com a nutricionista Thais Locatelli Carrano. Para exemplificar melhor, a profissional explica que “os alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas ou animais (por exemplo, fruta), sem qualquer alteração e os minimamente processados são os mesmos, mas submetidos a alterações mínimas (como o feijão cozido). Já os processados são os alimentos obrigatoriamente adicionados de sal ou açúcar (queijo fresco), enquanto os ultraprocessados envolvem aqueles que exigem técnicas de processamento de ingredientes, sendo a maioria de uso exclusivamente industrial (por exemplo, o macarrão instantâneo)”.
A importância de começar a cultivar hábitos alimentares mais saudáveis vem de diversas maneiras. Thaís revela que, quando combinado com exercícios físicos, a prática se torna “um dos pilares da qualidade de vida”, uma vez que a alimentação é a chave para se ter mais saúde e bem-estar. “Ela é capaz de melhorar a qualidade do sono, aumentar o desempenho em atividades cotidianas e exercícios físicos e diminuir o risco de diversas doenças, como: diabetes, hipertensão, obesidade, câncer, colesterol alto, anemia e outros”.
Em 2014, uma pesquisa realizada pela Ministério da Saúde, em parceria com o IBGE, mostrou que cerca de 60% dos alimentos que fazem parte das refeições diárias do brasileiro têm maior teor de gordura. Outro dado que assusta em relação à alimentação no Brasil é a questão do açúcar. Em um estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde, a população brasileira ingere 50% a mais do componente do que é indicado. Uma vez que o excesso de açúcar esteja intimamente ligado com questões como a obesidade e doenças como a diabete, é um assunto preocupante e que deve ter mais atenção – e só reflete a cultura alimentar, muitas vezes exagerada, em nosso país.
Uma questão de equívocos
Uma simples pesquisa no Google com a palavra-chave “dieta” gera cerca de 138.000.000 resultados. Promessas de perda de peso rápida, alimentos que secam a barriga e outras saltam aos olhos de quem procura. E é aqui que entra um grande erro na tentativa de adquirir uma alimentação mais saudável.
Ao contrário da dieta, a reeducação alimentar busca muito mais a saúde em um geral do que o emagrecimento em si. A dieta vem para restringir uma grande maioria de alimentos para alcançar determinado peso – e ainda levar a culpa caso fuja do esperado, o que acarreta no efeito sanfona. Já na reeducação alimentar “a mudança dos hábitos ocorre gradativamente, fazendo a pessoa se adaptar sem sofrimento. Além disso, quando o paciente passa por esse processo, é fácil manter o peso adequado sem passar fome, nem contar calorias, pontos ou se restringir totalmente de algum alimento, porque como traz uma boa relação com os alimentos, é uma mudança para a vida toda”, como explica a nutricionista.
Outro ponto a se considerar é a explosão de “musas fitness”, que tomaram conta de Instagrams, canais no YouTube e Snapchats. Na tentativa de mostrar um lado mais glamouroso da alimentação saudável, elas inspiram muitas garotas e mulheres a seguirem o mesmo caminho. Claro que a inspiração, de fato, é de grande ajuda, desde que leve os seus seguidores a buscarem formas saudáveis individuais e não simplesmente uma cópia do que está sendo exibido nas redes sociais. “Devemos nos atentar para não fazer culto ao corpo perfeito. É sempre bom lembrar que em geral, as ‘musas fitness’ vivem para o corpo, dedicando 24h por dia para manter a silhueta. Portanto não se compare à elas”, aconselha a profissional.
Além disso, se basear na alimentação de outra pessoa, independente de quem seja, é a fórmula errada para se alcançar hábitos saudáveis, uma vez que cada pessoa possui suas particularidades e com a comida não seria diferente. Thais explica que o plano alimentar “deve respeitar a cultura, a religião e as condições socioeconômicas de cada um. Ademais, as necessidades variam de acordo com idade, sexo, altura, peso, composição corporal, prática de exercício físico, dentre outros”.
Legenda: Incentivar feiras livres e orgânicas colabora com a renda de
produtores e permite que todos tenham hábitos alimentares mais saudáveis
#alimentacaosaudavel
Vai encarar?
Os hábitos alimentares são construídos ao longo de nossas vidas, portanto mudá-los pode ser um verdadeiro desafio. Segundo a nutricionista, Thais, as maiores dificuldades relatadas por quem almeja a mudança na alimentação “são a falta de tempo para preparar comida, falta de horários pré-estabelecidos para as refeições, finais de semana e feriados com alimentos altamente gordurosos (churrasco e fast food, por exemplo) e bebida alcoólica, e o vício por algum alimento ultraprocessado”.
Além desses empecilhos, muitas pessoas ainda relacionam o hábito com mais gastos, mas Thais nos conta que dá, sim, pra comer bem sem gastar uma montanha de dinheiro: “na realidade, a alimentação saudável é muitas vezes mais barata ainda, um pequeno exemplo é um almoço em restaurante. Em um restaurante de comida caseira por quilo você pagará em média R$ 20 em um prato com saladas variadas, arroz, feijão, uma fonte protéica animal e legumes cozidos. Um almoço “completo” em restaurante fast-food não sai por menos de R$25,00. Para as refeições que acontecem em casa, o mesmo acontece.”
Por isso, a dica da Thais para melhorar a relação com a comida é básica: diminuir, aos poucos, os alimentos processados e ultraprocessados fazendo a substituição por alimentos in natura. E, claro, sempre consultar um profissional – neste caso um nutricionista – para avaliar cada caso individualmente.
Faltou inserir a questão da ORIGEM dos alimentos no conceito de alimento saudável . Ou seja, pra ser saudável tem que ser orgânico, sem venenos – agrotóxicos, drogas veterinárias, aditivos sintéticos, irradiação e sementes transgênicas…