Como o consumo em excesso desses ingredientes pode prejudicar a saúde
Ana Carolina Ribeiro, Helena Botelho, Matteus Corti e Thainá Zanfolin
Os malefícios causados pelo excesso de consumo de sódio e açúcar não são novidade, no entanto, esse ainda é um problema de saúde para muitos países e para o Brasil. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o brasileiro consome mais que o dobro da quantidade de açúcar e sódio recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Foi com base nesse cenário que o Ministério de Saúde brasileiro fez um acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Alimentícias (Abia), em 2007, para que houvesse uma diminuição das quantidades de sódio, açúcar e gordura nos produtos industrializados. Esse acordo foi renovado em 2010 e continua como um tema de importância na agenda da saúde.
Também preocupada com as consequências para a saúde da população advindas da ingestão em excesso de sódio, açúcar e gorduras, a Organização Pan-Americana da Saúde montou um Modelo de Perfil Nutricional que oferece definições e critérios regionais da quantidade aceitável de sal, açúcar e gorduras em produtos comercializáveis. O modelo de Perfil Nutricional deve ser usado por governos no desenvolvimento de políticas públicas para a questão.
Além do acordo com a indústria, o Ministério da Saúde fez um Guia Alimentar no qual é possível encontrar orientações para se ter uma alimentação saudável. No guia, os produtos alimentícios industrializados são apontados como os principais responsáveis pela alta ingestão desses componentes. E a orientação fundamental é que se consuma alimentos in natura e preparados em casa.
A preocupação com aquilo que se come é sempre grande, no entanto, fugir dos alimentos industrializados é, na mesma medida, um desafio. Muitas vezes a falta de tempo e a correria do dia a dia se tornam um empecilho para que o preparo das refeições sejam feitas em casa, com alimentos frescos e naturais. Mas para que a mudança seja feita é preciso que conheçamos realmente quais são as consequências de uma alimentação desregrada e quais são as alternativas para se comer com qualidade.
Os malefícios do açúcar
De acordo com recomendação da OMS, apenas 10% das calorias consumidas diariamente devem ser provenientes do açúcar e, pensando numa dieta saudável ideal, esta porcentagem cai para 5%. O ideal é que uma pessoa consuma por dia algo próximo de 25 gramas de açúcar, não passando do máximo de 50 gramas.
O açúcar tipo sacarose é um carboidrato encontrado em diversos tipos de alimentos, sendo eles naturais ou industrializados, embora as taxas encontradas em produtos industrializados sejam muito mais altas. Existem diversos tipos de açúcares, entre eles o demerara, mascavo, de côco, o mais utilizado e comum, o açúcar refinado, entre tantos outros.
O açúcar refinado é geralmente proveniente da cana-de-açúcar, que passa por diversos processos mecânicos e químicos para a extração do produto. A cana é moída, o caldo é extraído e depois aquecido, filtrado e evaporado. Em seguida, extrai-se um xarope que é cozido para que surjam os cristais de açúcar. Os açúcares refinados recebem tratamentos químicos para a finalização: assim são melhorados seu sabor e aparência antes da venda.
A especialista em nutrição clínica e metabolismo Roseli Ferreira explica que o principal problema do consumo exagerado de açúcar refinado é o prejuízo à saúde que o produto causa, podendo gerar diversos tipos de complicações e doenças. “As recomendações para a redução do consumo de açúcares devem ser primordiais, já que o excesso de açúcares contribui para doenças como cárie dentária, obesidade, diabetes e demais doenças”, completa.
“Eu comecei a me preocupar mais com o meu corpo durante a adolescência e tinha o objetivo de cortar o açúcar refinado da minha vida, mas apesar de a dieta em casa ser muito saudável, quando saía ou ia na casa das minhas amigas eu comia muito”, afirma a estudante de jornalismo Mariana Hafiz. Ela ainda conta que a preocupação efetiva se iniciou após o surgimento de diversos problemas de saúde, como síndrome do ovário policístico, problemas dentários e complicações no sistema imunológico.
O consumo de açúcar está relacionado à produção de um importante neurotransmissor do organismo humano: a serotonina. Esse neurotransmissor é responsável pela regulação de diversas funções, entre elas o sono e o humor. Por isso é muito comum que as pessoas tornem-se “viciadas” em açúcar refinado e que o corte repentino do alimento cause consequências físicas como abstinência e outros tantos sintomas.
Roseli afirma que segundo o pesquisador Robert Lustig, da Universidade da Califórnia, o açúcar causa diretamente doenças cardiovasculares, gordura no fígado, diabetes tipo 2 e cárie. “O açúcar é viciante. Ao se livrarem do ‘vício’, aos poucos o indivíduo se sentirá melhor, com mais disposição e menos problemas de saúde e redução de peso”, afirma.
Já foi comprovado cientificamente que a eliminação do açúcar refinado é perfeitamente possível para a manutenção de uma dieta saudável, já que alguns açúcares naturais serão consequentemente ingeridos pelo indivíduo, como a frutose, presente em grande quantidade nas frutas. “É sabido que ‘o grande vilão’ é o açúcar refinado, que não tem vitaminas, nem minerais e possui grande quantidade de calorias”, conta Roseli.
A retirada do produto, no entanto, não deve ser feita de maneira brusca, já que os efeitos colaterais da abstinência podem ser diversos, como dores de cabeça, cansaço, desânimo, alteração do sono e do humor, irritação, nervosismo, falta de concentração, depressão e hiperfagia (vontade de comer excessivamente).
Foi o que aconteceu com Mariana, que teve certa dificuldade para eliminar o produto e das vezes que tentou, teve diversos problemas de abstinência. “Foi bastante difícil, antes de eliminar eu não sabia que eu era tão dependente do açúcar. Uma coisa que me ajudou muito foi passar a ler os rótulos e entender melhor o que o consumo me causava”. Hoje, ela sente que além da perda de peso, a eliminação do açúcar causou leveza, mais disposição e bem estar.
Apesar do senso comum de polarização entre sal e açúcar, excluir apenas o açúcar da dieta mas manter alto o consumo de sal não corresponde a uma dieta saudável. Isso porque o consumo excessivo do sódio, principal componente do sal de cozinha, é responsável por alguns danos à saúde. Segundo a recomendação da OMS, a ingestão diária de sódio não deve ultrapassar 5g.
A endocrinologista Andressa Heimbecher Soares, administradora da página “Endocrinologia em Dia” no Facebook e do perfil no Instagram com o mesmo nome, explica o motivo para a preocupação mundial com o composto: “Quando falamos em consumo de sal, o principal problema do seu excesso é sua associação com a pressão alta. E diante do dado que 1 a cada 4 brasileiros tem pressão alta, o controle da quantidade de sal ingerido se torna fundamental”. De acordo com a descrição da Sociedade Brasileira de Hipertensão, é hipertenso quem regularmente apresenta a pressão arterial igual ou maior que 14 por 9 (o adequado é 12 por 8).
Segundo a endocrinologista, “para cada 9g de sal que ingerimos, iremos reter 1 litro de água em nosso organismo”. Assim, o excesso de sal no sangue desequilibra os líquidos internos ocasionando retenção de água, o que torna os vasos mais estreitos para a passagem do sangue e aumenta a pressão. Embora seja controlável com remédios, a hipertensão pode desencadear problemas graves de saúde, como lesão de vasos sanguíneos, doença renal crônica, infartos e acidentes vasculares cerebrais, popularmente chamados de “derrames”.
O endocrinologista e nutrólogo João César Castro, autor do livro “Dieta Dissociada”, afirma que, além da hipertensão, o consumo excessivo de sal “agrava a osteoporose, pode afetar o paladar e acelera o envelhecimento, em alguns casos”. Doenças renais crônicas e cálculos renais também podem ser causados ou agravados pela substância.
Mas não há somente malefícios atribuídos à ingestão do sal. Andressa Heimbecher destaca a atuação positiva do sódio: “O nosso organismo necessita de sódio para regular as principais funções das células. Desde a transmissão de impulsos nervosos até a de geração de energia envolve o uso de sódio”. Segundo a médica, a falta de sódio, ou hiponatremia, pode causar náuseas, dores de cabeça, confusão mental e fadiga.
Há ainda outro benefício: o iodo, elemento adicionado artificialmente no sal de cozinha, atua na prevenção do bócio, uma doença que provoca a atrofia da glândula tireóide. Para mulheres grávidas, o iodo auxilia também no bom desenvolvimento do feto durante a gestação. Desde 1953, com alterações em 1974, a lei 6.150 proíbe a veiculação comercial de sal de cozinha sem iodo. Por essas razões, o sal de cozinha não deve ser excluído da dieta, mas sim consumido moderadamente.
Alimentos industrializados
A preocupação com o sódio, mais especificamente, ultrapassa a ingestão do sal e chega aos produtos industrializados. Esses alimentos devem ser consumidos com cautela a fim de evitar doenças relacionadas ao sódio, já que uma das principais características nutricionais dos alimentos industrializados é a alta concentração de sódio.
Em produtos congelados, ultraprocessados, enlatados e/ou instantâneos, sua presença costuma ser muito alta. Dependendo do alimento em que é colocado, o sódio atua de maneiras distintas. O endocrinologista João César Castro afirma que “os alimentos industrializados contêm uma porcentagem muito grande de sal, seja para acentuar o sabor, seja para manter a sua conservação”.
O elemento é comum nos aditivos alimentares, que servem para trazer características de sabor e cor e melhorar a conservação. Embora não sejam nutricionalmente saudáveis, os aditivos são permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Entre os complementos com sódio mais utilizados, estão o polifosfato de sódio (estabilizante), no sorbato de sódio (conservante), e no glutamato monossódico (realçador de sabor).
Apesar de ser frequentemente relacionada ao sal, a concentração de sódio também aparece em alimentos doces, justamente por suas funções variadas como aditivos, especialmente a conservação. Andressa Heimbecher pontua que “alimentos doces também podem conter teores altos de sódio. Por isso é muito importante olhar o rótulo.”
O jovem Pedro Maziero, estudante de Jornalismo, relata ter diminuído o consumo de industrializados após passar a morar sozinho e se tornar vegetariano. Entre os benefícios na redução do consumo, Pedro destaca que deixou de ter refluxo, que foi resolvido apenas com a mudança alimentar: “eu tomava protetor gástrico todo dia, hoje não tomo mais e não tenho nenhum problema com isso. E foi só a alimentação que resolveu”.
O estudante relata também que a mudança alimentar é um exercício diário e que a praticidade dos processados é o que mais pesa: “É muito fácil você comprar pão, tê-lo à sua disposição, sentir fome e comer pão. Se você opta por não comprar o pão industrializado, ou você vai pagar mais caro por um pão de algum lugar especial ou você vai fazer o seu próprio pão e isso demanda tempo”.
Mesmo sabendo todos os malefícios que o consumo do açúcar e do sódio para nosso corpo, mudar a forma que comemos pode ser um grande desafio. Segundo Daniela Benassi Carreta, especialista em saúde coletiva, em seu artigo “Açúcar: seus efeitos sobre uma sociedade sacarose dependente”, comer “certos alimentos pode levar a sensações positivas e a lembranças confortáveis, pois a dependência por doces pode ser uma maneira de compensar um hábito introduzido desde a infância: as mães costumam adoçar o leite das mamadeiras; quando a criança é bem comportada, ganha um refrigerante; a partir da adolescência, os namorados se presenteiam com bombons, simbolizando, portanto, aproximação social e festividades. O doce adquire assim, um significado afetivo na maioria das famílias”.
A mestre em nutrição e saúde Maria Grossi Machado aponta que o ideal para mudar a alimentação é fazer a troca desses produtos mais industrializados por outros mais naturais. No caso do açúcar, a especialista diz que é preciso buscar fontes naturais, como as frutas (que apresentam a frutose). “Adoçar o bolo, por exemplo, com uvas passas, damasco, tâmaras, banana, mamão e não acrescentar açúcar. Mas, se for usar, preferir o açúcar mascavo ou demerara”.
Além disso, ela diz que devemos desacostumar o paladar do sabor do açúcar tipo sacarose aos poucos, ir diminuindo as quantidades, tomar café sem açúcar, trocar pelo açúcar de frutas. “Faz toda a diferença porque você vai sentir o sabor do próprio alimento, e não do açúcar”.
No Guia Alimentar desenvolvido pelo Ministério da Saúde, uma das formas de diminuir o consumo de sódio é uma tarefa simples: tirar o saleiro da mesa. A nutricionista concorda com isso e acrescenta que, em relação ao sal, podemos usar ervas e temperos naturais, como cebola, alho, manjericão, pimenta, tomilho, entre outros. “É engraçado que antigamente existiam conflitos por conta das especiarias e hoje as pessoas compram tempero pronto, um produto que é barato, mas é muito ruim. Quando consumimos esses temperos industrializados não há um sabor verdadeiro, é o mesmo sabor para tudo”, comenta.
Existem também pessoas que optam pelas versões do sal com menos quantidades de sódio. O aposentado Rubens de Oliveira, de 54 anos, hipertenso desde os 15, substituiu o sal comum pelo sal light (com baixo teor de sódio) com o intuito de cuidar da doença. Apesar de não garantir os benefícios físicos do sal light, Rubens não descartou o uso do produto: “Não posso afirmar se houve melhora em função dessa troca, pois faço uso de anti hipertensivo concomitantemente, mas acho que facilita para uso de uma dosagem menor”.
Essa versão pode ser utilizada na mesma proporção do produto original e apresenta, segundo a descrição de informações nutricionais, 50% menos sódio em sua composição. No entanto, o sal light não fez muito sucesso no paladar: a presença do alumínio silicato de sódio entre seus ingredientes pode deixar o alimento com gosto metálico.
Educação alimentar
A educação alimentar desde a primeira infância tem importância primordial na mudanças dos hábitos das pessoas, na opinião da nutricionista. “A escola é um instrumento social muito importante nessa situação. Na escola deve-se falar muito sobre o assunto, assim a criança já cresce tendo esta consciência. Isso para todas as disciplinas e também na merenda, que precisa ser saudável”. Apesar disso, ela lembra que as crianças acabarão consumindo açúcar e sódio em algum momento, como em aniversários, e diz que o problema é que, hoje, esse consumo se tornou regra, e não exceção.
Além da educação, ela afirma que algumas questões como propagandas na mídia, por exemplo, podem ser controladas por legislações, assim como haver uma regulamentação acerca das quantidades de açúcar e sódio utilizados tanto na indústria como em restaurantes, por exemplo. Depois da regulamentação do sódio, um acordo para maior controle sobre o açúcar nos produtos industrializados está sendo estudado pelo governo, assim como uma melhora nas rotulagens dos alimentos.
Assim como no guia formulado pelo Ministério da Saúde, a nutricionista afirma que o ideal para a alimentação é que ela tenha o mínimo possível de alimentos industrializados pois eles sempre terão grandes quantidades de sódio (por conta dos conservantes) e de açúcar. “Uma pessoa que consome alimentos industrializados em excesso e todos os dias com certeza terá problemas de saúde no futuro […] O lema hoje é: descasque mais, desembale menos”.