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Rivotril: o Remédio de Cabeceira do Brasileiro

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Prescrição do medicamento já é feita para tratar TPM, gastrite e até dor de dente
Por André Magalhães, Camila Gallate, Giovana Amorim e Laura Botosso
O Rivotril já se tornou um fenômeno no Brasil. Nos últimos anos, o seu consumo teve um crescimento desenfreado, colocando o país entre os maiores produtores e compradores. Sua popularidade, em especial entre a classe média de regiões metropolitanas, o transformou em um ícone pop: é difícil encontrar alguém que não tenha ouvido falar desse medicamento. Uma imensa exposição para um remédio de tarja preta.
Os medicamentos de tarja preta, por sua definição, necessitam de prescrição médica para serem vendidos, por apresentarem qualquer tipo de risco para a saúde em seus efeitos colaterais. De acordo com as Regras Básicas de Propaganda da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os remédios classificados com a tarja preta não podem ter publicidade para o público em geral, apenas entre profissionais da saúde. Entretanto, a popularidade do Rivotril rendeu uma propaganda involuntária: em rápidas pesquisas por lojas na internet, é fácil encontrar o rótulo do remédio estampado em camisetas, capas de celulares e até chinelos.
No Brasil, o medicamento é comercializado pela empresa Roche, que domina o mercado farmacêutico nesse segmento, com vendas em mais de 40 países ao redor do mundo. O preço do Rivotril também é algo que favorece a sua popularidade: as cápsulas com comprimidos são vendidas com preços que variam de 5 a 22 reais. Enquanto isso, o mesmo remédio vendido pela Pfizer sob o nome de Frontal é encontrado a partir de 42 reais.
O princípio ativo do Rivotril é o clonazepam, considerado um anticonvulsivante (remédio para controle de convulsão) ansiolítico (classificação dada para medicamentos usados para o controle de ansiedade). A sua bula mostra que o medicamento é especialmente indicado para distúrbios epilépticos, transtornos de ansiedade, transtornos de humor e síndromes psicóticas. Os efeitos colaterais também são mencionados. “As reações que ocorreram em 5% dos pacientes em estudos clínicos foram: sonolência, dor de cabeça, infecção das vias aéreas superiores, cansaço, gripe, depressão, vertigem, irritabilidade, insônia, perda da coordenação de movimentos e da marcha, perda do equilíbrio, náusea, sensação de cabeça leve, sinusite e concentração prejudicada”, informa a bula. Mesmo assim, o medicamento é visto pelos seus consumidores como uma forma de calmante.
Uma das explicações para esse consumo elevado do Rivotril é um fenômeno chamado de medicalização. Marisa Meira, professora-assistente doutora de Psicologia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) de Bauru-SP, possui pesquisa sobre a medicalização na área da educação. Marisa define esse fenômeno como “a utilização do medicamento para tratar questões que não são sintomas de uma doença, mas que são tidas como tal. Por trás da medicalização tem uma coisa mais básica que é a patologização: a transformação de certos comportamentos em sintomas de doença”, completa.
A maneira como os diagnósticos médicos são feitos ajudam a propagar a medicalização, e é um dos grandes fatores que impulsionam as receitas do Rivotril. “Hoje, tratam-se de certos fenômenos que poderíamos dizer que são normais, como tristeza ou melancolia por uma perda, por uma situação difícil de vida. Isso pode, em muitas vezes já ser chamado de depressão, e a pessoa ser convidada ou ela própria desejar tomar um medicamento pra resolver isso. Então, estão transformando as coisas do viver e que envolvem um certo nível de sofrimento, em sintomas de doença”, explica Marisa Meira.

Anestesia social
Em fevereiro deste ano foi divulgada uma pesquisa pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontando que o Brasil lidera o ranking entre os países com maiores índices de depressão da América Latina: cerca de 5,8% da população nacional é afetada pela doença. Além disso, 9,8% dos brasileiros sofre com algum distúrbio de ansiedade, o que desencadeia na busca por uma saída rápida e de alívio eficaz, afinal não há tempo a perder enquanto precisa-se lidar com o trabalho, a família, o sustento, as obrigações diárias.
Não é a toa que se procura a “pílula da felicidade”. Em um país afetado por ondas constantes de crises econômicas e políticas, não é simples prever o dia de amanhã, ou, pelo menos, é como dizem se sentir os brasileiros. A desigualdade e as pressões sociais estão entre os principais motivos que justificam os dados da pesquisa da OMS. Eduardo Trachtenberg, psiquiatra e professor da Fundação Universitária Mario Martins, explica que a rotina da população causa um endurecimento e cobra alto preço na saúde mental dos brasileiros. Em entrevista para o Zero Hora, ele explicou que “a ansiedade está relacionada a esse número de demandas, ao excesso de tarefas que a população vem enfrentando”.
Quando a crise de 2008 chegou no Brasil, em meados de 2009, a taxa de desemprego subiu 18, 5% em relação ao ano anterior, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad). Apesar do rápido abrandamento da crise e do reerguer das indústrias e setores afetados, a procura pela manutenção e ascensão de classe social, em grande parte pela classe média, se tornou constante e até mais forte, ou seja, o medo de empobrecer tomou conta do país. As jornadas e obrigações aumentaram, já que a luta para alcançar melhores patamares e condições financeiras também cresceu. Até março do ano em questão, o Rivotril já ocupava o segundo lugar dos medicamentos mais vendidos no país, e, até 2013, as vendas saltaram de 12 para 17 milhões, 42% de crescimento, segundo a IMS Health, que oferece dados sobre a indústria farmacêutica.
O fato de tais medos e preocupações levarem ao encontro dos medicamentos, revelam como o método, a parte de sua eficácia, se popularizou em grandes níveis. Há em muitos círculos sociais, como entre empresários, a indicação costumeira de que usar Rivotril é uma solução fácil e barata para muitos transtornos cotidianos que podem ou não se tornar psicológicos, como a ansiedade, muitas vezes engatilhada pelo estresse das rotinas de estudo e trabalho e as poucas horas de descanso. Entre a população em geral, cansaço, insônia e até pesadelos são alguns dos motivos que levam ao uso, segundo relatos de usuários, e, por ser barato, o produto tem grande alcance.
Mas não é só o valor baixo que garante essa facilidade. Apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter regulamentado e proibido a propaganda de medicamentos desse perfil, a prescrição do remédio é feita quase que sem discriminação por qualquer médico, para qualquer problema. Já é comum ter prescrições que vão para tratar de TPM até dores de dente ou gastrite, e, muitas vezes, o paciente chega ao consultório requisitando o Rivotril por já ter utilizado, muitas vezes pelo intermédio de um médico amigo ou conhecido de alguém. O Dr. Dráuzio Varella, escritor e médico cancerologista formado pela Universidade de São Paulo, explica em vídeo no seu canal que isso acontece porque o remédio pode ser indicado por qualquer médico, não necessariamente alguém especializado na área psiquiátrica.

Por que isso acontece? Um dos principais fatores é a falta de profissionais especializados em saúde mental no país, além do difícil acesso que a maioria da população tem quanto às consultas e tratamentos psicológicos e psiquiátricos. Isso abre brecha para que outros setores da saúde fiquem livres para indicar remédios tarja preta, sem saber ao certo qual é o problema que atinge os pacientes. E, apesar das diversas afirmações de especialistas acerca desses aspectos, a fiscalização do comércio do Rivotril é muito rasa e quase não há medidas preventivas ou ações que revejam os métodos de prescrição do remédio. Quem não reclama disso é a indústria farmacêutica, que investiu bilhões nesse tipo de medicamento. De 2007 uma 2013 o faturamento com a venda deles cresceu mais de 200%. Em 2016 o Brasil ocupava uma sexta posição em maior mercado de venda de medicamentos no mundo, e estimava-se que neste ano chegaria a ocupar a quarta.
Outra questão importante é uma constante glamourização do ato de medicar-se, como disse em entrevista para a Época o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e docente Plínio Montagna. Para ele, tornou-se comum que as pessoas tentem esconder e subtrair emoções consideradas ruins e que bloqueiam a produtividade, e passaram a exaltar os efeitos calmantes dos ansiolíticos, mesmo sem entender seu funcionamento e riscos. O uso recreativo, para potencializar o efeito do álcool, por exemplo, ajuda a fomentar essa banalização e dissimular os perigos do abuso de medicamento.
Consequências

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Em entrevista à Folha.com datada de janeiro de 2011, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Investigador Principal do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas (um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do CNPq), alertou para a consequência mais polêmica do uso contínuo de Rivotril: a dependência, que acontece em média após 3 meses. “A maioria dos usuários no Brasil são crônicos, dependentes, às vezes de baixa dose. A pessoa pode ficar dependente e não necessariamente fazer uma escalada da droga. Pode usar um comprimido de Rivotril por dez, 20, 30 anos e ficar só naquela dose”, comenta o psiquiatra.
Para esta reportagem, foi feito um levantamento de 11 matérias sobre o tema, registrando os depoimentos de 21 dependentes químicos, usuários e simpatizantes do clonazepam – incluindo falas públicas de pessoas famosas como o ator Selton Mello, o jornalista Pedro Bial e o cantor Zeca Pagodinho. Isto além dos diversos grupos na rede social Facebook, como o popular “Rivotril, não consigo largar!”, com 3.133 membros; o “Turma do Rivotril/Clonazepam”, com 158, e o “Rivotril”, com 882.
E para largar o vício? “O paciente precisa querer parar. Há drogas que tratam os sintomas da abstinência em no máximo 4 semanas”, afirma Carlos Hubner em entrevista à Super Interessante, professor titular da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (campus Sorocaba), experiente nas áreas de Medicina com ênfase em Psiquiatria e nos temas de esquizofrenia, transtornos do humor e da ansiedade. Em entrevista à Veja Rio, Antonio Egidio Nardi, professor titular de Psiquiatria na Universidade Federal do Rio de Janeiro, fundador e coordenador do Laboratório de Pânico & Respiração da UFRJ, recomenda que não se tente cortar o remédio de uma só vez, o que deixaria o/a paciente sujeito a riscos de convulsões e mal estar. “Tem que ir diminuindo aos poucos a dose, por um período de seis semanas”, completa ele.
De acordo com a bula, além dos efeitos colaterais observados em estudos clínicos, há também as reações pós-comercialização, que incluem uma lista de 14 tipos de distúrbios, risco por lesão e envenenamento acentuado na parcela idosa da população e nos pacientes que ingerirem álcool; além da diminuição dos glóbulos brancos e anemia.
Se existe um descuido da parte dos médicos quanto a prescrição exagerada do remédio, Plínio Montagna, acredita que existe uma expectativa prejudicial da parte dos e das pacientes. “Emoções normais e importantes para a mente, como tristeza ou ansiedade em situação de perigo, são eliminadas porque incomodam. Questões existenciais são tratadas como sintomas médico-psiquiátricos”, explica ele. Antonio Nardi também complementa: “Não dá para usar um medicamento como válvula de escape e compensação aos dissabores do cotidiano”.
Apesar das reações e das contra indicações, Nardi, que também coordena a sede carioca do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Translacional em Medicina, afirmou em entrevista que, quando usado de forma correta e com acompanhamento médico, “o rivotril é extremamente eficaz para amenizar crises fortes de ansiedade ou como medicação auxiliar em demais problemas psicológicos”. A palavra “auxiliar” não foi dita ao lado de “medicação” a toa; para um resultado positivo e eficiente, são necessários fatores simultâneos ao uso do remédio, que ofereçam um amparo a longo prazo, para o/a paciente poder trabalhar com as causas que motivaram o tratamento com o Rivotril. Luiz Alberto Hetem, profissional especialista em psiquiatria pelas Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira, além de Diretor da primeira do ano de 2003 a 2010, comenta para a Época inclusive que casos de saúde mental mais graves podem ser mascarados pelo ansiolítico. “[O rivotril] acalma e atenua a ansiedade, mas os problemas subjacentes não são diagnosticados”, declara.
Se existe um descuido da parte dos médicos quanto a prescrição exagerada do remédio, Plínio Montagna, acredita que existe uma expectativa prejudicial da parte dos e das pacientes. “Emoções normais e importantes para a mente, como tristeza ou ansiedade em situação de perigo, são eliminadas porque incomodam. Questões existenciais são tratadas como sintomas médico-psiquiátricos”, explica. Antonio Nardi também complementa: “Não dá para usar um medicamento como válvula de escape e compensação aos dissabores do cotidiano”.
Alternativas

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Dráuzio Varella, doutor conhecido também por instruir a população sobre temas básicos da medicina e sociedade (primeiros socorros, gravidez, planejamento familiar) através de quadros exibidos no programa Fantástico, da Rede Globo, defende os tratamentos naturais. “As saídas químicas nunca são a melhor solução, exatamente pelo risco de causar dependência a longo prazo e induzirem o paciente a, inclusive, procurar por outras drogas”, argumenta. Para ele, chás e remédios com ingredientes naturais são os mais indicados, como a camomila ou a erva-cidreira. Já em casos em que não é possível deixar a medicação de lado, o Sonitax, remédio que reúne “todas as receitas de vó juntas em uma pílula e potencializada […] é a melhor opção”, comenta o doutor. O Sonitax também não causa dependência e é uma boa ajuda para uma noite bem dormida.
Outros métodos recomendados para ajudar as pessoas a manterem sua saúde mental equilibrada, sem recorrerem ao Rivotril como primeira e/ou única opção, são as psicoterapias e as terapias convencionais. Além de ser necessário a avaliação de um/a profissional para assegurar se o sofrimento da pessoa é normal ou patológico, as (psico) terapias trabalham a fim de identificar como funciona o cérebro da/o paciente, para ajudá-lo/a a resolver sozinho/a as condições em questão. “[Na terapia], analisamos o que rege o psiquismo da pessoa e quais são suas primeiras crenças […], que regem o mecanismo de pensamento […]. A partir daí, vamos quebrando essas crenças e ensinando o/a paciente a lidar com as convicções distorcidas, mostrando que sempre existe uma forma de lidar com o problema que enfrenta”, discorre Catarina Petribú, psicóloga clínica e psicoterapeuta cognitivo-comportamental formada pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo (IPqFMUSP).
Além desses, métodos menos conhecidos e difundidos, mas igualmente eficazes, seriam  as alternativas não tradicionais do ocidente, como a Yoga, a Medicina Tradicional Chinesa e a Auriculoterapia. Sobre estas, no início deste ano, o Ministério da Saúde incluiu a Meditação, a Arteterapia e o Reiki no programa da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que torna tais práticas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). O PNPIC já existe há 10 anos, e contava com as práticas corporais em Medicina Chinesa, Terapia Comunitária, Dança Circular, Yoga, Oficina de Massagem, Auriculoterapia, Massoterapia e Tratamento Termal. A iniciativa para realização dos serviços deve ser da saúde municipal, mas os municípios recebem o financiamento do MS, através do Piso de Atenção Básica (PAC).

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