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“Se pudesse pegar um túnel do tempo, teria continuado”

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“Uma das maiores frustrações da minha vida foi ter largado minha carreira de atriz”, lamenta Sônia Soares Santos, 53, em  nosso começo de bate-papo que durou pouco mais de duas horas, e se deu em sua casa, localizada no bairro Vila Universitária, logo após nos conhecermos em frente a uma sorveteria, ao acaso.
Esse foi um daqueles momentos em que o instinto do jornalista parece acender quando uma história incrível está próxima. Sônia, sentada em uma cadeira de plástico amarela, com uma bolsa pequena de couro de aspecto velho, era a responsável pela sensação da boa conversa, da boa prosa. Sua receptividade afável, aliada a seu tom de voz baixo e calmo, ajudou-nos a perceber que sim, havia uma grande história na senhora de pouco mais de cinquenta anos.
Sua casa era próxima ao local onde a encontramos. Acompanhamos ela até lá, falando durante o percurso sobre como o clima de Bauru é instável, passando de um calor desértico a um frio quase que polar em questão de algumas horas.
“De onde eu vim era só calor”, começou Sônia. Ela falava de suas origens quando chegamos ao portão do pensionato que hoje lhe serve de lar. Ao mesmo tempo em que o café produzia seu tradicional aroma ao entrar em contato com a água fervente, Sônia pegava suas malas empoeiradas, empilhadas em um canto escuro de sua pequena suíte alugada no fundo da pensão, para tirar delas retratos de um passado de sonhos, muitos deles de seus filhos, e outros momentos complicados, desses que fazem a gente lembrar o quão forte somos.
O “gelo” da entrevista foi derretendo conforme as recordações de sua infância,  passada em Ibitinga, interior de São Paulo, foram vindo à tona a cada gole no café quente que suava as laterais de seu copo americano. Criada na roça, em meio a uma pobreza extrema, começou a trabalhar aos 12 anos na bilheteria do Cine Rio Branco de Ibitinga, que existe até hoje.
“Cada vez que meu pai e minha mãe arrumavam mais um, outro ia pra cidade trabalhar”, conta ela com os olhos um pouco marejados ao lembrar do início de sua caminhada.
As primeiras lágrimas ameaçam cair com intensidade quando Sônia se recorda da morte de sua irmã mais velha, Sueli, na época com 19 anos. Um silêncio grande toma o quarto de pensão, que conta apenas com uma cama de solteiro, um espelho de borda laranja próximo à porta, um guarda-roupa velho e um monte de malas empoeiradas, que mostram que ali não é seu verdadeiro lugar.
Mas tão logo aquela mulher confiante e cheia de orgulho começou a se lembrar das boas histórias de sua vida, o sorriso volta a lhe cobrir a face. Ela se levanta, pega um copo de água e anuncia de supetão que já havia sido atriz. Com um imenso entusiasmo, ela se senta novamente e começa a falar sobre suas experiências no ramo artístico.
Em busca da realização de um sonho de menina, Sônia saiu de Ibitinga rumo à cidade de São Paulo. A jovem de 15 anos logo começou a fazer aulas de teatro, que eram ministradas no antigo Teatro Paiol, inaugurado em 1969. Depois disso, frequentou cursos em outros teatros, como o Mazzaropi, um dos mais importantes do Brasil e que se localiza no bairro do Brás, em São Paulo.
“Sabia que eu participei de um filme?!”, ela diz, em mais uma tentativa de nos surpreender. E de fato o fez. A riqueza das histórias daquela mulher, que hoje cuida de idosos, nos deixou abismados. Sônia contracenou com Antônio Fagundes e Mayara Magri no filme nacional “A Próxima Vítima”, dirigido por João Batista de Andrade. O filme de suspense lançado no ano de 1983 tem como pano de fundo misteriosos assassinatos que ocorriam no bairro do Brás.
“O João (diretor) falava que eu tinha potencial…” falou ela olhando para o teto, com se ali passassem as imagens do longa-metragem. Aos 24 anos ela atuou como figurante no filme. Foi uma prostituta. Aquilo tinha tudo para ser o começo de uma grande carreira, assim como ela havia sonhado em Ibitinga.
Novamente, um ar de lamentação e tristeza volta a se sobrepor às felizes lembranças. Sônia conheceu e começou a namorar um garçom, Josias. Casou-se com ele aos 25 anos e logo engravidou. Para ela, aquilo foi o final de um sonho que há pouco começara a se tornar possível. “…se pudesse pegar um túnel do tempo… teria continuado”.
Com Jaqueline recém-nascida e um marido que limitava seus passos, ficou impossível para ela continuar sua carreira. Logo o casal se mudou para Ibitinga, onde teriam o segundo filho, Rafael. Com a morte de Josias, Sônia começou a fazer das tripas coração para dar uma vida melhor para seus dois filhos. “Fiz faxina, fiz de tudo para criar meus filhos… inclusive trabalhei na casa do Raulzinho*, sabe? O jogador de basquete, da seleção brasileira?” indaga ela, já com os álbuns de foto engatilhados.
Conforme a chuva aumentava lá fora, começamos a folhear as fotos de seu casamento com Josias, de seus filhos, Jaqueline e Rafael, hoje advogada e administrador respectivamente, até que ela nos surpreende novamente.
Ela nos trouxe, com alegria notável, um calhamaço de papéis dentro de uma pasta de papel camurça. “Olha, eu escrevo também!”. A essa altura, já esperávamos qualquer coisa. Mas, um livro? A obra de 842 páginas de dona Sônia foi fruto de um vício desenvolvido com o crescimento dos filhos. Com o avançar da idade das crianças, a casa começou a ficar mais vazia, o que permitiu com que começasse a passar horas e horas em frente ao computador.
“Meu filho achava que eu não tava bem da cabeça… ficava falando pra mim sair de frente do computador”, reclamou. Enquanto falava, nos mostrou ainda uma cópia do e-mail enviado à editora Autografia com o intuito de negociar a publicação de sua obra, que, segundo ela, é um misto de ficção com realidade. “Meu sonho é publicar meu livro e morar na praia”, completa.
Antes de encerrarmos a entrevista, pedimos a ela uma frase, ou mesmo um trecho de sua obra, que a definisse. Com uma sensação clara de alívio no rosto, por ter tido a oportunidade de falar de sua vida por pouco mais de duas horas, ela solta: “Sou um pouco dos lugares que fui, um pouco de todos que conheci e um pouco das saudades que sinto”.
Depois disso, nos levantamos e, com um misto de gratidão por termos conhecido alguém tão especial e de tristeza pela necessidade de partir, nos despedimos, saindo dali com uma certeza ainda maior de que todos temos uma grande história em meio aos destroços de sonhos ainda não realizados.

Redação

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