Trabalho voluntário sustenta projeto Formiguinha há mais de dez anos e amplia os horizontes das crianças do bairro Pousada da Esperança
por Tayane Abib
O som da capoeira ambientou toda a manhã daquela quinta-feira. Junto com os movimentos e o ritmo, os meninos e meninas do projeto Formiguinha expressavam seu desejo pelo novo, dando combustível para a mudança social por que tanto se luta no Pousada da Esperança, bairro periférico da cidade de Bauru.
Entre um passo e outro, um rastro de cultura preenchia o gingado da realidade de cada criança que ali estava. E aumentava o fôlego dos voluntários que assumiram uma causa: ampliar os horizontes da comunidade pousadense.
Desde 1999, quando um adolescente foi morto após um roubo em frente a sua casa, Fernando Antonio Vieira carrega a missão de promover a inclusão social e a cidadania solidária das famílias de seu bairro. Inicialmente, o segurança trabalhava sozinho: reunia as crianças em um terreno, promovia campeonatos de futebol e de vôlei, com o pensamento de integrá-los e incluí-los socialmente a partir do esporte. No Banco do Brasil, local onde atuava naquele período, colava isopor com as fotos do projeto nos murais que acompanhavam as filas, para despertar a atenção dos clientes e, quem sabe, atrair uma doação ou um patrocínio.
“Chegou uma hora que a própria gerente se interessou e nos cadastrou no projeto Fome Zero. Financiamos um terreno, 80 reais por mês, e por 28 meses eu paguei as parcelas. E aí começou, conseguimos construir o prédio, eles financiaram o material e com a mão-de-obra da comunidade conseguimos construir. A gente fazia um churrasquinho, comprava guaraná, a comunidade acolheu muito bem”, conta Fernando, ao relembrar como tudo começou. “O bairro é muito carente desse tipo de coisa, então era só marcar um jogo que as crianças surgiam como formiguinhas, uma atrás da outra”.
E, assim, a Ação Comunitária Pousadense, através do projeto Formiguinha, tomou forma. Um prédio, um terreno para a quadra de esportes, a composição de uma diretoria e de um estatuto para guiar o projeto. Doações e visitas esporádicas, pessoas que elogiam e admiram o trabalho realizado, mas poucos que se comprometem integralmente com a causa. No entanto, são esses poucos voluntários que compõem o quadro dos “agentes multiplicadores”, a denominação é dada por Fabiane Regina, diretora pedagógica do projeto e educadora, para aqueles que procuram deixar uma marca por onde passam. “Diminua sua fala, até que ela seja sua prática, esse é o lema que eu escancaro e no dia que não for mais assim, eu saio. Eu trabalho para mudar mentalidades”. Oriunda da favela do Heliópolis, de São Paulo, Fabiane recebeu o suporte de projetos sociais e hoje trabalha para retribuir toda a confiança que nela já depositaram. “Eu poderia ser muita coisa que o sistema queria determinar, menos o que eu sou hoje. Mas eu encontrei quem acreditasse em mim. O sistema não pode nos dominar, nós é que temos que dominar o sistema” ressalta a diretora pedagógica.
Transparecendo o semblante de quem sabe sentir na pele os dramas da vida e da história do outro, a multiplicadora resiste à burocracia que sufoca a política atual e acredita na conscientização que parte de dentro para fora. “O poder público ainda não chegou aqui, mas pode chegar e precisa entender as necessidades e a realidade dessa comunidade. A história do outro é diferenciada da sua, então nós precisamos aprender a nos colocar no lugar do outro, saber o que o outro sente” diz Fabiane.
“O poder público ainda não chegou aqui”
O projeto Formiguinha caminha, desde o final da década de 1990, com as próprias pernas, e não recebe o cofinanciamento do Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS) e do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA). Segundo a secretária do Bem Estar Social (Sebes), Darlene Tendolo, a cidade de Bauru contempla mais de 140 projetos sociais, com uma verba que, nos últimos anos, elevou-se de R$ 9 milhões para R$ 45 milhões de reais. No entanto, muitas associações ainda não se incluem nessa estatística. Darlene explica que a aprovação do confianciamento e do convênio entre Sebes e instituições sociais articula diversas instâncias em nível municipal, estadual e federal. Por isso, o processo acaba por burocratizar o acesso de tais projetos ao investimento e à parceria com o poder público.
Enquanto esse panorama não muda, as Formiguinhas se sustentam no trabalho dos voluntários. Fabiane e Luciana, que cuida da parte da administração e do financeiro, cumprem carga horária semanal semelhante a de um funcionário de qualquer estabelecimento hoje em dia. Das 8h às 18h, elas se dedicam aos cuidados dos meninos e meninas que poderiam estar na ruas, mas que pela sensibilidade social, estão participando de atividades esportivas, culturais e de lazer.
Além delas e de Fernando, o fundador e técnico do time, Nara é a responsável pela alimentação das crianças. Quando falta o arroz e o feijão para servir o almoço ou o jantar, os multiplicadores dividem entre si os custos necessários para não deixar os pequenos irem à escola ou às suas casas sem uma refeição.
“Nossa preocupação não deveria ser o dinheiro, mas sim as atividades e os projetos que vamos desenvolver e oferecer para essas crianças. Precisamos dessa delicadeza do social. O sistema não pode nos dominar. Em Bauru, eu senti muito que o poder sufoca os direitos”, pontua Fabiane.
Estudantes de diferentes cursos da UNESP também colaboram com os serviços do projeto, através do desenvolvimento de oficinas e do planejamento de atividades de arrecadação de doações para o Formiguinha. “Os voluntários são a veia propulsora desse projeto. Eu sou muito da questão da consciência. E a gente quer que os voluntários se sintam como um a mais de esperança, de luta, para perceberem que as crianças são capazes de construir por si mesmas se tiveram as condições, que não é preciso ter dó”, pontua..
Enquanto as crianças finalizam a capoeira e cobram de Fernando a bola para jogar o futebol, Fabiane relembra do que a fez acreditar no poder do agente multiplicador, quando trabalhava em um projeto social em Aldeia do futuro, em São Paulo. “Havia um garoto de liberdade assistida e a gente falava muito sobre esse questionamento de se colocar no lugar do outro e de se pensar na família. E esse garoto foi roubar. E na hora que ele foi roubar, a mãe daquela casa estava com uma criança e ele nos contou que parou na hora, porque se lembrou do que nós dissemos. Então, a gente marca ou não marca?”.
Para visitar ou atuar como voluntário do Formiguinha, o contato pode ser feito pelo telefone (14) 3277-4018 ou pelo e-mail
proformiguinha@gmaill.com. O projeto se localiza na Rua Flavio Antonio Gonçalves, 1-85, no bairro Pousada da Esperança 2.