No dia 10 de março de 2018, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) anunciou como pré-candidato à presidência da República o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, Guilherme Boulos. Ele terá como parceira de governo a ativista indígena Sônia Guajajara, conhecida por sua atuação na unificação dos povos indígenas do país e pela luta contra a destruição do meio ambiente.
Sônia é, dentre outras coisas, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a primeira indígena a se aventurar na disputa de um cargo tão alto na política nacional. Contudo, o envolvimento de representantes desses povos com a política é algo que já têm pelo menos 40 anos de história.
Já em meados da década de 1970 até o início da década de 1980, o movimento indígena no Brasil começou a atuar mais intensamente assumindo um caráter denominado pelos antropólogos como pan-indígena, devido à sua organização pluriétnica. Nesse primeiro momento, as manifestações e pautas levantadas tinham como objetivo garantir os direitos de todos os povos indígenas dentro do território nacional.
Segundo Maria Helena Ortolan Matos, doutora em Ciências Sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em sua tese de doutorado, essa movimentação inicial logo começou a trazer frutos maiores. “A participação de índios em assembléias, patrocinadas inicialmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), resultou na formação de uma comunidade e de uma identidade supraétnicas, constituídas como referências para a articulação do movimento e a criação da União das Nações Indígenas (UNI), organização indígena de caráter nacional”, explica a docente.
Apesar de as instituições voltadas à assistência dos povos indígenas já existirem desde o início do século XX, como por exemplo o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), de 1910, e a própria FUNAI (Fundação Nacional do Índio), criada em 1967, tais órgãos não exerciam proteção e promoção efetiva dos direitos desses povos.
Conforme explica Maria Helena, foi só a partir da promulgação da Constituição de 1988 que as mudanças na política a favor dos indígenas passaram a apresentar resultados importantes. “O cenário no qual contracenam os atores do movimento indígena passou a ser outro desde que foram implementadas mudanças na forma jurídica e política de inserção das populações indígenas no Estado brasileiro”, argumenta. “ Os Artigos 231 e 232 [da Constituição] afirmaram o reconhecimento legal da população indígena como integrante da sociedade brasileira, contrapondo-se às concepções anteriores de que os indígenas estariam, evolutivamente, destinados à mestiçagem ou mesmo à extinção”, completa.
Até antes da atual Constituição, a luta dos povos indígenas acabou sendo, muitas vezes, contra esses mesmos órgãos que supostamente seriam voltados a protegê-los, tanto física quanto judicialmente. A falta de representatividade e ações reais motivaram alguns grupos indígenas a se rebelarem contra instituições como a FUNAI, reivindicando sua autonomia.
Apesar da boa articulação do movimento indígena, no que diz respeito à representatividade desses povos dentro da política partidária, a situação ainda é pouco favorável. Uma pesquisa de 2015 aponta que, nas eleições presidenciais de 2014, dos cerca de 22 mil candidatos inscritos nas eleições, apenas 73 eram indígenas.
As eleições de 2014 foram as primeiras a exigirem dos candidatos uma autodeclaração de cor/raça no momento do registro das candidaturas. Por conta disso, não é possível levantar dados mais precisos a respeito do número de membros de povos indígenas que concorreram em eleições passadas. Segundo a mesma pesquisa, as únicas outras eleições das quais se têm registros, ainda que aproximados, são das ocorridas no ano de 1982, que contou com apenas 15 candidatos indígenas, dos quais o único eleito foi o deputado federal Mario Juruna.