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Suicídio: a necessidade do diálogo para quebrar tabus

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O que fazer quando o suicídio acontece em casos específicos e curiosos? Falar sobre o assunto pode ser a solução

Por: Bruna Moura, José Miguel Toledo, Stephany Mello, Yara Lombardi

Durante os 30 dias do mês de setembro são possíveis encontrar informações confiáveis e completas sobre o suicídio, a quebra de mitos e tabus e maneiras de como prevenir e cuidar de doenças e problemas que levam ao mesmo, tanto no mundo real como no virtual. Ações públicas também são feitas, como caminhadas, abordagens e a iluminação de pontos turísticos brasileiros em apoio à causa.

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Cristo Redentor é iluminado de amarelo em apoio a campanha de prevenção ao suicídio (Foto: setembroamarelo.org).

A necessidade imediata de tratarmos o tema está em que nove em cada dez suicídios cometidos no mundo poderiam ser evitados, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). E o Setembro Amarelo nasce nesse contexto, com a finalidade de quebrar e desmistificar o tabu existente e assim gerar maior discussão e informação sobre o assunto.

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Taxa de mortalidade causada pelo suicídio  aumentou no ano de 2015 (Foto: Divulgação/Sistema de Informação sobre Mortalidade – 2017)


Múltiplas faces da internet

Ao mesmo tempo em que o universo online é vilão na luta contra os suicídios e doenças mentais, ele pode também ajudar pessoas que sofrem com esse problema, sendo o principal meio para se compartilhar e acessar informações na busca contra o suicídio.

Campanhas são dissipadas pela internet, como a campanha do ponto e vírgula, que virou um símbolo do movimento contra o suicídio. O ponto e vírgula é usado quando o autor pode terminar uma frase, mas escolhe continuar, várias pessoas têm tatuado o símbolo no corpo como marca de luta e de força. O intuito da campanha é lembrar as pessoas que às vezes não é preciso colocar um ponto final na vida, coloque um ponto e vírgula, dê um tempo e que siga em frente, continuar, sem desistir no meio do caminho.

Páginas e grupos do Facebook também dão forças e incentivam as pessoas a continuarem e não se sentirem sozinhas. Uma delas é página “Você Não Está Louca”, em que imagens e frases de autoajuda são postadas diariamente, além de pessoas, mulheres em sua maioria, que sofrem de doenças mentais compartilharem nos comentários seus dia-a-dia, o que estão passando e as vitórias que conseguiram naquele dia.

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Perfil do “Você não está louca” ajuda mulheres à encontrar conforto em suas postagens (Foto: Reprodução/Instagram)

Relacionamento e comportamento

Imagine um cenário de um casal heterossexual que é movido por amor e algumas discussões típicas e casuais. Agora, imagine que as discussões típicas tornam-se cada vez mais uma constante e o perfil agressivo do companheiro faz com que a mulher do relacionamento o deixe. Anos, meses e até dias depois, a notícia: “Homem mata esposa e comete suicídio”. Familiar? Casos como esse tem se tornado cada vez mais comuns em núcleos familiares em que o companheiro, movido ao ciúme, à misoginia, executa a companheira e, em seguida, comete o suicídio. Nessa reportagem, o foco não é o feminicídio em si, e sim os complexos casos em que o companheiro, em situação de desespero, não consegue arcar com os atos e se suicida instantes depois de cometer o crime, conhecido por homicídio-suicídio (HS), em termos médicos e jurídicos.

Em um artigo realizado pelos psiquiatras e pesquisadores Helena Dias de Castro Bins, Cíntia Döler e Paulo Oscar Teitelbaum, é possível distinguir cinco tipos de HS: por ciúme, marital relacionado a declínio da saúde, tipo filicídio-suicídio, tipo familicídio-suicídio e extrafamiliar. No Brasil, não foram localizados estudos sobre esse fenômeno com abrangência nacional, mas não é necessário muito para perceber que casos como esse possuem uma ocorrência significativa.

Só nos 26 dias que antecedem o início da produção dessa reportagem, cinco casos como esse foram noticiados por grandes veículos midiáticos.

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Notícias recentes de homicídios seguidos de suicídios (Fontes: Tribuna do Ceára | Gaucha ZH | O diário de Maringá | Correio Braziliense | Gaz)

“A revisão da literatura aponta para os seguintes fatores de risco para a perpetração de HS: ser homem, jovem (geralmente mais velho do que a mulher), apresentar história de depressão, manter relações amorosas conflituosas, ter acesso a armas de fogo e existir uma ameaça (real ou fantasiada) ou consumação de separação” (BINS, DÖLER, TEITELBAUM, 2008).

Uma importante observação dos pesquisadores é que, de acordo com a psiquiatria forense, a maior parte desses casos acontece em um contexto específico, dificilmente o ator do suicídio configura-se em um quadro psicótico, já que não apresenta características delirantes.

“A idéia de acabar com a própria vida e eliminar a pessoa amada – e odiada ao mesmo tempo –  passam a existir de forma simultânea, sendo uma situação especial de suicídio que inclui o homicídio”, Rafael Brande Lourenço, psiquiatra.

Vítimas de outras doenças

Outro aspecto curioso dentro do quadro de suicídio, é quando falamos de pacientes de outras doenças, como o HIV, câncer terminal, esquizofrenia e transtornos que colaboram para o maior desconforto e desgaste emocional. O caso de pacientes com HIV é de destaque e preocupação para especialistas, já que o problema nessas situações é falta de informação do paciente e preconceitos da sociedade.

A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Susane Klug Passos realizou um estudo que aponta alta prevalência de risco de suicídio para pacientes soropositivos, intitulado “Alta prevalência de risco de suicídio em pessoas vivendo com HIV/AIDS: Quem é de maior risco?”. Dos 211 pacientes entrevistados, 34,1%, sofriam algum fator de risco de suicídio e 23,2% já tinham tentado se matar. O fato de ser portador de HIV é um agravante ainda devido ao estigma ligado à doença. “As pessoas sofrem com o preconceito. Isso gera medo, angústia, vergonha e culpa”, detalha Susane. A doutoranda também diferencia o aspecto de doenças como o HIV e o câncer: “A mulher que tem câncer não tem vergonha de contar isso ao marido, porque o câncer é socialmente aceito. Já com a AIDS é diferente”.

Para tentarmos compreender melhor como e porque isso ocorre, é necessário pensarmos, primordialmente, no desgaste emocional que doenças terminais causam. Imagine ter que depender de aparelhos para respirar e muitas vezes, para urinar ou defecar. Além de procedimentos cirúrgicos frequentes, transfusões de sangue semanais, internações extensas e dores diárias. É claro que falamos aqui de casos extremos que, infelizmente, muitas vezes são os que encontramos em hospitais oncológicos. A medicina avança a cada dia e tratamentos médicos cada vez mais potentes garantem maior qualidade de vida para pacientes de diferentes tipos de doenças, mas, muitas vezes, o corpo vence a ciência e não responde positivamente aos tratamentos.

“Lutar pela vida pode exigir bastante motivação e energia e por vezes o tratamento pode deixar o paciente esgotado, com necessidade de múltiplas internações, quimioterapia, e tratamentos invasivos. A incidência de depressão é maior do que na população geral devido a este estresse físico e mental.Rafael Brande Lourenço, psiquiatra


Em alguns países como os Estados Unidos, o suicídio assistido é a opção de muitos pacientes. Fator que ainda é tabu no Brasil, o suicídio assistido consiste na escolha do paciente decidir pela morte. Acontece em casos de doenças terminais que fazem o paciente perder completamente sua qualidade de vida.  A escritora e psicanalista Betty Milan, defende o suicídio assistido como “o fim da vida humanizado”, como citou em entrevista à BBC Brasil. Para algumas pessoas, passar pelo processo de envelhecimento e avanço de doenças terminais é um sofrimento considerado maior do que a morte que, em muitos casos, é visto como a possibilidade, enfim, de descanso.

Poucos países autorizam o suicídio assistido. A Holanda, pioneira na descriminalização em 2002, permite o suicídio assistido em casos que a doença seja incurável e que o paciente esteja lúcido e consciente ao pedir auxílio para morrer. A Suíça é o único país no mundo em que um estrangeiro pode optar pela morte com a ajuda de terceiros – gastando em torno de R$ 13.200 para garantir uma morte humanizada e indolor, com uma dose de 15mg de uma substância letal misturada com 60ml de água.

No Brasil, pouco se fala sobre o tema, portanto, não existe uma legislação específica. O psiquiatra Rafael Brandes Lourenço afirma que o Brasil é um país de atraso nesse sentido: “Temos medidas muito importantes a serem tomadas no Brasil para garantir um suicídio assistido: a melhora da assistência e do tratamento dos casos evitáveis e a disseminação adequada da ortotanásia e dos cuidados paliativos”, explica o médico. O artigo 122 do Código Penal proíbe o ato de “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio”, sendo um crime passível de pena de dois a seis anos de prisão quando consumado.

Os limites da fé


Pode-se também desmistificar a questão da indução da própria morte com relação ao estado depressivo dos indivíduos, entendendo a premissa de que existem outros fatores que desencadeiam a intenção suicida. Dentre estes que também podem ser determinantes para a ocorrência massiva de suicídios está a fé. Protagonista da humanidade desde os primórdios, a religião existe em diversas vertentes e ainda hoje dita regras e panoramas ao redor do mundo. Embora o Brasil seja hoje um Estado laico – ainda que com grande influência do Cristianismo –, constantes ações praticadas por Estados totalitários islâmicos seguem causando espanto e preocupação na humanidade. São os chamados homens-bomba, que em nome de sua fé, aceitam se tornar motim de um atentado terrorista, chocando aviões contra edifícios e assim colocando fim à própria vida.

É válido citar que a prática do suicídio é condenada pelo Alcorão tanto quanto por outras crenças, como o hinduísmo, o cristianismo e o judaísmo. No entanto, dentro do Islã, existem vertentes fundamentalistas que buscam uma interpretação própria dos textos sagrados. “A questão do suicídio associada à religião é cultural, uma vez que os homens-bomba acreditam que morrendo em nome de Alláh e defendendo aquilo que Alláh supostamente pede, eles vão conseguir chegar ao paraíso com méritos e conseguir as virgens que Ele prometeu”, esclarece a historiadora Rita Bocato.

A explicação psicológica para o estado emocional que condiciona ao suicídio é dado pela psicóloga Ana Beatriz Américo: “A religião pode ser nociva, mas talvez o benefício psíquico que ela traz para o sujeito pode ser superior às perdas. Assim, cabe um diálogo: a partir do momento em que as práticas religiosas do sujeito promovam sofrimento em sua vida, esse sofrimento supera o prazer de exercer sua espiritualidade”.

Os contextos religiosos estão, inclusive, intimamente ligados ao suicídio coletivo. Esse fenômeno ocorreu, em episódio notável, em 18 de novembro de 1979, quando 918 pessoas morreram em um misto de assassinatos e suicídios em Jonestown, uma comunidade fundada por Jim Jones, pastor e fundador do Templo Popular, uma seita pentecostal cristã de orientação socialista. Apesar de algumas pessoas terem sido mortas a tiros ou facadas ao tentarem fugir, a grande maioria faleceu consumindo veneno junto a um ponche de frutas, sob orientação do guru religioso. Sobreviventes do massacre costumam afirmar algo como um calamitoso estado de transe coletivo, associado a gritos de horror e agonia das pessoas envenenadas.

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Suicídio coletivo ocorrido em Jonestown traz debate sobre religião. (Fonte: Divulgação)



O poder de persuasão assustador de um líder espiritual sobre um grupo religioso também é explicado pela psicologia. “O que a sociedade religiosa impõe há milhares de anos sobre o que é a religião já influencia na construção da espiritualidade do sujeito: um deus que castiga, que demanda sacrifícios, que decide o que é bom ou ruim, etc. Isso tudo não tem relação com uma fragilidade da saúde mental do sujeito e sim com a constituição social do que é fazer parte de determinada religião”, determina Ana Beatriz.

A depressão é uma doença que muitas vezes é silenciosa. Nem sempre é possível perceber que alguém está com depressão. Até mesmo o próprio sujeito em depressão pode não perceber que está doente e que precisa de ajuda. Existem mecanismos de saúde pública que, junto do acompanhamento psicológico, são de grande auxílio nos casos mais extremos. O acompanhamento terapêutico dá a continência ao paciente, que funciona como uma sustentação em meio ao vazio em que ele se encontra ou um contorno à sua desordem psíquica. Falar sobre o suicídio se faz mais do que importante: necessário. 

 

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Redação

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