Muito tempo depois do seu auge, nos anos 1970, a música brega está sendo reconhecida. Através de estudos e com um empurrão da tecnologia, as músicas estão chegando aos ouvidos jovens e são recebidas de maneira bem diferente.
Por João Pedro Vallim
A palavra brega é muito utilizada para definir algo considerado “cafona”. Esse termo há muito tempo vem sendo utilizado para diferenciar, principalmente, a música popular brasileira (MPB) – uma música de elite – da música considerada com melodia simples, temas banais, e intitulada até de alienada.
A cultura brasileira rapidamente se adaptou a esse termo e desde então diversos artistas são colocados nesse rótulo. Especialmente por representarem uma música que aparentemente não incomodava o governo, eles foram desvalorizados pela crítica da época e rapidamente inferiorizados perante a classe média e a elite dos anos 1970. Assim, o gênero musical brega foi ligado à camadas populares.
Porém, embora esses artistas não confrontassem o governo com o viés político, criticando diretamente as ações dos militares, usavam o grande alcance que tinham para questionar questões culturais e sociais ainda vigentes no país, que eram verdadeiros tabus.
Paulo César de Araújo, autor do livro “Eu não sou cachorro não” – considerado um marco para a redescoberta da música brega – afirma que “quando relacionam produção musical e regime militar, os críticos, pesquisadores e historiadores da nossa música são pródigos em ressaltar a ação de combate e protesto empreendida por diversos compositores da MPB, que se valiam de metáforas, imagens truncadas e herméticas, com o objetivo de driblar a censura e manifestar o seu inconformismo com o quadro político-social vigente. O que estes analistas nunca ressaltam, ou simplesmente ignoram, é o papel de resistência desempenhado naquele mesmo período por artistas populares como Paulo Sérgio, Odair José, Benito di Paula e, não se surpreenda, a dupla Dom & Ravel”.
O repórter do Estadão Júlio Maria também ressalta o papel de resistência destes artistas na época e dá o exemplo de Odair José, que foi o segundo artista mais censurado na época, atrás apenas de Chico Buarque. “Ele foi censurado no seu comportamento social da letras. Não eram letras necessariamente politizadas, isso era claro, mas houve uma censura, um incômodo na forma que ele cantava. O que ele dizia ali era absolutamente diferente, beirando, aliás, a censura religiosa, que é algo que a censura dos militares também impõe. Eles estão muito atentos no que os artistas estão contando com relação a religião. A religião católica ainda é a religião oficial do país e quem estiver contra isso vai sofrer censura, musicalmente falando”, afirma o jornalista.
Outro fator que favoreceu o esquecimento desses artistas rotulados como brega foi a preferência midiática em torno dos artistas da MPB. Para o produtor musical Marcus Preto “a informação é dirigida. Se você procurar informação desses artistas que foram consumidos por uma classe com menos grana não vai achar porque ninguém falou desses caras, porque o dono do jornal dizia ‘vamos falar do Caetano Veloso, do Gilberto Gil, do Chico Buarque e do Milton Nascimento’. São artistas maravilhosos, merecem ser falados, mas são eles que são consumidos por quem lê jornal, não adianta colocar o lançamento do disco do Waldick Soriano que ninguém vai ler ali”.
Mas, apesar do distanciamento desses artistas com a mídia, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, o público jovem está descobrindo esses artistas através da tecnologia. “A internet está fazendo uma transformação na música, muita coisa está sendo reavaliada. Tem muita gente dizendo ‘Espera aí, será que esse artista era aquilo que eu achava mesmo?’. E a internet só faz aumentar cada vez mais a influência dessa música nos dias atuais, até eles serem realmente descobertos. Descobertos por muita gente, redescobertos por outra, mas isso só está começando, ainda vai longe. Tem muito assunto ali, tem muita história, tem muita maneira de ver o mundo que ninguém falou na música do Gil nem na do Caetano, ninguém falou daquele jeito”, afirma Marcus Preto.
Adorei a matéria.