Por Michelle Albuquerque e Érika Turci
Preço acessível, enorme variedade de produtos e apoio ao pequeno produtor, as feiras livres são uma das tradições mais antigas do povo brasileiro. Elas ganham novos elementos e formas a cada ano que passa. É o ambiente do consumidor que observa, pesquisa e pechincha, e do vendedor que trabalha arduamente, cria uma linguagem única com seu público e conquista a sua clientela diariamente.
A relação entre freguês e comerciante é a peça-chave que faz a roda da tradição girar e, com que o hábito de frequentar a feira do seu bairro ou do centro da cidade, seja mais do que um ato de consumo. Tornou-se uma importante tradição familiar, perpetuada em lembranças tanto no quesito alimentar quanto para o lazer.
O hábito de ir a feira livre também é a opção número um das donas de casa quando buscam aliar economia e produtos de qualidade. O ensinamento que é passado de geração a geração torna-se extremamente útil em tempos de crise financeira, quando é necessário pesquisar com cuidado o preço dos alimentos que farão parte das principais refeições, mas sem descuidar da qualidade.
As feiras livres são uma manifestação da cultura urbana brasileira que se mantém vivas, nas pequenas e grandes cidades, em contraposição ao desenvolvimento urbano e do comércio nas cidades e o surgimento de sacolões e hortifrutis de supermercados. Segundo Rafael Santana de Lima, diretor do Departamento de Abastecimento da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento (SAGRA) da cidade de Bauru, elas têm uma grande importância social e promovem a comunicação e interação dos povos, resgatando a cultura, tradições populares e possibilitando o encontro da comunidade,
“Oferecem uma diversidade de produtos de qualidade, diretos do campo, com preços convidativos e, para os produtores e feirantes, uma excelente forma de comercialização e escoamento de seus produtos, pois é venda direta com o consumidor e com pagamento à vista” complementa o diretor da SAGRA.
A nutricionista Gabriela Arces, explica que uma refeição adequada para uma pessoa adulta deve ser a mais colorida possível e feito com alimentos frescos. Entre os alimentos indicados, estão: “verduras e legumes – procurar variar sempre as folhas, os tipos de legumes e sua forma de preparo; a combinação de arroz e feijão é uma mistura completa e saudável, além de ser saborosa; como fonte protéica – porção de carnes, de preferência assadas, cozidas e refogadas, sem gordura aparente. Para os vegetarianos o ideal é sempre ter leguminosas (soja, grão de bico, lentilha) no prato, no lugar das carnes, e sempre arroz, feijão, verduras e legumes” explica.
Para conseguir os alimentos frescos necessários (sem pesar no bolso), Gabriela indica as feiras, pois há uma variedade maior de alimentos do que em mercados regulares e a possibilidade de sempre consumir alimentos da época, que são mais baratos. Ela também destaca outro ponto interessante: “andar pela feira também é uma ótima forma de movimentar o corpo e fugir do sedentarismo!”.
As feiras livres permanecem vivas mesmo após o surgimento de sacolões e hortifrutis de supermercados. O escoamento de produtos tornou-se maior, mas a qualidade e variedade ainda são pontos importantíssimos que fidelizam os clientes. A feirante Andréia Menegueti, trabalha com feiras na cidade de Bauru há 27 anos e conta que o movimento caiu bastante nos últimos anos: “Antigamente tinham feirantes que ficavam ricos com pequenas barracas. Hoje não, hoje tem muito ponto de venda em Bauru, porque antigamente não vendia hortifruti nos mercados”.
Ela destaca também que as pessoas procuram a flexibilidade de horários oferecida pelos estabelecimentos “Os frequentadores diminuíram, porque antes eles pensavam “’Ah, vou para a feira hoje!’ e se você perdesse a feira do dia, só compraria no outro dia pois não tinha nada aberto. Hoje, existem mercados abertos até 24 horas, então há muita flexibilidade” finaliza.
Especiarias, ervas e alguns alimentos específicos encontrados em feiras livres. | Foto: Érika Turci
Mas, apesar da concorrência, ela não desanima e, com barracas em feiras durante os sete dias da semana, ela conta sobre fregueses que existem frequentadores antigos e novos na cidade, o que renova a clientela. Para a consumidora Natalia o problema com os supermercados é que os produtos ficam expostos por muito tempo e os preços são um pouco mais caros que nas feiras. Ela opta por gastar menos, consumir um produto de qualidade e fortalecer a cena dos pequenos produtores da cidade, através do consumo consciente.
A nutricionista Gabriela Arces destaca que em qualquer uma das duas opções é preciso ter alguns cuidados especiais na hora de escolher os alimentos: “O ideal é verificar sempre a integridade do alimento, olhá-lo de maneira geral, evitar comprar os alimentos que estejam amassados, com pontos escurecidos, muito maduros. Atentar-se para o cheiro, e para a cor do alimento que deve estar sempre viva e o mesmo com aparência de fresco” explica.
Para as feiras livres alguns cuidados extras também são necessários, como conferir se o local é limpo, com pouco acúmulo de lixo nas proximidades e, ficar atento também as condições de higiene do vendedor, como unhas e roupas limpas. Os alimentos cárneos devem estar armazenados em temperaturas mais baixas, normalmente de 0 a 10°C para garantir a segurança do alimento. “Se o alimento não estiver refrigerado, cuidado, o ideal é não comprar” finaliza.
As feiras se transformam e adequam-se aos novos tempos sem perder o encanto de sua tradição. É essencial que a sua importância social como manifestação da cultura brasileira e diversidade sejam preservados. A jovem Natalia destaca que o ato de ir a feira era um hábito familiar, em que ia aos sábados com a mãe e dependendo da feira, pessoas do seu círculo social também iam pelo ambiente e pelo “evento” que era ir à feira de domingo.
Segundo dados oficiais da SAGRA, existem 38 feiras livres em Bauru, 405 produtores e feirantes atuantes e o público alvo de cerca de 250mil pessoas/mês que movimenta o setor. Para informar o público sobre os locais, horários e como elas estão divididas o próprio site da Secretaria de Abastecimento e Agricultura disponibiliza uma tabela atualizada. Sites sobre a cultura e entretenimento bauruense, como o Social Bauru, também são aliados na divulgação, transmitindo a informação também nas redes sociais.
O trabalho de feirante começa cedo e termina após o último cliente, mas para Andreia, no ramo a mais de 20 anos, é recompensador. “A gente levanta todos os dias às 4h30 da manhã, carrega a perua e vem para a feira. Tem que chegar até umas 6h30. Monta a feira e não pode antes das 11h, mesmo se você vendeu toda a mercadoria. Às 11h você desmonta, carrega e vai embora para casa. Todo dia a rotina é a mesma!” conta.
Há 27 anos, ela deixou o trabalho como secretária em um consultório médico e junto do marido Ailton – o “Kiko da fruta” – investiram na feira livre. Atualmente, trabalham em uma feira diferente por dia e em diversos bairros e locais diferentes na cidade de Bauru. Ela conta que não é uma padrão de vida alto – é um padrão de trabalhador – mas dá para viver bem e criar os filhos com dignidade: “Tenho uma filha de 12 anos e um filho de 22 anos que está fazendo faculdade!” comemora.
Há 27 anos, o casal Kiko e Andréia Menegueti atuam como feirantes na cidade de Bauru. Encontre-os na feira livre no estacionamento do Bauru Shopping, todas às segundas-feiras das 16h às 20h. | Foto: Érika Turci
A feirante destaca que é preciso ter disciplina com a rotina e atenção aos horários, mas a opção de serem seus próprios patrões foi unânime e é uma das maiores vantagens do trabalho: “Se a sua empresa estiver em crise, você não é mandado embora, porque é você quem faz e que se dedica. (…) É você que sempre buscar estar cada vez melhor, porque quer ganhar mais” complementa.
Por serem realizadas ao ar livre, o clima se torna um dos principais vilões na profissão: “É uma batalha árdua, mas a desvantagem maior para nós é o ‘tempo’. Tem hora que chove demais aí o freguês não vêm e você não vende. Tem hora que molha a mercadoria, venta demais… A gente luta contra o clima” explica.
“As feiras são uma importante forma de escoamento da produção dos agricultores do município, sobretudo os familiares e donos de pequenas propriedades, gerando emprego e renda. Para a população, além de adquirir produtos frescos e mais baratos que nos grandes comércios, a vantagem também é ter um espaço para lazer e cultura”, considera o secretário de Agricultura e Abastecimento de Bauru, Chico Maia.
Na cidade é a Prefeitura Municipal de Bauru, através da SAGRA, quem realiza e organiza as feiras livres. O Departamento de Abastecimento realiza pesquisa de campo, impacto de vizinhança, avaliação e licença do local, viabiliza espaço físico para a realização das feiras livres na cidade. O órgão também expede licença para atuação dos feirantes, realiza a fiscalização, colocação e retirada de placas de trânsito, horário de montagens e desmontagens das barracas e, em alguns casos, banheiros químicos.
A feirante explica que a Prefeitura Municipal oferece apoio para a organização na montagem e entre os feirantes através de um cadastro prévio. “Eles dão os apoios de fechar a rua, de orientar, não deixar outra pessoa montar feira no seu lugar. Assim não precisa chegar tão cedo, antes o feirante chegava de madrugada para não perder o lugar. Hoje dá para chegar umas 5h da manhã, montar sossegado que o seu lugar é garantido. A prefeitura está dando sse apoio para nós, o que é bom!” complementa. Mas, falar em um incentivo maior ao feirante ainda está um pouco longe da realidade.
As feiras livres buscam valorizar os pequenos produtores. | Foto: Érika Turci
O apoio aos pequenos produtores locais, tanto para a produção quanto para o escoamento dos produtos é um dos principais motivos já citados do consumo consciente em feiras livres. Para a nutricionista Gabriela, conhecer o produtor, uma confiança maior no alimento adquirido e isso, graças a uma maior transparência no processo de cultivo: “Os alimentos de feiras livres, normalmente costumam ter seu processo, desde o cultivo até a venda, mais livres de elementos utilizados para acelerar o cultivo e maturação dos alimentos, já que não são produzidos em grandes demandas” explica.
Andreia conta que existem muitas famílias trabalhando com a pequena produção hortifruteira em Bauru e região e que a maioria dos revendedores, assim como ela e o marido, buscam diretamente dos sítios. “Se eu sei que um produtor planta pitaya ou abacate, por exemplo, eu já vou e encomendo. É bom para eles porque eles alguns produzem e não tem tempo de vir vender. Alguns tem, mas a maioria não tem. Então eles escoam a produção vendendo para nós” explica.
Ela acredita que o futuro das feiras livres e da manutenção da tradição familiar e cultural na cidade está em valorizar o pequeno produtor. Porque se eles desanimarem e não plantarem, todos saem no prejuízo. Afinal, a industria e a sociedade precisam do produtor rural para plantarem e reabastecerem os estoques, todos os dias.