Projeto de lei traz também o incentivo a insumos biológicos
Por trás da proposta de uma vida saudável com o consumo de legumes, verduras e frutas há um ponto que põe em risco a segurança da população nacional: os níveis alarmantes de uso e consumo de agrotóxicos no país. O Brasil, cuja economia é intrinsecamente ligada à agricultura, lidera o ranking mundial de consumo de agrotóxicos desde 2008. Esse e outros dados motivam a criação de políticas públicas voltadas para essa questão. Recentemente, houve a elaboração do Projeto de Lei 6670/16, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), ainda em tramitação.
A questão dos agrotóxicos no Brasil
O uso e o consumo de substâncias químicas em atividades agrícolas no Brasil são excessivos. Em entrevista concedida à Instituição Humanitas Unisinos, o professor da Universidade Federal do Paraná, Manoel Pelaez Alvarez, afirma que “o Brasil é o segundo maior mercado consumidor de agrotóxico do mundo e o maior importador global de agrotóxicos”. Nos últimos dez anos, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), em 2015 a comercialização de pesticidas totalizou 9,6 bilhões de dólares e, no ano anterior, foram vendidas mais de 914 mil toneladas de agrotóxicos no Brasil.
Há aspectos positivos em relação ao uso de agrotóxicos, quando controlado e regulamentado pode ser positivo para a produção alimentícia, que exige alta produção em curto período. Suas diferentes classificações, que incluem os termos “produto fitossanitário”, “defensivo agrícola”, “agroquímico” e outros, sugerem que há diferenças entre cada tipo de insumo. Os fitossanitários, por exemplo, são seguros para consumo humano; os defensivos, mais fortes, podem provocar intoxicação do manipulador ou aplicador e deixar resíduos em alimentos, exigindo assim mais cautela em seu manejo.
No entanto, os altos índices no uso e, consequentemente, no consumo denotam um potencial perigo à saúde coletiva, podendo causar problemas a curto e longo prazo, dependo da interação individual com as substâncias. De acordo com uma cartilha divulgada no site da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “a ação dos agrotóxicos sobre a saúde humana costuma ser deletéria, muitas vezes fatal”. A cartilha afirma também que essa ação pode ser sentida logo após o contato com o produto (efeitos agudos) ou após semanas, meses ou anos (efeitos crônicos). Por essas razões, a promoção de campanhas de conscientização sobre a utilização dos agrotóxicos e a criação de políticas públicas, como a PNARA, se fazem necessárias.
O que propõe a PNARA
O projeto foi sugerido pela Comissão de Legislação Participativa e o texto apresentado veio a partir de uma sugestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABSC). A PNARA tem como intuito contribuir para a redução progressiva do uso de agrotóxicos, além de ampliar a oferta de insumos biológicos e naturais. Mais especificamente, o objetivo da política é implementar ações que ajudem a reduzir gradualmente o uso de insumos químicos nas práticas de manejo dos recursos naturais e na produção agrícola, pecuária e extrativista. É meta também aumentar a oferta de produtos de origem biológica, promovendo a saúde e a sustentabilidade ambiental.
Entre as ações previstas no texto, estão a fiscalização da importação, produção, comercialização e uso dos agrotóxicos por parte dos órgãos públicos federais de agricultura, saúde, comércio, indústria e trabalho. As ações destinadas ao Poder Executivo incluem, entre outras, a criação de um plano federal de fiscalização, um banco de dados sobre o monitoramento da eficiência agronômica e um sistema de vigilância em saúde pública. São também funções desse grupo a atualização periódica dos registros de agrotóxicos em uso e a proibição deles em áreas residenciais, de convívio público e ambientais restritas (próximas a recursos hídricos, ambientalmente protegidas ou de produção agrícola orgânica).
Além das propostas relacionadas ao controle de agrotóxicos, a PNARA também prevê medidas de apoio financeiro e econômico para fortalecer os insumos agroecológicos e orgânicos. Segundo o projeto, nesse sentido o Poder Executivo tem como responsabilidades, além de outras, promover ajustes na legislação fiscal para estimular a pesquisa, a produção e a comercialização de produtos agroecológicos e eliminar subsídios, isenções e outros estímulos econômicos para a importação e comercialização de agrotóxicos.
O projeto de lei, apresentado no dia 13 de dezembro de 2016, ainda está em processo. Atualmente, aguarda a constituição de Comissão Temporária pela Mesa do Plenário. Conforme explica Alan Tygel, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação desse projeto é um passo importante para a mudança do cenário brasileiro em relação aos agrotóxicos: “O Estado é o principal promotor do uso de agrotóxicos, através da isenção de impostos, do modelo de assistência técnica. Assim como o Estado promove o uso de agrotóxicos, é importante que ele promova a agroecologia, que proteja a sociedade, a saúde. E a principal pauta hoje nesse campo é a PNARA”.
Alternativas
Enquanto o projeto ainda está em tramitação, é possível encontrar alternativas aos alimentos quimicamente tratados. Os orgânicos têm se popularizado nas capitais e cidades de médio porte do país. Em 2016, o crescimento da venda de orgânicos no Brasil foi de 20%, com faturamento estimado de R$ 3 bilhões, conforme o Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável (Organis). Entre os mais comuns estão as folhas verdes (alface, rúcula, couve etc), frutas, como a banana e a maçã, e o tomate.
É o que propõe Uidis Evangelista, vendedor de orgânicos e estudante de Olericultura Orgânica pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Frequente na Feira do Rolo, uma das maiores da cidade de Bauru (SP), Evangelista vende hortaliças e possui cadastro de produtor rural orgânico.
Apesar do crescimento desse ramo, o comerciante pontua alguns obstáculos na venda dos produtos sem agrotóxicos. Para ele, o que mais pesa é o fator econômico: “A procura do orgânico ainda é menor que a do convencional porque o custo-benefício para o consumidor ainda é alto, devido ao processo mais lento da produção do orgânico, e o consumidor final não entende isso muitas vezes. Por mais que se incentive, que tenha sempre na feira uma banca orgânica, as pessoas vão no convencional”.
Evangelista ressalta a importância de leis que incentivem o pequeno produtor, para que a produção de orgânicos cresça e, assim, o preço dos produtos diminua. Projetos que regulamentem a produção dos orgânicos também são citados: “Leis que regulamentam o uso de agrotóxicos já existem, mas é só para o máximo permitido, não existe para o mínimo. Aí a pessoa coloca o quanto quer, às vezes por ignorância ou falta de informação mesmo”. Há a necessidade de garantir que não haja o uso de herbicidas, pesticidas ou quaisquer outros tipos de agrotóxicos durante todo o processo de cultivo.
Outra opção ao consumo indireto de agrotóxicos, mais barata porém mais trabalhosa, é o plantio domiciliar. A opção por cultivar hortaliças em casa pode ocorrer por vários fatores. A jornalista Bibiana Garrido, que mantém uma horta em casa, afirma: “Eu decidi começar a plantar minha própria horta por conta de uma série de fatores, sendo a presença de agrotóxicos na comida que vendem no mercado o principal deles”.
Apesar do tempo e do aprendizado que exige o cultivo domiciliar, os resultados podem ser bastante satisfatórios. A jornalista acredita que “ter uma horta em casa, plantar temperos, legumes, verduras e frutas, é de alguma forma ir na contramão desse processo [de aceleração dos modos de vida] e buscar reestabelecer uma conexão com o alimento que vai além de colocá-lo para dentro da boca, mas envolve entender seu tempo de plantio, de cuidar, regar e colher”.
A questão agrícola no Brasil permeia âmbitos políticos, econômicos, médicos e ideológicos. Apenas a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos não abarca toda a discussão do tema, mas pode ser um primeiro passo para se pensar a alimentação saudável no Brasil.
A tramitação da PNARA pode ser acompanhada aqui.