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Reformando a cultura

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As políticas de incentivo e os novos formatos de financiamento renovam a produção cultural

Beatriz Vital, Fabiane Carrijo, Henrique Cézar, João Victor Belline e Tiago Pavini

O financiamento da produção cultural no Brasil é uma questão que vem sendo discutida desde o início do processo de institucionalização da área, no início da década de 1990. Com a criação do curso de mesmo nome na Universidade Federal Fluminense, em 1995, pelo Prof. Gilberto Gouma e pela Profª. Piedade Carvalho, com o objetivo de sistematizar o conhecimento a respeito da criação, planejamento, organização, difusão e crítica nesta área. Depois, com a recriação do Ministério da Cultura no mesmo ano –  Desde 1990 o ministério havia sido ligado ao Ministério da Educação através da Secretaria de Cultura com a justificativa de um ajuste de verbas do Governo Federal.

A cultura brasileira, mesmo abrigando projetos criativos, de função social e educativa, sempre teve dificuldades para obter o repasse de verbas na área. De acordo com a terceira edição do Sistema de Informações e Indicadores Culturais, estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgado em 2013, os gastos governamentais com cultura alcançam 0,3% das despesas da administração pública, entre os anos de 2007 e 2010, individualmente. O resultado refere-se às esferas, federal, estadual e municipal. Dentro deste cenário, o governo federal quase dobrou o volume de gastos no setor cultural nos três anos seguintes, de R$ 824,4 milhões, em 2007, para R$ 1,5 bilhão, em 2010, sem incluir incentivos fiscais. Em 2014, o orçamento do Ministério da Cultura foi de R$ 3,26 bilhões, o correspondente a 0,14% do Orçamento Federal no ano, que foi de R$ 238,3 trilhões, segundo o Ministério do Planejamento.

Os profissionais que atuam na produção cultural, além de planejar, organizar e divulgar os eventos, ações ou produtos, são os responsáveis por torná-los viáveis financeiramente dentro de suas qualidades. No entanto,  essas formas de financiamento, muitas vezes, não atendem àqueles grupos culturais, normalmente minoritários, que de fato, precisam desta orientação profissional. Os meios de financiamento não são de amplo conhecimento público, contrariando a lei do livre acesso à informação, e se institucionalizam através de processos burocráticos, que se tornam restritos a grupos que já conhecem os caminhos para a captação, tornando o repasse pouco democrático do ponto de vista das políticas públicas. Frederico Borbosa, autor do Documento/Estudo FINANCIAMENTO CULTURAL: UMA VISÃO DE PRINCÍPIOS, do Ipea, aponta que o “desafio do Ministério da Cultura consiste em explicar para a sociedade e para os demais agentes públicos e econômicos o âmbito de atuação das políticas culturais e seus objetos de intervenção.” Ele complementa ao mostrar que o problema parte da definição do que é cultura: “O conceito de cultura é de difícil delimitação e precisão, em especial para a intervenção pública. A afirmação de autonomia da área cultural, ora em relação ao mercado e à economia, ora em relação ao Estado e sua burocracia, que é parte da gênese histórica da área e objeto de constante controvérsia entre seus diversos agentes, é matéria de difícil formalização”.

Um outro problema apontado por Frederico relaciona-se à maneira como os projetos culturais são julgados. Segundo ele, “a aprovação de projetos pela Comissão Nacional de Incentivos Culturais (CNIC), que define quais estarão aptos a captar recursos das empresas, leva em consideração elementos formais de coerência interna e consistência dos orçamentos. Não há julgamento a respeito do mérito ou de conteúdos específicos, outros elementos também devem ser ressaltados”.

Do outro lado estão as instituições privadas, que enxergaram no investimento cultural uma maneira de consolidação da marca. Duas pesquisas realizadas pelo instituto Datafolha em 2014 mostram como o investimento em cultura ajuda a divulgar e consolidar o nome de uma empresa ou de um produto: das 44 marcas mais lembradas pelos brasileiros no Top of Mind, 21 aparecem na lista das que mais patrocinam projetos e eventos culturais pela pesquisa Cultura em SP. Temos exemplos como o Banco Itaú, com  projeto Itaú Cultural, que completa 30 anos em 2017. Este cenário do financiamento gerou uma marginalização da produção cultural frente às outras áreas de investimento, que foram obrigadas a encontrar maneiras alternativas de financiar seus projetos através de meios como coletivos e o crowdfunding.

Coletivos
Ao se tratar do funcionamento financeiro dentro do sistema capitalista é evidente que a cultura e as relações dentro do meio são influenciadas pela lógica do capital. Este modelo hegemônico causa uma sociedade padronizada e cerceia a representatividade cultural das minorias, já que estas não são contempladas com os incentivos. Este efeito prejudica a diversidade cultural e a identidade individual dos seres humanos, ambas consequências sendo potencializadas pela globalização.

Neste contexto a atuação dos coletivos se apresenta como um respiro às minorias enquanto garante articulação e espaço para tornar visíveis iniciativas culturais que não são sustentadas pelo pensamento hegemônico do capital. Os coletivos, neste caso os culturais, atuam de forma independente e desierarquizada e são compostos por pessoas unidas por um interesse comum, trazendo à tona elementos de territórios subalternos que não são expostos. O especialista em Gestão de Projetos Culturais Aluízio Marino destaca que “os coletivos culturais são atualmente uma das expressões mais efervescestes dos movimentos sociais contemporâneos. Tais movimentos estão inseridos no conceito dos novos movimentos sociais (NMSs): organização de pessoas que lutam por interesses comuns e vislumbram avanços que em grade medida, independem do que o Estado pode conceder” em seu artigo “Ação cultural como ação política”.

Crowdfunding

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O Catarse já financiou 1967 projetos desde a sua criação, em 2011

O sistema de financiamento coletivo, conhecido como crowdfunding, viabiliza a criação de produtos, eventos, shows, filmes, peças, que não são de interesse da grande indústria. “Os sites de crowdfunding são um fenômeno recente no Brasil, apesar da prática derivar da popular e antiga vaquinha”, aponta a especialista em economia da cultura Vanessa Valiati. Como no modelo citado, a soma de pequenas contribuições, de várias pessoas interessadas na causa, busca resultar na quantia necessária de dinheiro a uma determinada finalidade. “Na maioria dos casos, funciona da seguinte maneira: o interessado define o projeto, estipula o valor, as contrapartidas (recompensas aos doadores), o prazo limite e cadastra a proposta no site. Caso o valor não seja atingido no prazo estipulado, o projeto não é financiado e o dinheiro retorna aos colaboradores. Se atingir ou ultrapassar a meta, o dinheiro é repassado e o projeto realizado” – explica Vanessa.

No Brasil, os destaques da área ficam com o site Kickante – recordista que já arrecadou 1 milhão de reais para a campanha Santuário Animal da Associação Rancho dos Gnomos – e o Catarse, que já financiou 1967 projetos desde a sua criação, em 2011. Segundo Vanessa, “sites como o Catarse podem contribuir para que se abra uma perspectiva de liberdade da produção. Nesse caso, a hierarquia é desconstruída e o autor entra em contato direto com o seu público, sem estar preso à burocracia do modo industrial”.

Leis de incentivo
A Cultura, vista dentro do contexto de área pública federal, vivenciou dois momentos singulares na década de 1990. Por meio da Lei 8.028 de 12 de abril daquele ano, o Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à Presidência da República, sofrendo profundas mudanças na área das políticas culturais, que perderam o status de política ministerial em nome do descomprometimento do Estado com as demandas culturais e da contenção de verbas.

A situação foi revertida pouco mais de dois anos depois, pela Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992. Nos primeiros anos, as instituições públicas de cultura enfrentavam alguns desafios para a ampliação de seus recursos e reorganização de sua estrutura. Foi a partir de 1995, respaldada pela Medida Provisória 813, de 1º de janeiro, que a recriação do MinC passou a contribuir e influenciar de maneira direta diversos setores da área. “A modernização dos museus nacionais, os programas do patrimônio histórico, artístico e cultural, a recente política do patrimônio imaterial e a política para o cinema merecem acento pelas inovações institucionais que significaram”, segundo o Caderno de Políticas Culturais. Com a recriação do ministério, renovaram-se também as pesquisas e projetos na área de políticas públicas, antes abandonadas, referentes a novas opções de financiamento do produção cultural nacional.

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Juca Ferreira, Ministro da Cultura, durante conversa com internautas por meio da plataforma Dialoga Brasil, do Governo Federal

O grande avanço alcançado na área da cultura na segunda metade da década de 1990, está atrelado aos diversos mecanismos de financiamento criados ou modernizados. As leis de incentivos fiscais, como, as Leis Rouanet (Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991) e do Audiovisual (Lei nº 8.685, de 20 de julho de 1993), foram ajustadas ao longo da década e aportaram montantes de recursos para o financiamento de projetos culturais, tanto recursos públicos provenientes da renúncia fiscal quanto aportes adicionais das empresas financiadoras. Também merecem destaque o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), com pouca efetividade como mecanismo de financiamento. No entanto, sobretudo, as políticas foram dotadas de recursos orçamentários crescentes nos primeiros anos e que depois mantiveram um nível de estabilidade. Assim, a área cultural passou por um significativo esforço de reorganização, adotando programas e mecanismos estáveis de fomento às atividades culturais, embasados em regras e procedimentos públicos e na presença do Estado, garantindo apoio ao desenvolvimento e à democratização da cultura.

De acordo com Fredeico da Silva, responsável pelo estudo Política Cultural no Brasil, 2002-2006: acompanhamento e análise o desafio é aproveitar as potencialidades das leis de incentivo. “Devemos aproveitar na montagem de um sistema de financiamento nacional de cultura: aumento de tetos globais, contrapartida das empresas e contrapartidas sociais, mecanismos de desconcentração regional na utilização dos recursos incentivados e, finalmente, mecanismos que permitam a orientação de recursos conforme prioridades setoriais do agente público”, finaliza.

Redação

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